Portugal é hoje um dos mais bem sucedidos países - porventura o de maior caso de sucesso no mundo - no processo da vacinação contra o covid-19. Por duas razões fundamentais: porque a campanha de vacinação foi bem planeada e melhor executada; e porque os portugueses aderiram em bloco!
Planeamento e rigor de execução não são atributos que geralmente nos sejam creditados, mas cá estiveram, neste processo. Também não somos especialmente conhecidos pelo empenho em causas, mas a verdade é que a História regista momentos vários de galvanização e mobilização nacional à volta de muitas e grandes causas.
Na resposta à pandemia, na medida como acatamos as restrições a que nos tivemos de sujeitar, ou até na forma como tantas vezes antecipamos espontaneamente medidas desse género, fomos, em geral, de um notável comportamento cívico. E na adesão à vacinação, em todos os escalões etários, demos uma lição ao mundo.
Claro que há sempre alguma gente desprovida dos mínimos exigíveis de sanidade mental capazes de alinhar em teorias malucas, de negar as evidências, por mais que há muito estejam demonstradas, capazes de fugir aos mais estabelecidos padrões cívicos, e disponíveis para seguir agendas dos mais deploráveis propósitos de gente de poucos escrúpulos. E que, em sociedades abertas e democráticas, como felizmente é a nossa, têm direito a manifestar-se.
São, felizmente, em Portugal meia dúzia de pessoas. Quando violam o Direito Democrático só têm que ficar sujeitas à lei, naturalmente. É a essa lei que têm de se submeter gente como esse senhor que por aí anda e se diz juiz, os que fizeram aquela espera, em Odivelas, ao almirante Gouveia e Melo, ou, e são evidentemente os mesmos, os que se juntaram à porta do restaurante onde almoçava Ferro Rodrigues, para o insultar e ameaçar.
É preciso que a Procuradoria Geral da República e o Ministério Público, nessa como em todas as matérias, cumpram o seu dever e activem o Código Penal. Mas é preciso mais: é preciso que a sociedade desincentive esses comportamentos, porque esses grupelhos inorgânicos ao serviço de gente perversa, de objectivos bem definidos, sabe usar os instrumentos de comunicação para os potenciar. E aí surgem outras responsabilidades, que não aquelas que a lei pode, e deve, sancionar.
Já bastam as redes sociais, desreguladas e incontroláveis, para lhes dar projecção de que se alimentam. Mas ainda têm as televisões para os fazer engordar.
Aquilo que vimos com Gouveia e Melo, com o dito juiz perante os agentes da PSP, e com Ferro Rodrigues é notícia?
É, mas poderia certamente ser dada de outra forma. E mais um pormenor: na "espera" a Gouveia e Melo, na sua visita a um centro de vacinação em Odivelas, poderia esperar-se cobertura televisiva; no deplorável confronto do tal juiz com os agentes da PSP, cujo acontecimento era a sua audição no Conselho Superior de Magistratura, já essa cobertura é mais difícil de perceber; e na "visita" ao almoço de Ferro Rodrigues com a mulher, no fim de semana, é de todo incompreensível. Simplesmente não havia acontecimento para cobrir!
E é aqui que surge o mais rocambolesco e chocante: o jornalismo justifica o "acontecimento" na presença do médico Fernando Nobre, o ex-candidato à Presidência da República e histórico da AMI, para discursar nessa manifestação.
Esse mesmo. Quem por aqui acompanha as memórias de "10 anos" tem podido revisitar a personagem, presença frequente nessa altura destas páginas. Sem qualquer tipo de surpresa, este episódio mostra ao que pode chegar uma criatura que um dia se apresentou como exemplo e personificação da cidadania.
Há portugueses que não merecem os portugueses que têm como concidadãos!
Falhada a eleição para a Presidência da Assembleia da República, Fernando Nobre não mais voltou ao hemiciclo. Falhou a discussão do programa do governo e depressa correu a notícia de que não voltaria a sentar-se no parlamento. Acaba de se saber que entregou a carta de renúncia na passada sexta-feira.
O mundo da política tem muito a ver com o das crianças. Daí que se não estranhe aquele martelar ritmado que se vai ouvindo um pouco por todo o lado: bem-feito… bem-feito … bem-feito…
É a apregoada crueldade das crianças!
Não sei se Fernando Nobre merecerá tamanha crueldade. E quando digo isto não pretendo aligeirar-lhe as responsabilidades. Nem limitá-lo à exclusiva condição de vítima!
