Vai hoje a enterrar Jimmy Carter, numa América irreconhecível. Longe da que deixou a Regan, que com Tatcher abriu as portas do neo-liberalismo e da globalização, certamente sem que presumissem que bastariam pouco mais de três décadas para tudo desembocar num mundo às mãos de gente como Putin, Xi Jinping e Trump. E, mais ainda que do dinheiro de Elon Musk e Zuckenberg, num mundo à mercê da dos seus X, Facebook, Instagram, Whatsapp ...
Num mundo completamente virado do avesso, e pronto para a obediência cega à estupidez!
No século de vida que vai hoje a enterrar, enterra-se um século de Civilização. Precisamente o século XX, porventura um dos mais ricos de toda ela.
A versão Trump 2.0 destingue-se da inicial na exacta medida em que Elon Musk se distingue de Steve Bannon. Enquanto este vendia banha da cobra nas redes sociais, Elon Musk é dono delas (e de tudo e mais umas botas) e escreve nos jornais.
Assinalou-se ontem, dia 18, o dia internacional das migrações. Em Portugal, quando não se fala de outra coisa, não se deu por isso.
Diz-se que a execução do PRR não avança por falta de mão de obra. Que a construção do novo aeroporto ficará em causa. Auscultam-se as empresas e a maior dificuldade que revelam - não, não é o IRC - é a falta de mão de obra. O equilíbrio financeiro da Segurança Social é mantido precisamente pela contribuição dos imigrantes.
E no entanto o país debate os perigos da imigração. Na saúde, na educação, na segurança ...
O Barómetro da imigração realizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, dado a conhecer há dois dias, dá conta que os portugueses acham que há imigrantes a mais. Têm até a percepção que são já 40% da população. Na verdade, a totalidade de estrangeiros com autorização de residência em Portugal é de 1.164.606 pessoas (dados de 31-10-2024), pelo que os verdadeiros imigrantes não serão muito mais de 10%.
Por muito que as estatísticas e relatórios de segurança o desmintam em absoluto, os portugueses - dois terços, conforme aquele barómetro - acreditam que os imigrantes contribuem para um aumento da criminalidade.
O país que precisa de centenas de milhares de imigrantes, é o mesmo que acha que eles já são de mais. O país que é tido por um dos mais seguros do mundo, é o mesmo que tem percepção de insegurança.
É o novo fenómeno da percepção, introduzido pela extrema direita através do extraordinário instrumento de manipulação de sensações que são as redes sociais. Introduzida em vastos segmentos da sociedade, a percepção passa a comandar largos sectores de eleitorado. A partir daí é a democracia a funcionar em regime de auto-destruição.
Primeiro são os próprios partidos da extrema direita a capitalizar a percepção. E a entrar nos diversos eleitorados. Depois, lideranças políticas frágeis, e a mera visão instrumental do voto, desencadeiam a reacção à perda de eleitorado, e transformam a percepção em realidade política.
É a isto que estamos a assistir em Portugal. Em grande parte do mundo também não é muito diferente.
O DANA matou no Levante espanhol centenas de pessoas - mais de duas centenas já conhecidas, mas certamente com muitas ainda por encontrar entre os desaparecidos -, deixou mais de quatro mil feridos, e milhares de outras lançadas no caos e no pânico, sem telecomunicações, sem estradas, sem pontes, sem casa, sem nada de tudo o que lhes tinha demorado toda uma vida a construir.
Ao desespero da tragédia os valencianos juntavam o desespero do abandono, na lama. Desespero aproveitado para transformar em raiva.
E a dor e o luto explodiram em raiva nas ruas - que tanta gente de boa vontade se esforçava em limpar - cheias de lama. De lama barrenta, misturada com os destroços da tragédia, e de lama humana misturada com os destroços de Abascal.
Os reis de Espanha, Filipe e Letizia, apanhados na raiva, levaram com lama. Resistiram o que puderam, o suficiente para fazer resistir a dignidade do Estado. Pedro Sánchez, o presidente do governo teve de recuar. E de fugir. Das pedras e da raiva.
Não consta que Carlos Mazón, presidente do Governo Regional, generalizadamente acusado de, antes, nada avisar e, depois, nada fazer - nem sequer para pedir ajuda - tenha sido atingido pela raiva. É capaz de ser mero acaso ...
