Termina hoje o "estado de emergência", ou melhor, o 15º "estado de emergência". Vigorava ininterruptamente desde 9 de Novembro do ano passado, e é agora substituído pelo "estado de calamidade" que, apesar do nome pouco simpático, é menos calamitoso. E entramos na quarta fase de desconfinamento, que ainda não é o retorno à normalidade, nem o regresso das nossas vidas, mas é um "passo em frente", para utilizar as palavras de António Costa no anúncio desta boa nova.
Não é, no entanto, um "passo em frente" todos os portugueses. Há oito concelhos que ainda ficam de fora desse passo e, num deles, Odemira, há até duas freguesias peadas em cerca sanitária.
Que ninguém dê o passo mais largo que a perna. E que "ninguém cegue com a luz ao fundo do túnel", nas palavras de Marcelo. Dá mau resultado, e para calamidade já basta!
A obstinação do PCP em realizações que produzam ondas de choque na sociedade portuguesa só é comparável à obsessão pelo vírus e pelo contágio em gente para quem nunca há problema nenhum, o uso obrigatório de máscara é uma palhaçada e para quem o vírus não passa até de uma invenção, de um "esfriamento", ou de uma "gripezinha".
A não ser no 1º de Maio, na festa do Avante, ou no congresso do PCP ... Aí é que não há dúvida que há mesmo vírus. E altamente contagioso!
Custa-me a perceber uma coisa e a outra. Custa-me a perceber que o PCP não perceba que essa obstinação só cria dificuldades - ao próprio partido, e aos outros - sem resolver nada de essencial. Que é um custo sem proveito. E custa-me a perceber que, à custa dessa obstinação, desse braço de ferro com a realidade, tenha reduzido para metade (a seiscentos) os delegados ao Congresso, colocando provavelmente em causa a eficácia do acontecimento. E certamente a representatividade democrática dos militantes. Mesmo que possamos desconfiar que isso não constitua ali motivo de preocupação maior...
Também me custa a perceber o "milagre" da conversão dos negacionistas que provoca. Como é que gente descrente passa tão depressa a tão fanáticos praticantes... Mas para isso deve haver explicação.
Os números de que se faz a história da pandemia não param de crescer. A barreira psicológica das duas mil infecções diárias ficou rapidamente para trás. Chegaram aos três mil. E aos quatro. E os seis mil estão já aí.
Já ninguém sabe muito bem o que fazer. Sabe-se que "confinamento nunca mais". Que não pode ser, que não é comportável. Ninguém sabe muito mais, anda tudo às apalpadelas. À procura do meio termo entre uma coisa qualquer e outra coisa. Qualquer que seja.
E venham regras e mais regras, com excepções e mais excepções. Não resolvem nada, mas aumentar a confusão já não é mau. E lá vem o Presidente Marcelo - está em todas, não perde uma - com a bandeira a meia haste para homenagear os mortos. Hoje, que ontem, que era o dia, não se podia. Ou podia. Ou talvez não. Bandeira a meia haste, num tributo às vítimas mortais da pandemia. Não. Içar a "bandeira nacional em dia de luto" e de "homenagem a todos os falecidos, em especial aos que pereceram devido à pandemia".
Do meio da confusão alguma coisa há-de sair. Depois de reunir com o primeiro-ministro, de içar a bandeira, e de homenagear todos os mortos, mas em especial alguns, lá para a hora dos telejornais, do Presidente alguma coisa há-de sair. De novo o estado de emergência. Ou mais confusão ainda.
Uma calamidade em estado de emergência, é o que é.
Com o passar dos dias, semanas e já meses, a abertura à vida é inevitável. As pessoas já não têm mais tolerância para o confinamento e a economia não pode esvaziar-se mais.
Temos que sair de casa. E a economia tem que ser reaberta. Porque já não aguentamos lá mais tempo, e a falta de ar na economia sufoca. E mata, mais que o vírus...
Daí o fim do estado de emergência, já amanhã. Que, mais do que para qualquer outra coisa, serviu para o Presidente da República apanhar o comboio que tinha perdido. Que partira enquanto ele estava fechado em casa, pensando que tinha o maquinista no bolso.
Serviu Marcelo, não serviu o país. Nada do que foi feito durante o estado de emergência teria deixado de se fazer. E o que era necessário fazer estava já a ser feito, com os portugueses já em auto decidido confinamento.
Acabar agora, quando as pessoas começam a esgotar a resiliência e têm que começar a regressar á vida, reforça ainda mais essa ideia. Que não serviu mesmo para nada, que simplesmente andou sempre a reboque da disponibilidade das pessoas. Só que transmite também a ideia que, se não passou já tudo, passou pelo menos o pior. E essa é neste momento uma ideia perigosa.
A abertura será feita em três fases, com a primeira a iniciar-se já no início da semana. A segunda duas semanas depois, a 18 de Maio, e a última mais duas semanas depois, a 1 de Junho. Se tudo correr bem, e não for preciso dar passos atrás, como referiu o primeiro-ministro.