Ele tem muitas responsabilidades no que lhe aconteceu e, sendo vítima de alguns preconceitos e de pequenos percalços, é, antes de tudo isso, vítima de si próprio!
Conseguira – muito à custa do prestígio e da visibilidade pública granjeado por entreposta (e nem sempre muito transparente) AMI - furar as barreiras de acesso e entrar pela porta grande da actividade política. Conseguira – acto contínuo - aglutinar vontades e mobilizar esperanças à volta da sebastiânica ideia da cidadania. Rapidamente destruiu todo esse capital, porque logo começou a deixar claro que não tinha substância para aqueles voos. Não tinha ideias estruturadas, não tinha princípios ideológicos, nem coerência política, nem discurso! Nada!
Mesmo assim – e já sem se perceber muito bem como – ainda chegou aos 700 mil votos nas presidenciais. Foi, para ele – e não só, não é Pedro Passos Coelho? –, péssimo: travou-lhe a evidência do princípio de Peter!
Não foi o primeiro - nem será o último – a ser enganado pela ilusão dos votos. Pôde evitar a emulação e fugir da fogueira que ardia bem alta. Não o fez, foi até ao fim - sem honra nem glória, mas pior, sem dignidade - acabando humilhado ao som daquele ritmado bem-feito… bem-feito … bem-feito… que ouvia por trás de cada elogio a Assunção Esteves!
Sobre a eleição de Assunção Esteves para presidente da Assembleia da República já tudo foi dito. Tudo ficou de resto dito com o clima de aclamação que rodeou a sua eleição: da direita à esquerda do hemiciclo não houve quem lhe regateasse elogios. Na opinião publicada fez o pleno!
A mim resta-me apenas dizer que foi o corolário da vitória de Pedro Passos Coelho no dossiê Fernando Nobre que, depois de haver cometido suicídio, foi ontem a enterrar. Um enterro político em plena Assembleia da República!
Foi, para Passos Coelho, a cereja no topo do bolo: depois de tratar de Fernando Nobre teve ainda tempo de tratar dos baronatos insulares. Sem sequer ninguém espernear!
Chamo-lhe explosão porque a bomba existia, estava lá, e explodiu mesmo. Não há dúvida que o que parece é – esta é uma velha verdade da política – e a humilhação – as coisas têm de ser chamadas pelos nomes – a que Fernando Nobre se sujeitou, com duas tentativas derrotadas de eleição, é uma derrota política de Pedro Passos Coelho, mais do que do PSD que, como ficou demonstrado, não estava absoluta e totalmente entusiasmado com o compromisso público do seu líder. Mas esta era uma explosão anunciada que, como todas as explosões anunciadas, permite limitar os danos: a derrota, afinal, existe pelas simples razão de parecer que existe!
Na realidade não há sequer derrota nenhuma de Pedros Passos Coelho. Neste episódio, apesar da opinião contrária de todos os analistas oficiais e comentadores do regime, Passos ganhou em toda a linha. Porque, conforme já aqui perspectivava na semana passada, teve oportunidade de aparecer aos olhos dos portugueses como um homem sério e cumpridor. Em quem se pode confiar porque não trai os seus compromissos. Mas também mostrou que não é oportunista, nem daqueles que não olham a meios para atingir fins.
E isto sempre foi muito valorizado no processo de avaliação política. Mas hoje é-o mais ainda: nesta altura, em que acabamos de chegar de um trajecto de seis anos com um primeiro-ministro que lidou muito mal com todos estes fundamentais traços de carácter, e em que a credibilidade e a confiança nos políticos bateu no fundo, os portugueses valorizam-no ainda mais.
Tudo isto credibiliza ainda aquela ideia de mudança que Pedro Passos Coelho quer associar a si próprio. A mudança em que os portugueses têm de acreditar para poderem estar com o governo nestes, pelo menos, dois anos dramáticos que aí vêm. Mas também a mudança na forma de fazer política, de comunicar e de se relacionar com os eleitores.
Ora o que é isto se não uma vitória?
Mas poderemos ainda, embora já claramente no domínio especulativo, admitir que Passos Coelho estava, neste processo, refém da sua palavra e claramente consciente do sarilho em que, fosse por que razão fosse, bem cedo se meteu. Que tinha já nítida a noção que o exercício da presidência do parlamento poderia tornar Fernando Nobre em alguém, a prazo, muito incómodo para si, para o partido e até mesmo para o país.