Conforme tudo apontava, a extrema direita ganhou a primeira volta das eleiçoes legislativas em França, que Macron, na sequência de idêntico resultado nas Europeias, decidiu antecipar. Sem que antecipasse nada de novo!
Na segunda volta, no próximo domingo, vão ser todos contra Marine le Pen e seus sucedãneos. O que não quer dizer que todos alinhem com esse todo. Seráo esses, os que, não querendo alinhar se sentirão tentados a mudar de barricada, que decidirão tudo. E poderão tornar a França em mais um problema para a Europa. E para o mundo!
No "pré-match" da estreia da França neste Euro 24, Mbappé decidiu não falar de futebol. Não falou do jogo, sobre o qual era suposto que dissesse aquelas banalidades que é costume os jogadores dizerem naquelas circunstâncias.
Falou - e bem - do país que representa, e do que lá se passa. E irá passar, com eleições (primeira volta) no fim deste mês, bem antes de ele, e os seus colegas, regressarem a casa. Falou dos valores que estão em risco, e apelou ao voto dos da sua geração para os defender. Falou do respeito e da tolerância que sabe estarem em causa com a vitória da extrema-direita que as sondagens anunciam. Como já tinham falado Marcus Thuram e Dembelé.
A UEFA não gostou. Não gosta desta coisas. Nem gosta que as estrelas do futebol se envolvam em assuntos para que não são chamados. Acha que lhes deve bastar que ganhem muito dinheiro.
Não surpreende. Quem conhece as linhas com que se cosem as altas estruturas do futebol sabe que é assim. O que surpreende é que no seu próprio país tenha havido muita gente a não gostar.
Já por cá, a preocupação da rapaziada que ganha a vida a comentar estas coisas da bola era a medida em que aquilo prejudicava a concentração da equipa.
Já devem estar descansados. Os franceses nunca se desconcentraram e ganharam, com um auto-golo austríaco. Mbappé partiu o nariz, e poderá vir a ficar de fora do(s) próximo(s) jogo(s). Nada que lhe retire o estatuto de principais favoritos.
Com aqueles jogadores nem precisam de treinador. Ao contrário dos ingleses. E se calhar também dos portugueses, logo veremos. Que selecções seriam estas duas nas mãos do suíço Murat Yakin, ou do alemão Ralf Rangnick, que já mostraram que fazem da selecções que treinam (Suíça e Áustria) equipas de futebol de autor?
Um helicóptero caiu nas montanhas fronteiriças com o Azerbaijão, daí resultando a morte do presidente do Irão (e do ministro da defesa). Os governantes de Israel apressaram-se a dizer que não tinham nada a ver com aquilo, e acreditamos que desta vez estejam a falar verdade.
Um meteorito passou por aqui a velocidade vertiginosa, e ainda não percebi se caiu no Atlântico se em Castro de Aire.
O Presidente da Assembleia da República achou que o André Ventura pode dizer lá mesmo tudo o que lhe apetecer, sem que isso lhe mereça qualquer reparo, porque a liberdade também serve para publicamente, “difamar ou injuriar pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua origem étnico-racial, origem nacional ou religiosa, cor, nacionalidade, ascendência", por acaso crimes punidos por lei da Instituição a que preside. Por acaso numa reunião extraordinária - se não estou enganado a primeira em cinquenta anos de democracia - destinada a responsabilizar o Presidente da República pelo crime de traição à pátria. Por acaso, armado em campeão da liberdade de expressão, freneticamente aplaudido pelos 50 deputados que desencadearam um processo criminal para condenação do Presidente da República por delito de opinião.
E o mesmo que acusa o Presidente de traição à pátria, e gratuitamente injuria pessoas pela nacionalidade, foi a Madrid, à convenção de um partido que celebra a "hispanidade" ibérica, e ostenta um mapa que elimina Portugal, declarar-se - em "portuñol", ao lado de parceiros como o senhor Milei, ou a senhora Le Pen, a expressarem-se nas suas línguas - o próximo primeiro-ministro do país.
E foi assim este fim de semana, em que só caiu um helicóptero e um meteorito. Tudo o resto ficou de pé!
