Do chamado "acordo sobre as interconexões", também chamado "corredor verde" - provavelmente por ser potencialmente mais bonito - que agitou a política da caserna nestes últimos dias, não percebo nada. E creio que não estarei sozinho nesta ignorância, até porque, dele, nada se sabe.
Como nada se sabia do anterior, o tal que, ao contrário deste, que prevê essa "interconexão" por mar, a previa pelos Pirenéus. Sabia-se apenas que fora assinado entre o governo de Passos - e talvez por isso tão defendido pelo PSD - e o de François Hollande. E que nunca chegou a existir, porque Macron sempre se lhe opôs.
É aqui, neste preciso ponto, que passamos a perceber o essencial deste novo acordo para levar energia para a Europa através do Mediterrâneo. Pela simples razão que somos levados a perceber que os interesses franceses, que Macron põe acima de quaisquer outros, terão a ver muito coisa, menos com a forma como lá chega o gás. E depois o hidrogénio, que ainda se não sabe quando, nem como, se começará a produzir. Por terra, ou por mar não muda muito. Pode custar mais ou menos dinheiro (e isso é com a Europa, já se sabe), mas chega lá à mesma, para atravessar o país, na mesma. É ao percebermos isso que percebemos por que nada se sabe de um acordo que não existe, e que, remetendo tudo para as calendas, dificilmente existirá. E que se resume à simpática fórmula encontrada por Macron para deixar tudo na mesma, fazendo parecer que alguma coisa mudou.
Pelo meio, e aqui entra a Espanha, fica a saber-se que, se e quando vier a existir, este acordo privilegia os portos espanhóis e deixa de fora o porto de Sines.
Perguntar-se-á: então por que é que António Costa faz disto uma festa?
Creio que só há uma resposta: porque ele é mesmo assim. Gosta de festas!
Fica hoje concluída a remodelação do governo, com a tomada de posse de quinze secretários de Estado. Entre eles, João Galamba, a estrela da companhia, com a pasta da energia. Mesmo quando a companhia inclui Raquel Duarte Bessa, na Saúde, que recentemente se demitiu do Hospital de Gaia, em protesto contra a falta de condições no SNS. Ou João Correia Neves, na Economia, que foi chefe de gabinete de Manuel Pinho, quando este por lá passou em part-time, no governo de Sócrates, dividido entre o ministério, a EDP e Ricardo Salgado, como agora se sabe.
Vir-lhe-á o estrelato da pasta da energia?
Provavelmente, não. Estrela rima com energia, como se sabe, ou não fossem justamente as estrelas as mais poderosas fontes de energia. Mas, em Portugal, energia quer simplesmente dizer EDP, China Tree Gorges e, agora também, Paul Singer, especulador americano da Elliott Management Corporation, acabado de chegar e de se tornar no 2º patrão da energia em Portugal... E rendas e cmecs...
E tanto quanto se sabe, Galamba não percebe muito disso.
Arriscaria que a sua fama vem de trás. E que, se calhar, tem a ver com a sua exposição na máquina da propaganda de Sócrates, circunstância que depressa o transformou num belo exemplar daquilo a que alguns gostam de chamar tralha socialista. Que depois reforçou quando o renegou que nem Pedro, e sem que o galo cantasse.
Passos Coelho entregou boa parte da EDP - a maior empresa nacional que por si só "vale" o mais determinante sector da economia nacional - ao Estado chinês, há meia dúzia de anos, numa inaceitável decisão de alienação de soberania económica em favor de uma grande potência mundial, não europeia e, valha lá isso o que nos dias de hoje valer, de um Estado totalitário.
Compreende-se que o Estado tivesse que vender a sua participação na EDP, mais ainda naquela altura. E percebe-se que, tendo de o fazer, não fosse possível mantê-la em mãos nacionais. Era necessário dinheiro para as finanças públicas, o défice e a dívida pública a isso obrigavam. E não havia no país esse dinheiro porque, capitalistas, por um lado, e poupanças, por outro, as duas faces da moeda do dinheiro, nunca foram o nosso forte, antes pelo contrário. Fomos sempre mais dados a fazer figura com crédito...
E se eram os chineses quem mais dava...
A inaceitável decisão de Passos Coelho teria, apesar de tudo, estas atenuantes.
Agora, passados estes 6 ou 7 anos, a empresa estatal chinesa que ficou com a fatia que então Passos Coelho lhe vendeu, e que lhe vale um pouco mais de 23% do capital daquela a que continuamos a gostar de chamar a energética nacional, quer mais. Quer tudo. Mesmo que querer tudo, nestas coisas, nunca seja querer tudo, basta o mais confortável controlo possível. E para aí chegar lançou uma Oferta Pública de Aquisição das acções que lhe faltam, a OPA.
A China Three Gorges - assim se chama a empresa chinesa - desta vez não vai comprar acções ao Estado português, que já não tem nenhuma. Nem para amostra. O Estado português tem apenas alguns instrumentos de regulação e, como se sabe, a faculdade de garantir - como tão bem tem feito e parece querer continuar a fazer - as famosas rendas, tão bem desenhadas por Mexia e Pinho, e melhor defendidas por Catroga. Indispensáveis para os resultados que hão-de pagar os dividendos, que já dobraram o investimento, e para os famosos vencimentos a António Mexia & Companhia. E no entanto, sem nada para vender, sem nada de nada para o défice ou para a dívida pública, António Costa apressou-se a dar as boas vindas à OPA, que recebeu de braços abertos e sorriso nos lábios!
Apressou-se - é a expressão. E a gente não percebe a pressa. E se não se percebe a pressa, muito menos se percebe sequer o interesse em abrir um processo que, independentemente do duvidoso sucesso da OPA, tem como ínequívoco e inevitável destino uma desmedida concentração de capital na mais fundamental das empresas nacionais. A caixa que foi aberta não será mais fechada...
Quando numa matéria destas António Costa ainda consegue ir muito para além de Passos, percebe-se melhor tudo o que se está a passar.
Ora aí está. Depois de umas bicadas meio ziguezaguiantes, nem sempre bem sucedidas e até com alguma coisa de tiro no pé, eis que o Bloco acerta em cheio. Na mouche!
Que não largue. Não é só de temas fracturantes que se faz o protesto. Também se faz com temas consensuais, e muito especialmente com os que o poder quer manter escondidos.
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