Estava fora nesta semana em que o país ardeu. Em que, em apenas quatro dias deste final de Setembro, e de Verão, ardeu seis vezes mais território do que tinha ardido até aqui. Não acompanhei por isso tão de perto a catástrofe e não tive acesso ao que - imagino - tenham sido os desfiles de infindáveis especialistas da matéria pelas televisões.
Escapou-me certamente muita coisa. Mas vi que arderam casas, fábricas, oficinas, explorações agrícolas, animais, equipamentos... Para além das mortes de pessoas, ardeu vida. Vida económica. Ardeu investimento, ardeu emprego. Ardeu actividade económica criada para fixar pessoas naquelas zonas, justamente para evitar que, abandonados, aqueles territórios ficassem despovoados, a servir de pasto a chamas a caminho do descontrolo.
Vi gente que perdeu a vida que trouxe para aqueles territórios dizer que tinham os seus bens e os seus investimentos protegidos com áreas limpas à sua volta. E fiquei a pensar que, contrariamente ao que presumivelmente muitos especialistas terão deixado dito pelas televisões, as cargas térmicas que empoderam as chamas não resultarão tanto de abandonos, mas bastante mais de invasões. De eucaliptos, por muito que não queiram que seja dito!
Ontem disse aqui que era preciso uma lata do diabo para o CDS e Cristas apresentarem uma moção de censura tendo por objecto os incêndios deste ano. Não que a quota parte de responsabilidade do governo nesta tragédia não fosse merecedora de censura. Porque foi. Apenas porque a do CDS, como partido de governo que tem sido, e a de Cristas, responsável pela total liberalização do eucalipto no anterior governo, não é menor. Bem pelo contrário!
Bem sei que a direita tem feito tudo para branquear o eucalipto, mas não há volta a dar: o eucalipto, sendo um inimigo da floresta e da agricultura em geral, e um aliado dos incêndios é, particularmente em Portugal, o grande responsável pelas piores consequências dos incêndios.
O eucalipto é uma espécie predominantemente cultivada na Nova Zelândia sob especiais cuidados de localização, num país com área geográfica e densidade populacional muito particulares. Que Portugal, geograficamente, mas também naquelas condições de dimensão e demografia, nas antípodas da Nova Zelândia, se limitou a importar sem se importar com mais nada, tornando-se no país europeu com a mais alta taxa de eucaliptização, e no paraíso das celuloses.
Falar de eucaliptos, é falar disto. É falar de ignorância, e é falar de interesses. E não é possível falar disto sem falar de Cristas, por mais moções de censura que engendre para que se não fale justamente disto!
Hoje é dia da poesia. Mas também da floresta, quando ontem, e não hoje como pareceria que devesse ser, chegou a Primavera.
Está tudo próximo, se não mesmo ligado: poesia que se alimenta de Primavera. Que não seria nada do que é sem floresta. Que vive como nunca na Primavera. Para morrer no Verão...
Todos nos lembramos do que dela morreu no último Verão, o mais terrível dos últimos anos, com área ardida como nenhum outro. Também nos lembramos que o governo disse, então, que iria acabar com aquele inferno. Que iria desenvolver um programa de reforma florestal para resolver, a sério e de vez, o drama de todos os verões.
É cedo para sabermos se o programa vai cumprir esse fundamental e decisivo objectivo. Sabemos é que é hoje apresentado. E do pouco que dele ainda conhecemos, sabemos que há medidas que apenas serão implementadas no próximo inverno. Se calhar já um pouco tarde para "impactar" no Verão... E ouvimos já dizer que a produção de eucalipto não é só para continuar, é mesmo para intensificar. Que não através do aumento da área de exploração, mas do índice de produção...
Tenho alguma dificuldade em compaginar plano de reforma florestal com aumento de produção de eucalipto, mas na verdade não percebo nada disso. Sei é que os pequenos proprietários, que há uns anos equilibravam os seus modestos orçamentos com o eucalipto, dizem que agora nem a limpeza pagam...
Mas há-de ser poesia para alguém. Disso não tenho dúvidas!
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