Fernando Nobre, ao recusar abrir uma escapatória para Passos e insistir em levar a sua odisseia até ao fim, cometeu suicídio político. Ora, à luz daquela tese, isto é não ou não é uma vitória?
Quando as coisas correm bem correm mesmo bem. E esta foi uma explosão que correu bem!
O estado de graça – que os analistas encartados dizem que este governo não irá ter – faz-se também deste tipo de coisas…
“Se eu fosse deputado votaria no candidato que o partido mais votado apresentasse para candidato à presidência da Assembleia da República” – referiu António Costa no Quadratura do Círculo, da SIC Notícias!
E disse mais. Disse que essa é a tradição da democracia portuguesa que deverá ser respeitada. E que o anúncio prévio da escolha do PSD - antes das eleições - é razão para reforçar essa tradição e nunca para a trair!
António Costa costuma dizer coisas relevantes, mesmo que pela negativa, como ainda agora se viu com a negação da sua candidatura à liderança do PS. E é relevante que o tenha dito pouco depois de a Comissão Política do PS anunciar que votaria contra a candidatura de Fernando Nobre. E quando o CDS à margem – melhor, na margem – do Acordo Político e Programático reafirmou igualmente a sua oposição à candidatura apresentada pelo PSD.
Pedro Passos Coelho não levanta o véu sobre a constituição do governo – volto a tirar-lhe o chapéu pela forma como soube conduzir todo este processo, e levanto-o tão mais alto quanto sei que também lá está Paulo Portas – mas vai-se preocupando em deixar alguns sinais.
São sinais essencialmente destinados ao exterior, o que se compreende. Privilegiou um jornal de referência - o Financial Times – concentrando a comunicação em duas notícias, ambas centradas na questão financeira e, dentro dela, na independência. O objectivo era, claramente, passar uma mensagem de empenhamento no rigor e na independência do controlo das contas públicas, que é como quem diz na implementação das medidas do memorando da troika. E as duas notícias são (i) que o ministro das finanças é um independente e (ii) que vai criar a tal entidade de controlo e monitorização das contas constituída por independentes, incluindo dois estrangeiros!
Sobre a primeira tenho algumas dúvidas que um ministro das finanças independente seja, apenas e só por isso, uma grande notícia. Mais importante que ser independente é que tenha grande peso político, para além, evidentemente, de competência específica. O ministro das finanças tem que ser uma voz respeitada e incontestada, e isso só está ao alcance de pessoas com, mais que grande prestígio, grande peso político específico. Que, normalmente, não se encontra por aí em independentes. Provavelmente olhamos à volta e apenas encontramos Eduardo Catroga, que não é tão independente quanto isso!
Acredito que a segunda seja uma boa notícia para o exterior, e que a integração de personalidades estrangeiras lhes tenha soado a música. A mim, como de resto já aqui manifestei, parece-me uma coisa meia disparatada. Porque torna-se difícil entender que, quando é necessário reduzir o Estado, extinguir institutos e organismos públicos, a primeira notícia seja a criação de mais um organismo. Mas também porque é difícil de entender que um governo que se prepara para tomar posse esteja logo à partida a deixar a mensagem que, em contas, é de tanta confiança como o anterior. Que esteja a desconfiar dele próprio não é seguramente o melhor dos sinais. E, finalmente, porque também não se entende a necessidade de uma entidade de controlo e monitorização das contas – com estrangeiros e tudo – quando a própria troika o fará. E cá estará a fazê-lo trimestralmente. A não ser que se esteja a destinar a esse órgão o papel de interlocutor da troika: o que seria a todos os títulos lamentável, porque isso terá que ser função inalienável do ministério das finanças!
Podem ter sido sinais importantes, do ponto de vista de comunicação, em particular para o exterior. Mas para nós, que nos preocupamos com o que é e não com o que parece que é, não são sinais positivos.
Já é um sinal positivo perceber, como hoje já percebemos, a solução do problema chamado Fernando Nobre, ontem aqui trazido. A solução de insistir na sua candidatura à presidência da Assembleia, mesmo contra o parceiro de coligação, é um sinal de que Pedro Passos Coelho é cumpridor. Que é homem de palavra, o que é sempre um sinal positivo, tão mais positivo quanto maiores forem os riscos que corre. E se são grandes os riscos que vai correr… Mas Fernando Nobre, como referi no texto anterior, não lhe deixou escapatória!
E é mais um sinal positivo que seja já hoje claro que está completamente fora de causa a solução manhosa de o integrar no governo.