O papel de actor principal de Passos Coelho na apresentação daquela coisa menor que não passa de uma colectânea de aberrações a que deram o banal nome de “Identidade e Família”, não tem relação com qualquer espécie de coerência ideológica entre o protagonista e as aberrações. Há uns anos - décadas - Passos Coelho liderou a JSD que, no Parlamento, promoveu e fez avançar, alguma vezes em confronto com a linha oficial do partido, boa parte das iniciativas de progresso civilizacional que agora são objecto das aberrações por que dá a cara.
Tem apenas a ver com oportunismo. O oportunismo a que ontem aqui se referia o último parágrafo, mas ainda o seu oportunismo pessoal. Passos Coelho não é a figura que dele alguns querem fazer, é simplesmente um oportunista. Que o momento do país seja difícil, que as dificuldades do que ainda diz ser o seu partido sejam grandes para assegurar a governação, ou que o foco político devesse estar na apresentação do programa do governo, não lhe interessa nada. Interessa-lhe apenas o que tem a retirar em proveito próprio deste momento. E isso, entende ele, é muito, e serve-lhe de qualquer forma: serve-lhe para o imediato, se o governo cair, na oportunidade de encabeçar uma frente a federar a extrema direita num novo governo; e serve-lhe a curto prazo, na oportunidade da candidatura à Presidência da República.
Não foi por acaso que ele próprio formulou a primeira, e André Ventura a segunda.
Sem surpresa - todas as sondagens, há muito, o davam por certo - o partido de extrema-direita "Irmãos de Itália" ganhou a eleições italianas, e Giorgia Meloni, a discípula de Steve Bannon, será a primeira mulher a chefiar um governo em Itália.
Ainda não são conhecidos os resultados finais oficiais, mas deverão desviar-se muito dos apontados 26% ao partido da seguidora de Mussolini que, somados aos 8,9%, de Matteo Salvini - da Liga, antes Liga do Norte, até aqui o principal rosto da extrema direita italiana -, e aos 8% da Força Itália, de Silvio Berlusconi, garantem a maioria absoluta e a governação à extrema direita, e mais uma dor de cabeça para a Europa.
Depois da Hungria e da Polónia, agora a Suécia e a Itália. Depois, provavelmente, a França. E eventualmente a Espanha ... neste processo de normalização da extrema-direita há muito em curso, que culmina no rótulo de "centro-direita" que todos os media colaram a este resultado eleitoral em Itália.
Na maioria dos jornais e televisões em Portugal (ainda não vi o que vai pela Europa e pelo mundo) a notícia é que o "centro-direita" ganhou em Itália. Alguns - poucos - lá introduzem a expressão "extrema" para classificar a solução vencedora como coligação de centro e extrema-direita. Não nos dizem onde encontram o centro na tríade Meloni, Salvini e Berlusconi, e apressam-se a revelarem-nos uma Giorgia Meloni inteligente, capaz, moderada e tolerante. Quando nem um só desses atributos nos salta à vista.
A globalização, a descrença nas instituições e a desilusão com os políticos que as dirigem, lavraram o campo para a extrema-direita. A guerra e a inflação fertilizaram-no, e agora é vê-la crescer.
No passado não se soube, ou não se quis, mondá-la. Isolá-la. Agora normaliza-se a partir de Itália. E sabe-se do potencial da moda italiana!
Macron, reeleito há dois meses, perdeu a maioria parlamentar nas eleições de ontem, onde a abstenção continua a medrar, e a extrema direita saltou para resultados históricos. Ontem, na segunda volta das legislativas francesas, a abstenção passou dos 54%, e o partido de Marine Le Pen passou de 8 para 89 deputados, tornando-se na terceira força política no Parlamento, e no maior partido da oposição.
A coligação "Ensemble", de Macron, elegeu 245 deputados, e ficou a 44 da maioria que lhe permitiria governar sem grande sobressaltos. Assim, não terá tarefa fácil.
Com 144 deputados eleitos, menos 101 mas a apenas 20 mil votos da coligação de Macron, a aliança de esquerda NUPES (Nova União Popular Ecológica e Social), liderada por Jean-Luc Mélenchon, que reúne o seu partido - "La France Insoumise" - Socialistas, Comunistas e Verdes, foi a segunda força mais votada.
Macron não vai ter vida fácil. Depois do abalo que destruiu os partidos do sistema de todo o pós-guerra, o xadrez político francês voltou a sofrer novo terramoto. E a tendência de crescimento da extrema direita na Europa recebeu mais um impulso.
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