Gesto técnico é uma das principais expressões do futebolês. Tem tudo o que faz do futebolês uma subcultura com expressão própria!
É pretensiosa, mesmo a roçar o pedante, e é redonda, completamente abaulada! Porque poderia muito bem ser apenas gesto. Ou movimento. Ou acção. Ou, mais simples ainda, o que de facto é em cada caso: uma finta, ou um drible, que é a mesma coisa. Um toque de calcanhar, um domínio da bola, com paragem da dita no peito ou na coxa, uma recepção, um passe, a bicicleta, ou o pontapé da dita, enfim…
Quando alguém diz que o Xavi num gesto técnico perfeito colocou a bola nos pés do Messi que, com outro gesto técnico ainda mais perfeito passou por cinco adversários. Ou que o Cristiano Ronaldo num gesto técnico irrepreensível colocou a bola fora do alcance do guarda-redes, ninguém fica a perceber muito bem o que se passou, tanto mais que já todos sabemos que isso é o que cada um desses faz. Sempre e bem! Já quando se ouve que o Helder Postiga, com um gesto técnico desastrado, sozinho à frente da baliza atira a bola para a bancada, todos percebemos o que se passou. E já nem é por estarmos habituados à cena, é porque a bola para a bancada diz tudo!
Os gestos técnicos estão, como tudo ou quase, sujeitos às tendências da moda. E, como se sabe, não faz moda quem quer. Apenas quem pode!
Diz-se que o passe é de letra – ou o remate, porque o gesto é também já utilizado para rematar à baliza – quando é efectuado a partir de um movimento em que o pé que toca a bola está por trás – e não ao lado - do outro, o de apoio, num movimento em que as pernas se cruzam num movimento contrário ao habitual, da frente para trás. Nunca percebi por que lhe chamam de letra - até porque o futebol não é muito dado a estas coisas das letras – mas admito que alguém veja ali o desenho de um L…
Ao evocar estes dois gestos técnicos alguns lembrar-se-ão de um ciganito que por aí andou há uns tempos: Ricardo Quaresma. Bem poderia ter sido ele o criador da moda, mas não fica assim na história. Quando era Nuno Gama no Porto quis ser Roberto Cavalli em Milão! Não resultou (terá sido dos anéis?) e lá vai ele parar à Turquia, que não é exactamente um grande centro mundial da moda. E hoje, trivela e passe de letra, são vulgares, massificados e estão disponíveis em qualquer pronto-a-vestir. Até nos chineses…
Já a bicicleta tem a grife de Cristiano Ronaldo e está tudo dito: sucesso garantido! É o gesto mais estúpido que existe, mas é do CR7, nada a fazer… Ah! Uma ajudinha, também: a bicicleta é aquele movimento em que, simulando o pedalar da bicicleta, se passam uns segundos que parecem uma eternidade sem que nem o jogador que o executa, nem a bola, nem o adversário - que é suposto enganar - saiam do mesmo sítio. Nunca dá em nada, mas pegou moda e é vê-lo por aí repetido por esses campos fora, como se de grande gesto artístico se trate! É o gesto preferido de Hulk, e nem os grandes jogadores do Barcelona o dispensam, como ainda agora se viu no Mónaco!
Já o pontapé de bicicleta não tem nada a ver com isto. É um gesto de elevado grau de dificuldade e de grande espectacularidade. Vale por si mesmo e não entra em modas. Se é moda é intemporal! Precisamente porque é um recurso último, quando só resta rematar com o pé que está mais à mão, como vimos esta semana Witsel (que grande jogador!) exemplificar no primeiro dos seus dois golos e dos três com que o Benfica despachou a equipa de Co Adrianse.
O que já se vê muito pouco é o chamado pontapé de moinho. É um pontapé em que o movimento circular do corpo, todo estendido no ar paralelo ao solo, sugere o de um moinho. Ou o pontapé de tesoura, uma designação sinónima, que associa o movimento das pernas no momento do remate ao de uma tesoura. Artur Jorge, há 40 anos, no Benfica, foi quem em Portugal mais contribuiu para a fama deste gesto, mais difícil de executar e mais espectacular ainda que o pontapé de bicicleta. Executava de forma brilhante, e com muita frequência, este movimento que ficará para sempre ligado ao seu nome: um pontapé à Artur Jorge!
Como ao seu nome ficará também ligado o toque de calcanhar. Porque era ele o treinador do FC Porto que ganharia a Taça dos Campeões Europeus, em 1987 em Viena, com o tal golo de calcanhar de Madjer. A partir daí, e por muitos e bem mais espectaculares golos de calcanhar que tenham acontecido – e muitos foram, incluindo os do agora madrileno Falcao, que me lembre é o único jogador que apresenta no seu cardápio de golos toda esta gama de gestos técnicos – calcanhar e Madjer passaram a ser a mesma coisa.