Percebeu-se desde logo que o convite de Pedros Passos Coelho a Fernando Nobre iria dar num grande sarilho. Foi logo à partida considerado como o primeiro dos tiros no pé do quase primeiro-ministro – muitos nem foram tiros nem atingiram nenhum pé – e foi, à medida que a campanha ia avançando, perdendo gás.
A própria evolução da campanha, acompanhando o processo afirmativo de Passos Coelho, encarregou-se de diluir o problema. Dobrado o 5 de Junho, e posto em marcha o processo negocial da formação de governo, o nome de Fernando Nobre volta à ribalta, ao centro da discussão política.
Porque o CDS sempre afirmou que não apoiaria a sua candidatura à presidência da Assembleia da República e porque essa eleição se faz por voto secreto. Insistir em respeitar o compromisso em má hora estabelecido com Fernando Nobre iria directamente chocar com os equilíbrios que há que estabelecer com o parceiro de coligação. Levar até ao fim este compromisso poderia corresponder a um bem perigoso braço de ferro, com grandes riscos de uma grande trapalhada logo no arranque da legislatura, pois nada garante que, com voto secreto e no PSD – onde, como se sabe, tudo pode sempre acontecer – a maior bancada do parlamento não se viesse a dividir e a colocar em causa o sucesso da eleição. Uma legislatura que terá de ser tratada com pinças, que não pode correr riscos e que tem tudo incluindo a história, contra si, não pode arrancar no meio de tamanha turbulência!
Como se vê, muito facilmente Fernando Nobre se transformou numa bomba política de grande capacidade de devastação. Aqui está uma bomba armadilhada que vai exigir mil cuidados para não rebentar nas mãos de ninguém.
Como se sabe hoje mesmo terá sido comunicado ao Presidente da República que os acordos políticos que suportam a constituição do governo estão alcançados. Faltam meras formalidades - como a aprovação pelas estruturas dos dois partidos – pelo que será de supor que a solução está encontrada. Resta saber se a bomba está efectivamente desmantelada. É que o único mecanismo eficaz e seguro de assegurar o êxito dessa operação está nas mãos do próprio Fernando Nobre e, tanto quanto se sabe, ele não se fez à tarefa. Cabia-lhe, penso eu, perceber tudo isto e, aos ouvidos de Passos Coelho ou através de comunicação pública, dizer que, por razões pessoais, blá blá blá, blá, não se candidata à presidência do parlamento. Não o fez e, mesmo que o faça agora, já vem tarde!
Não sei se Fernando Nobre dará ou não um bom ministro. Admito até que tenha condições para ser um grande ministro da área social, eventualmente mesmo um trunfo para essa área. E acharia lamentável que fosse uma opção queimada à partida: que, caso esteja nas cogitações para integrar o governo, fique marcado por um estigma que, mais tarde ou mais cedo, lhe irá barrar a carreira! Como lamentável seria ver Passos Coelho acusado de o pôr no governo apenas para resolver o problema que criou…
Com a constituição e apresentação das listas de candidatos às próximas eleições os independentes vieram para a ribalta. E de que maneira!
É, nestas alturas, inevitável. Os partidos não têm em Portugal a melhor das imagens – antes pelo contrário -, a sociedade civil tem pouco espaço, a vida pública (e política) está demasiado partidarizada, os partidos são fechados sobre si mesmos, o próprio regime é muitas vezes visto como uma partidocracia. Isto já não falando das clientelas partidárias, da tomada de assalto do aparelho de estado, da percepção que os cidadãos retêm de que são os partidos os principais bloqueadores da reforma do Estado e mais uma infinidade de argumentos – que não caberiam em duas ou três páginas – que fazem com que os partidos, chegada a hora das listas, se desdobrem à procura de independentes. Que lhes compensem alguma da credibilidade perdida, que lhes abram portas a espaços proibidos, que lhes garantam, enfim, mais uns votos. Porque é isso, ao fim de contas, que todos procuram!
E, no entanto, reflectindo um pouco e indo um bocadinho mais para além deste horizonte curto que se nos depara sempre que aceitamos a primeira vista como definitiva, começa a parecer-nos que há aqui qualquer coisa que não bate certo. Este clique surgiu-me à entrada deste fim-de-semana quando, conversando com alguém envolvido no processo de constituição das listas e presidente de uma concelhia do PSD, fui surpreendido com a mais desassombrada das reacções: “…eles só querem independentes e mais independentes nas listas então também terão que mandar os independentes fazer o trabalho que nós fazemos…” Quando poderia imaginar que esta seria a menos politicamente correcta das reacções, a observação inconveniente que nem em desabafo eu ouviria percebi, de imediato, que aquilo sim. Aquilo é que é normal e natural. Percebi aqui a primeira e grande contradição desta obsessão dos partidos pelos independentes. Não é natural – é mesmo contra-natura – que gente que dedica grande parte da sua vida a um partido - uma opção que é indissociável de uma vontade de intervenção política – quando chega a hora de se apresentar e de se submeter à avaliação por que sempre esperou, seja afastada dessa oportunidade por alguém que vem de fora. Alguém que, ainda para mais, têm de carregar às costas durante toda a campanha eleitoral.
