Os números que medem a pandemia, que fazem as curvas, as desejadas achatadas, como a tartaruga, ou as temidas esguias, como a girafa, são os de infectados e os de mortes.
A correlação entre eles está a prestar-se a muita especulação, e a infindáveis teorias da conspiração que ganham vida, crescem e multiplicam-se no sítio do costume. Que não é evidententemente no Pingo Doce.
Uma dessas teorias, que achei particularmente disparatada vem na sequência das "repugnantes" declarações do ministro das finanças holandês, já reafirmadas pelo chefe do seu governo e que, pelos vistos, encontram eco em muitos portugueses que passeiam as suas alarvidades pelo sítio do costume. E diz que espanhóis e italianos estão a inflacionar o número das mortes para suscitarem comiseração, e no fim da linha ajuda externa.
Os números não mentem, diz-se, para salientar o rigor e a infalibilidade matemática. Mas podem mentir, mesmo que sejam verdadeiros e que dois mais dois seja sempre rigorosamente quatro. Olhar para a taxa de mortalidade de 0.72% na Alemanha, e compará-la com os 10,8% da Itália e com os 8% de Espanha, não quererá apenas dizer que a Alemanha tem mais dinheiro para investir no seu sistema nacional de saúde, e que por isso tem melhores resultados. Mas poderá querer dizer que a Alemanha, por ter mais dinheiro e por outras quaisquer razões, optou por generalizar a realização dos testes.
Daí que os seus números de infectados projectem uma muito maior aproximação à realidade do que os de Itália, Espanha ou Portugal, onde os testes são apenas, e muito lentamente, realizados a quem já apresenta sintomas adiantados da infecção. Ou do que na tal Holanda, onde os testes são apenas realizados a pessoas já internadas em hospital.
Resultando a taxa de mortalidade da doença de uma fracção que tem no numerador os óbitos, contados de forma muito idêntica nos diversos países (óbitos de infectados, independentemente da comorbilidade) e no denominador um número obtido de maneira substancialmente diferente, o resultado final deixa de ser comparável. Naturalmente que, com o denominador mais alargado, e mais próximo da realidade, como sucede no caso alemão, o resultado final é logo, à partida, muito mais baixo.
Se aquela tese é já um disparate, tentar sustentá-la na comparação das taxas de mortalidade é acrescentar-lhe mais disparate.
A erradicação da pobreza é o mais saudável objectivo de qualquer projecto de governação. Há dois instrumentos políticos para o perseguir: a política de rendimentos e as políticas sociais. E duas receitas, ou três, considerando a combinação das duas: redistribuir melhor o rendimento, aumentando o dos extractos mais baixos à custa do dos mais altos, e subsidiar, através de apoios sociais, os que, pelas razões mais diversas, não tendo outras fontes de rendimento, não tenham acesso ao trabalho.
Há sempre forma de mitigar esse objectivo. Substituem-se os instrumentos políticos por instrumentos de linguagem e chega-se lá perto. Pega-se na definição de pobreza e dá-se-lhe as voltas que forem precisas até acabar com ela.
Ontem foi dia de divulgação de resultados, tendências e previsões, com a publicação de Relatórios da Comissão Europeia, Boletim Económico do Banco de Portugal e dados do INE.
A Comissão Europeia mantém as previsões de crescimento para a nossa economia nos 1,7%, mantendo as duas décimas abaixo dos 1.9% do governo, em qualquer dos casos acima do crescimento que prevê para a UE e para a Zona Euro, de 1,4% para este ano e 1,6% para o próximo.
Ou seja, a economia portuguesa vai, pelo quinto ano consecutivo, manter-se no caminho da convergência com a Europa. O que não impede a verdade trazida à estampa na capa do Jornal de Negócios: "Portugal está mais pobre face à Europa do que antes do Euro".
Mas também pelo quinto ano consecutivo, segundo o Boletim Económico do Banco de Portugal também ontem publicado, a produtividade baixou no nosso país. No ano passado voltou a cair, baixando em 0,6% face ao ano anterior.
Segundo os dados ainda também ontem publicados pelo INE, quase 1,8 milhões de portugueses está em risco de pobreza. 17,3% da população vive com menos de 467 euros por mês, mesmo que desde 2014 estes números estejam a descer. Pelo quinto ano consecutivo, também.
Números são números. E diz-se geralmente que não mentem. E os números deste dia particularmente cheio deles dizem três coisas.
A primeira já a conhecíamos de há muito. É que a adesão de Portugal ao Euro foi uma aventura. Poderia ter sido um desafio, um enorme desafio às nossas capacidades, como muitos de nós o vimos, mas acabou por ser uma apenas aventura que pagamos caro. Duas décadas depois são os números a dar razão aos poucos que sempre acharam que não tínhamos pedalada para o desafio, e aos mais - bem mais - que se sustentavam em razões ideológicas.
A segunda confirma que estamos cada vez mais longe de agarrar o desafio que se transformou nesta aventura. Sem moeda para desvalorizar para adquirir competitividade, e com a produtividade a cair em vez de aumentar, são os salários que continuarão a pagar a factura.
E a terceira é que estas primeiras duas décadas do século se dividem em três partes: uma primeira, de uma década inteira perdida, em que toda a gente tratou da sua vidinha sem que ninguém ligasse nada ao país; uma segunda, na primeira metade da segunda década, a lamber umas feridas e a aprofundar outras, e a terceira e última nos últimos 5 anos. Sim, são os números que falam nos últimos cinco anos!
Confesso-me cada vez mais impressionado com o que acontece neste país que é o nosso. Dois ou três chicos espertos - meia dúzia, vá lá - conseguem fazer com que se passem meses de campanha eleitoral sem uma palavra sobre o vendaval de destruição que passou pelo país nestes quatro anos de governação. E sem que nInguém discuta uma única linha do seu programa para os próximo quatro, porque simplesmente não há, nem ninguém se preocupa nada com isso.
Hoje, mais uma notícia impressionante: está na capa do Correio da Manhã, mas é da OCDE - 485 mil portugueses tiveram de emigrar nestes quatro anos. O número impressiona, como impressiona a confirmação que Portugal é, de todos os que integram aquela Organização, o que mais gente obriga a emigrar. Não tínhamos notícias oficiais destes números, apenas algumas referências da oposição. E o que verdadeiramente espanta é que o número que tínhamos ouvido à oposição se ficasse pelos 300 mil.
O espanto perde gás quando percebemos que tem de ser uma Organização internacional a fornecer estes números, que as estatísticas internas deixam esquecidos. Porque isso já não espanta, esta gente já nos habituou a essas coisas, a esconder tudo o que atrapalha a realidade virtual que impõe ao país...
Há notícias que vão para além da notícia. Esta vai muito para lá de dar um número a um fenómeno que toda a gente conhece e sente. Explica as inexplicáveis sondagens que todos os dias nos avisam para o que aí vem. E explica por que - como comecei - meia dúzia de chico espertos conseguem meter no bolso todo um país!
Só não explica é por é que havemos de deixar que as coisas sejam assim...
E depois acrescenta que "o povo é livre de se expressar dentro ou fora da igreja". Que "o povo entendeu manifestar-se e manifestou-se"!
Não é a tolerância da Igreja que surpreende. O que surpreende são os seus fracos conhecimentos de Estatística...
Não sei quem manda nos currículos académicos nos seminários, mas tenho a certeza que o Doutror Crato, que antes de ministro é um eminente matemático, não vai deixar passar isto em claro. Na sociologia as coisas também não estarão lá muito bem, mas isso já não interessa nada ao Doutor Crato!
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