Que tudo corra bem. E que o grupo de investigadores da Universidade de Singapura, que aponta já o fim da pandemia em Portugal para próximo dia 17 de Julho, não se tenha enganado em conta nenhuma…
Uma boa semana. E todos com a cabeça no lugar, já com os cabelos todos certinhos no seu sítio.
O presidente da República, anunciando que não iria ser renovado, anunciou ontem o fim do estado de emergência. Que, conforme opinião que abundantemente aqui expressei, nunca deveria ter sido declarado.
Serviu apenas para o Presidente Marcelo apanhar o comboio em andamento que tinha perdido na estação, por se ter fechado em casa sem ninguém saber bem por quê. Serviu Marcelo, não serviu o país!
Não serviu o país porque, como é hoje absolutamente evidente, nada do que foi feito durante o estado de emergência teria deixado de se fazer na sua falta. Tudo o que foi necessário fazer tinha sustentação legal fora do quadro do estado de emergência. Mais, e mais decisivo ainda: o confinamento já estava em curso, auto-imposto pelos portugueses.
Não serviu o país mas, pior, abriu um gravíssimo precedente. Porventura uma caixa de pandora. E era esse o ponto, o fulcro da minha oposição à lamentável e anti-patriótica iniciativa do Presidente Marcelo. Não que, por uma vez, tivesse algum receio que este Presidente, este governo, ou este Parlamento pudessem ferir a democracia de morte neste estado de emergência. É pela caixa aberta que fica para o futuro, à mão de um outro presidente, de outro governo ou de outro Parlamento. É pelo exemplo vivo, e bem à vista de todos, do que se está a passar na Hungria e do que Viktor Órban fez com o estado de emergência.
E não serviu o país, e pode prejudicá-lo severamente, ainda pelas consequências do seu levantamento. É uma medida tão excepcional que não pode ir para além de períodos de quinze dias. Foi renovada por duas vezes, e não o poderia ser por muitas mais. Não o permitiria nem a situação económica do país nem a resiliência dos portugueses.
Ao ser levantado transmite a ideia que, se não passou já tudo, pelo menos o pior já passou. E esta ideia, exactamente quando a resiliência das pessoas começa a rebentar por todas as costura, é altamente inflamável. Ao ser levantado numa altura em que o número médio de contágios por cada pessoa infectada (indicador R0) está pior do que há algumas semanas, mais alto do que seria recomendável para o início do desconfinamento, e ainda mais alto do que estava nos países que já começaram a iniciar esse processo, tem tudo para se poder transformar no detonador de uma segunda vaga. Como, de resto, vai avisando a comunidade médica!
A "emergência" de Marcelo quando se viu em terra, e com o comboio a partir, deu nisto.
Nas poucas coisas que teve para dizer, o Presidente Marcelo disse que ... mentir, não valia. Disse que "ninguém vai mentir a ninguém" como se isso fosse uma alínea do decreto do "estado de emergência" que acabara de assinar.
Da mesma forma que há portugueses a "furar" o "estado de emergência", e vão para a praia, para as marginais ou para os copos, há gente a mentir. Por todo o lado. E ontem o primeiro-ministro mentiu. Não sei se foi a primeira vez que furou esta alínea do "estado de emergência" de Marcelo, mas mentiu.
Ao garantir que até agora não faltou nada ao Serviço Nacional de Saúde para combater a pandemia, António Costa mentiu. E soube que mentia, viu-se-lhe nos olhos que sabia que estava a mentir.
Não terá provavelmente ponderado toda a extensão da mentira. Terá intuído que a mentira teria menos danos que a verdade, mas o sentido de responsabilidade - de que tem até dado sobejas provas - obrigava-o a mais. Obrigava-o sobretudo a mais o respeito pelos milhares de profissionais que nos hospitais se debatem com carências de toda a ordem, que a todo o momento os obrigam fazer opções, muitas delas dramáticas. Que, por falta de equipamentos de protecção individual, arriscam todos os dias a sua própria saúde, e que, para não colocarem em risco a dos seus, se vêm forçados a um esgotante isolamento nas poucas horas de retemperamento de que podem dispor.
Sem dúvida, António Costa poderia e deveria ter por momentos virado as costas ao lado mais cínico da expressão política, e procurado outra saída para a pergunta que, de tão óbvia que era a resposta, nem precisava de ser feita. A que encontrou foi chocante. Não tanto por ser mentira, mas por projectar uma insensibilidade que porventura até não terá.
Com a vida parada e as pessoas em casa, com o número das pessoas infectadas a crescer diariamente a ritmo acelerado e com as notícias das primeiras mortes, o país, por enquanto ainda sem dar por isso, está em estado de emergência há já mais de 24 horas.
Até que o Presidente da República tivesse decretado o estado de emergência o país dividia-se em dois: entre os que o reclamavam e os que achavam desnecessário. Agora que está decretado, divide-se em três. Ironicamente tantos quantos os grupos em que o governo dividiu a população. Mas não os mesmos.