E, curiosamente, o mais banal de todos os gestos técnicos, continua com a cotação em alta!
Inesperadamente, e sem que ninguém tenha percebido, Falcao, em plena Copa América, prolongou o seu contrato com o Porto, fazendo disparar a cláusula de rescisão de 30 para 45 milhões de euros. E, naturalmente, os seus proventos!
Como então aqui tive oportunidade de salientar isto era surreal e com o propósito evidente de surgir como mais uma jogada de mestre de Pinto da Costa, na linha da da substituição de André Vilas-Boas. Não havia quem pudesse compreender que um jogador que sabe estar a ser cobiçado por meio mundo – ou mesmo pelo mundo todo dos grandes clubes europeus – aceitasse aumentar as dificuldades, ou mesmo inviabilizar, de uma expectável transferência!
Mais difícil de perceber é no entanto que menos de dois meses depois, e no final do primeiro jogo do campeonato, venha o jogador dizer alto e em bom som que quer sair. Que é agora tempo de sair, quando há dois meses atrás era de ficar!
Ninguém entende. Tanto mais que referiu mesmo o Atlético de Madrid como provável destino. O mesmo Atlético de Madrid de que, ainda há poucos dias Pinto da Costa, à sua maneira desrespeitosa e no seu tom predilecto, dizia que nem tinha dinheiro nem era clube para Falcao. E que, evidentemente, não pertence ao mesmo campeonato dos emblemas que, há um ou dois meses, manifestavam interesse na sua contratação: Chelsea, Real Madrid e Barcelona!
Ou muito me engano ou chegou o momento de Pinto da Costa engolir muitas das suas palavras. Ou de pagar caro por elas!
Em tempo de pré-época mais um termo apropriado: titular!
Titular, em futebolês, não é o proprietário de qualquer título. Mas é proprietário, há também aqui uma relação de propriedade. De posse!
O titular é precisamente o proprietário, o dono: o dono do lugar! O lugar, a posição ocupada no xadrez da equipa, é um bem escasso. Só há 11 disponíveis!
Se a ambição faz parte da condição humana aspirar à condição de proprietário cobre uma das mais comuns ambições humanas. No caso do futebol, sendo um lugar na equipa um bem escasso, essa ambição toma outra dimensão: não há jogador que não ambicione ser o dono do lugar. Seja ele qual for!
Conforme já vimos, nesta altura de preparação da época começa por se construir o plantel: à volta de 25 jogadores, como vimos. Idealmente três guarda-redes, mais dois jogadores para cada lugar - um o titular e o outro o suplente - e mais dois jogadores polivalentes (se bem que haja polivalentes que são titulares), que possam cobrir certos imponderáveis. Todos ambicionam ser os donos do lugar mas nem todos o conseguem. Apenas alguns são titulares indiscutíveis, isto é, têm um estatuto de dono absoluto do lugar, sem deixar qualquer tipo de dúvida! Como há os que são eternos suplentes. E ainda os suplentes que são armas secretas!
Nesta altura de aquisições – a época irá durar até 31 de Agosto e, pelo que temos visto em Portugal, até ao lavar dos cestos é vindima – procura-se reforçar o plantel, mas acima de tudo a equipa. Exigem-se contratações de titulares indiscutíveis, daqueles que entram de caras na equipa! Mas nem sempre assim acontece…
Já ninguém sabe muito bem quantos jogadores já contratou o Benfica. Muitos e com pouco critério, como facilmente se constata: dispõe no plantel 20 (!!!) jogadores para o meio campo – no sistema de Jesus, em 4-4-2, dá para cinco (!!!) meios campos – , não tem jogadores para construir uma linha defensiva e não tem um ponta de lança de alternativa a Cardozo que, ao que se diz, até será para vender. E, sabendo há muito da óbvia e inevitável saída de Fábio Coentrão, é muito difícil entender como é que, entre tanta contratação, não há um único para o substituir.
Com este critério – ou, melhor, com esta falta de critério – é evidente que está fora de causa aquele requisito básico da entrada de caras na equipa. À excepção do guarda-redes Artur, e não é exactamente mérito seu ou da sua contratação, é porque o Moreira foi posto a andar e ficou lá o Roberto, nenhuma contratação vem com o estatuto de titular indiscutível.
Estatuto que têm indiscutivelmente o brasileiro Luisão – o capitão e agora o jogador com mais tempo de casa – e o uruguaio Maxi Pereira, pedras absolutamente basilares da equipa. Ambos ao serviço das respectivas selecções nacionais na Copa América e, ao que por aí se diz, pouco interessados em regressar. Luisão apontado ao PSG e Maxi (quem é consegue entender por que não foi o seu contrato renovado atempadamente?) a dizer – e só acredita quem for anjinho - que quer ficar por lá, pela sua terra natal.
