No animado debate sobre a reposição dos feriados, mais uma trincheira sobrelotada, encontramos coisas engraçadas. Vemos, por exemplo, que certos analistas não ragatearam esforços para enquadrar a decisão do governo na generosidade do calendário de 2016, até descobrirem que, este ano, a sexta-feira santa calha até à sexta-feira. E pronto: lá vem mais um fim de semana prolongado...
O Papa enviou um emissário (nada como nos bons velhos tempos) para dizer ao governo que não aceita a abolição dos feriados da Assunção (ao céu) de Maria – 15 de Agosto – e do primeiro de Novembro, dia de Todos os Santos.
Acho que também deveríamos encontrar um emissário para ir dizer ao governo que não aceitamos - mas de maneira nenhuma - que seja abolido o feriado que assinala a data mais importante da História de Portugal ainda comemorada: o primeiro de Dezembro. Que o governo aboliu, a par do 5 de Outubro!
Não sendo possível comemorar a data da independência inicial, em 1143, e não se comemorando nenhuma data da sua confirmação, na crise de 1383-85, não é aceitável que deixemos de assinalar, com feriado nacional, o dia da Restauração. O dia que marca a última vez que tivemos de confirmar a independência de Portugal!
A não ser que se pretenda definitivamente assumir a soberania perdida…
Restam cada vez menos dúvidas que este governo, e Pedro Passos Coelho em particular, entendem que estão investidos da nobre missão de punir os portugueses, essa cambada de preguiçosos e malandros que não gosta de trabalhar e que nada mais vê que feriados e pontes, folia e carnaval. Que vive há anos no dolce fare niente de sol e praia, entre festas e copos, à custa do dinheiro que foi pedindo emprestado até não poder mais!
Pedro Passos Coelho não se sente na pele do capataz da União Europeia e do FMI, que tem por missão exclusiva velar pela execução as suas ordens: sente-se na pele do carrasco que executa a pena com sádico prazer.
Sente que está incumbido da missão histórica de livrar o universo de uma espécie humana que não tem cabimento na sua visão do mundo, por acaso a mesma dos pobres coitados que, enganados e vigarizados por essa cambada, despejaram generosamente o seu dinheiro pelo pequeno rectângulo da ponta ocidental da Europa onde, ao longo de anos, se foi concentrando a última casta da humanidade que acreditou poder viver do que caía do céu. Por isso os enxota do conforto do rectângulo, pouco lhe importando o destino que tomam. Manda emigrar uns enquanto vai exterminando os outros!
É assim se percebe o discurso piegas. É assim que se percebe a estória do carnaval. É assim que se entende a extinção de feriados, mesmo que marcantes da construção da identidade nacional. E é assim que se compreende que um primeiro-ministro possa mandar dividir o PIB por 365 para saber quanto custa cada feriado!