É que, os que antes o reclamavam, dividem-se agora em dois: os que o acham brando, que pretendiam uma coisa mais musculada, e os que entendem que tem o tom certo. Poderia então dizer-se que quem estava contra poderá ter passado a concordar com este estado de emergência em vigor, e que, assim, o país continuaria apenas dividido em dois. Poderia dizer-se isso se, entretanto, os que antes estavam contra a declaração do estado de emergência não tivessem, com isso, apenas confirmado a sua desnecessidade. E passado a ter mais razões para desconfiar.
Sobre o estado de emergência decretado, o país agora divide-se em três: os que defendem o estado de emergência “a sério”, os que defendem o que vigora para defender o Presidente da República, e os desconfiados.
O decreto presidencial do estado de emergência é uma carta branca emitida pelo Presidente da República e entregue ao governo. Só que é uma carta branca que o governo não pediu. Que não acha que lhe faça falta. E sempre que alguém dá a outrem algo que lhe não foi pedido pode sempre suspeitar-se de presente envenenado!
Um presente estranho, anacrónico, que serve mais a quem o oferece que a quem o recebe…
Como era esperado, o estado de emergência com que o Presidente Marcelo quis fazer prova de vida, e assim ressuscitar para para a reeleição, está decretado. E já em vigor.
Não será por isso que deixou de ser discutível. E discutido.
Como aqui disse por várias vezes os prós e contras dividiam-se entre os mais dados às teorias seguritárias e à exibição da força, e os mais afeiçoados às teses dos direitos e liberdades individuais. Entre os que acham que polícias e tanques nas ruas são como que uma vacina, e os que acham que polícias e militares servem para outras coisas, que não para tratar uma epidemia. Entre os que acham que a guerra ao covid-19 se ganha com toda a gente fechada em casa, e os que acham que com toda a gente fechada em casa o país morreria da cura antes ainda de morrer da doença. E até entre os que achavam que, no meio disto tudo, a prioridade era, no mais descarado oportunismo populista, aproveitar a opinião pública favorável ao estado de emergência para recuperar a popularidade do Presidente, e os que, cansados do seu populismo, se estão já nas tintas para a sua popularidade e para a sua reeleição.
O estado de emergência é um instrumento que o Presidente da República cria para, depois, entregar ao governo. É uma carta branca que o Presidente dá ao governo para este faça o que entender sem quaisquer condicionalismos constitucionais. Ora, como se sabe, o governo entendia que não precisava nada disso. E, não precisando, o mais provável seria que não a utilizasse.
Daí que o decreto presidencial que institui o estado de emergência tenha acabado por ser pouco mais que nada. Com a irónica particularidade de vermos os seus principais defensores transformarem essa inocuidade no grande mérito da decisão do Presidente.
Se o maior mérito deste estado de emergência é dispensar as prerrogativas do "estado de emergência", ficamos todos mais esclarecidos sobre os seus verdadeiros objectivos. E não surpreenderá que tenha desagradado à grande maioria dos que, de boa fé (independentemente das motivações), o defendiam.
Hoje é dia de ficarmos a saber se, como é vontade do Presidente Marcelo, entramos em "estado de emergência", ou se, como é desejo do primeiro-ministro Costa, não vamos tão longe. Se se fecha já o país, ou se se vai fechando aos poucos.
As opiniões dividem-se, como se vê logo por estes dois principais órgãos de soberania. Dividem-se entre os que apreciam mais uma sociedade comandada por um Estado mais musculado, e os que privilegiam uma sociedade comandada pelos valores dos direitos e liberdades individuais mas, acima de tudo, dividem-se entre os que, num momento destes, entendem que toda a prioridade tem que ser dada, em absoluto, ao combate à pandemia, e os que entendem que, dessa forma, se poderá estar a deitar fora o bebé com a água. Ou a matar com a cura.
Tudo depende agora da capacidade do Conselho de Estado para persuadir o Presidente a mudar de opinião, porque já se percebeu que nem o governo, mesmo que em discordância, nem a Assembleia da República, irão contrariar a decisão presidencial.
Entretanto começam a chegar boas notícias. E não me refiro às que anunciam a vacina que todos já conseguiram descobrir, até porque surpresa seria se quando alguém anunciasse resultados não viessem todos os outros dizer que também já lá chegaram. Refiro-me à abertura, pela primeira vez, da Alemanha, de Angela Merkel, às famosas eurobonds (obrigações europeias). É que se a União Europeia não conseguir responder a esta crise com emissão de dívida conjunta, muito provavelmente desaparecerá de vez.
E refiro-me ao pacote de 3 mil milhões de euros de financiamento à economia, e de mais um conjunto de importantes medidas fiscais, num total de 9,2 mil milhões de euros, que o governo, através dos ministros da economia e das finanças, acabou de anunciar. Não faço ideia se é suficiente. À luz dos 200 mil milhões de que o governo espanhol lançou mão parece até ridículo. Mas é uma resposta pronta, e isso é quase sempre o mais importante!