É com enorme preocupação que vejo, sistematicamente, os jogadores de referência da equipa a sair ou a pretenderem sair. Foram saindo todos, mandados embora na maioria dos casos, e, agora, os dois únicos jogadores com mais de três anos no clube querem sair. Acredito que seja uma circunstância que agrade a Jorge Jesus - poderá, assim, ser ele o rei absoluto do balneário, condição sine qua non para o exercício da sua rudimentar liderança - mas será catastrófica para o Benfica!
E isto é tão mais preocupante quanto olhamos um pouco lá para Norte e continuamos a vê-los apanhar as lebres levantadas pelo Benfica e, pasme-se, a renovar o contrato com o Falcão – que também está na Copa América, com todos os grandes clubes europeus atrás dele, e que podia estar muito bem a tratar da sua vida com o Chelsea ou com o Real Madrid – fazendo passar a cláusula de rescisão de 30 para 45 milhões de euros. Esta sim, uma verdadeira jogada de mestre, mesmo que sobeje muita coisa por explicar!
Ah! E o agente do Falcão é o Jorge Mendes: o mesmo que levou o Fábio Coentrão para Madrid, lembram-se? Então lembram-se como foi diferente, como aí ele estava do outro lado…
Tem cara, mas mais, tem vergonha na cara. É de resto por isso que aparece pouco, que é reservado e se dá pouco a ver. Daí que seja comum dizer-se que os golos estão pela hora da morte, o que faz com que, pela hora da morte, estejam também os seus progenitores: isso, os fazedores de golos! Os tais que são – eles próprios – não a cara do golo mas o rosto do golo. Sim rosto do golo, para não se confundir com a cara do golo!
O mais bonito desses rostos é, sem dúvida, esse colombiano com nome de brasileiro – Falcão - que a Divina Providência (na verdade foi apenas o Papa) se encarregou de desviar da Luz para o Dragão. Como, de resto, já acontecera com outro anterior belo rosto do golo: Jardel!
Por incrível que pareça essa foi uma perda altamente traumática. Tanto que não mais na Luz se esqueceu Jardel, não mais sendo dado descanso a quem respondesse por tão mítico nome. Foi um irmão, foi o próprio original já fora do prazo de validade e, agora, este que a Divina Providência (na verdade e desta feita, foi apenas Jesus) achou que seria o substituto do David Luiz.
Já percebemos que em futebolêscara do golo não é sinónimo de rosto do golo. São coisas bem distintas!
Mas se já percebemos o que é o rosto do golo – até já arranjamos dois, dando nome aos dois maiores rostos do golo que por cá passaram nos últimos quinze anos – o que é então a cara do golo?
Pois é, a cara do golo não existe! É apenas uma condição, uma condição circunstancial: não se é a cara do golo, está-se na cara do golo! Não se pergunta o que é a cara do golo mas sim quando é que se está na cara do golo.
E, agora sim, posso dar a resposta: estar na cara do jogo é estar em frente à baliza adversária (a baliza não é adversária, quando muito será adversa - é do adversário - mas o futebolês tem destas coisas e, evidentemente, aqui temos de segui-las), com a bola à disposição e apenas guarda-redes pela frente. É estar naquela situação em que tudo parece fácil, por mais que se diga que é sempre o mais difícil: é só empurrá-la lá para dentro! É estar como estava o Mossoró na última quarta-feira, logo a abrir a segunda parte daquela grande epopeia lusa: sozinho, sem mais ninguém à volta, a bola ali à mão (no caso ao pé), o Helton à frente e as redes logo ali, à espera do beijo que a bola lhe prometia. E a taça da Liga Europa ali mesmo á frente…
Agora é claro: estar na cara do golo nem sempre quer dizer golo. Como o inverso também é claro: para marcar golo não é condição necessária estar na cara do golo. É a diferença do futebol para os toiros: enquanto na pega é obrigatório enfrentar a cara do toiro, no futebol pode chegar-se ao golo sem lhe ver cara. Foi o que, mais uma vez, aconteceu na tal final portuguesa de Dublin: o Porto não esteve, ao contrário do Braga, uma única vez na cara do golo. Mas tinha Falcão, o verdadeiro rosto do golo, que, para marcar, não precisa nada de estar na cara do golo. Pura e simplesmente aparece por lá, no sítio certo, pelo chão ou pelo ar, mais alto e mais forte que todos e faz o que os outros, na cara do golo, não conseguem fazer.
E por isso o Porto ganhou! Mas também por isso é bem provável que Falcão vá procurar novas caras para os seus golos noutras paragens. Em clubes de maior dimensão, como aspira o seu colega Rolando que, não sendo o rosto do golo, é a cara da impunidade dentro da área.
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