A ideia de que o futuro da União Europeia depende da resposta que conseguir dar à actual crise provocada pelo coronavírus, começa a ganhar cada vez mais nitidez. Poucos serão os cidadãos por esta Europa fora com dúvidas que todo este projecto de paz e prosperidade começado a desenhar no Tratado de Roma, há 63 anos, acabados de fazer no passado dia 25, cairá que nem um castelo de cartas se a União Europeia não for capaz de dar capaz resposta a esta crise.
As primeiras indicações não são animadoras. E são tanto menos animadoras quanto mais claramente vamos identificando os factores de bloqueamento com os próprios cidadãos europeus. Era tudo muito mais fácil quando pensávamos que a origem de todos os males estava na arquitectura do edifício do poder europeu. Quando olhávamos para Bruxelas e facilmente apontávamos o dedo a uma elite burocrática virada para dentro de si mesma.
Esta crise actual é novidade também nisso. Eventualmente porque também agora as instituições europeias estejam mais bem servidas de liderança, com gente de muito mais qualidade, como parece particularmente claro na presidência da comissão europeia. Mas acima de tudo porque deu a conhecer a toda a gente que o problema não é este ministro das finanças holandês, exactamente igualmente ao anterior, aquele primeiro-ministro finlandês, ou aqueloutro ministro austríaco. O problema é que os seus povos, os que neles votam, se estão nas tintas para a solidariedade com quem quer que seja. Pensam neles e no seu próprio bem-estar ao nível do mais básico, mais elementar e mais imediato do pensamento humano. E que falta às respectivas lideranças políticas estatuto e dimensão para lhes mostrar que as fronteiras não são trincheiras de defesa do seu superior bem-estar.
Em mais de 60 anos os europeus não conseguiram lidar com a política. Permaneceram reféns das soberanias nacionais, e entenderam que tudo se resumia a negócio. A mercado, primeiro, e a moeda para melhorar o negócio, depois. E criaram um gigante económico num corpo de anão político.
Bastou uma pandemia para mostrar como tudo foi errado. Como um anão político transforma rapidamente em anão um gigante económico. Não foi sequer preciso que desabasse a ameaça militar, cada vez mais visível no horizonte!
A reunião do Eurogrupo donde sairia a resposta europeia à devastação que a pandemia vai criando nos seus países ficou em nada. E só não acabou em nada porque está suspensa, está inconclusiva, não acabou ainda. Mas sabe-se que o melhor a que se poderá chegar é a activação dos meios do mecanismo europeu de estabilidade (MEE) com condições, mesmo que mitigadas, do que, pelo menos Finlândia e Holanda, não estão dispostas a abrir mão. E que esse melhor será dificilmente aceitável, particularmente para a Itália. Mas também para Espanha e Portugal.
É no entanto notória, pela primeira vez visivelmente notória, uma diferença de posições entre os órgãos que representam e vinculam da União e os que, na União, representam os países que a integram. Tivemos oportunidade de, pela primeira vez, percebermos claramente que a Comissão Europeia, da Senhora Van der Leyen, e o Banco Central Europeu, da Senhora Lagarde, têm uma visão europeia do problema, e que o Eurogrupo se guia pelos interesses particulares dos países, de cada país, com mais propriedade..
E é esta a contradição central da União Europeia, o nó górdio do bloqueamento da construção europeia. Que não se reduz à simples dimensão do tabuleiro do xadrez institucional da União. Antes fosse. Isso seria resolúvel, com maior ou menor dificuldade. Mas não é. O pior é que são na realidade os cidadãos europeus que bloqueiam o processo de integração que, evidentemente, não tem por onde progredir sem passar pelo federalismo. E este é o círculo vicioso que alimenta o nó: os cidadãos desconfiam da União e, por isso, não lhes dão condições para demonstrar que merece a confiança que lhe negam.
Não é por serem governados por gente ignorante, mal formada e egocêntrica que os países mais ricos do norte não querem partilhar coisa nenhuma com os mais pobres do sul. É apenas por democraticamente serem governados por políticos que precisam dos votos dos seus cidadãos para serem eleitos!
Alguém fez com que, ao fim de mais de meio século, as coisas chegassem aqui. E somos bem capazes de ficar surpreendidos quando começarmos a pensar nisto, a passar o filme atrás e a ver passar nas imagens muitos dos que nos habituamos a chamar grandes estadistas europeus.
Confesso que no apogeu das minhas euroconvicções, quando o meu euroentusiasmo batia recordes e via amanhãs que cantam espalhados pela União Europeia, era federalista. Achava que o projecto europeu desembocaria inevitavelmente aí, e que lá se deveria chegar o mais rapidamente possível.
À medida que a crise se foi instalando na Europa percebi que não havia projecto europeu, que isso não passara da maior mentira da História europeia dos últimos vinte ou trinta anos. A partir de 2009 senti-me abandonado pelo meu euroentusiasmo, e a ideia federalista levou o sumiço do fumo. Sei bem que foi a partir dessa altura que ela mais medrou na sociedade portuguesa. Quando se começou a perceber que as coisas por cá iam correr mal, enquanto lá mais para o centro e o norte da Europa nem tanto, antes pelo contrário, as pessoas começaram a pensar que, perder soberania para manter qualidade de vida, valia a pena. Começaram a pensar que a união política era a fórmula mágica que nos alimentaria a ilusão de sermos ricos!
Enquanto, nas minhas euroconvicções, eu entendia o federalismo como o processo natural do projecto europeu, a maioria entende-o como a sua salvação sebastianista. Não é a mesma coisa!
Ao vermos a abusiva e inqualificável interferência alemã nas eleições do passado domingo na Grécia percebemos que não é a mesma coisa. E quando ouvimos Angela Merkel falar de aprofundamento da união política - por mera coincidência em véspera dos resgates das terceira e quarta economias da união monetária - começamos a perceber o que isso poderá ser!
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