Esta lógica tem graves consequências no processo de descredibilização dos partidos, a começar pela sua própria desacreditação. Quando um partido procura independentes está a dizer que os seus, os que lá estão, não são de confiança. E se é o partido a desconfiar deles como é que poderemos nós acreditar? Mas é também aqui que vamos encontrar a origem genética do problema do assalto ao aparelho de estado. É que os sapos que os militantes engolem neste processo terão de ser compensados… Mas quando recruta independentes está não só a dizer ao eleitorado que não tem confiança nos seus como, de alguma forma, a pedir-lhe um cheque em branco. Porque um independente é alguém que não comunga da ideologia do partido e, nessa medida, menos previsível. Que dá menos garantias de prosseguir um rumo conhecido e balizado por valores e conceitos ideológicos: veja-se o caso Fernando Nobre – o mais mediático e discutido de todos os independentes – que provocou ontem algo de verdadeiramente surreal, com Passos Coelho a reclamar-lhe clareza e que deixasse tudo esclarecido na entrevista à RTP onde, de resto, viria a reafirmar a sua condição de homem de esquerda.
Mas há ainda outro aspecto, que muito tendemos a valorizar, onde os independentes ficam a perder: a independência perante o líder. Os militantes do partido têm sempre mais por onde bater o pé ao líder que os independentes. Porque as lideranças passam e eles ficam. Ao passo que os independentes só lá estão pela vontade do líder, de quem dependem em absoluto e a quem - é assim a vida – são incapazes de dizer não.
Parece-me que conseguimos começar a perceber que o eleitorado não tem muitas razões para premiar os independentes. Ou melhor, de premiar os partidos por apostarem em independentes. Pelo menos se o eleitorado se esforçar para ir um bocadinho para além do que lhe cantam ao ouvido! E que os partidos estão afinal enganados, teriam mais a perder que a ganhar com esta estratégia dos independentes. Mas quando já perderam tudo…
O convite de Fernando Nobre para cabeça de lista do PSD por Lisboa é um mais tiro de Pedro Passos Coelho no próprio pé. O tão absurdo quanto despropositado anúncio da sua candidatura à Presidência da Assembleia da República é mais que um tiro no outro pé. Começam a ser muitos tiros nos pés …
Presidente da Assembleia da República? Agora? Mas por que carga de água?
Porque tinha já convidado Manuela Ferreira Leite? Já isso tinha sido errado, mas era um erro que se perdoava: tratava-se de deixar claro que não é de vinganças. A nobreza dos fins fazia com que se perdoasse a fraqueza dos meios!
Repetir o erro sem fins que se percebam é muito mais difícil de entender…
Fernando Nobre até poderá alargar, o que está muito longe de adquirido, a base eleitoral do PSD. Até poderia ter – que não tem - perfil para Presidente da Assembleia da República. Mas para quê falar agora de uma eleição que cabe exclusivamente aos deputados eleitos a 5 de Junho? Não lhe bastaria convidá-lo para integrar uma lista qualquer? Precisaria de ser número um de Lisboa? E logo com essa particularidade – nunca vista – de acumular com a candidatura à presidência da AR. Dois em um: absolutamente desnecessário!
Não bastou a estória da revisão constitucional, a subida do IVA ou a privatização da Caixa Geral de Depósitos?
E, depois, Fernando Nobre também não ajuda à festa. Acaba de esbanjar o pouco do prestígio político que lhe sobrou das presidenciais e fica com muita dificuldade em arrancar a pele de oportunista que se lhe colou. E deixou-nos conversados quanto à conversa da cidadania!
Em pouco tempo habituamo-nos ao percurso errático, confuso, trapalhão e inconsequente de Fernando Nobre. Receio que Passos Coelho esteja a copiá-lo!
Há um ano atrás, em Fevereiro de 2010, por altura da apresentação da candidatura de Fernando Nobre, escrevi isto e isto!
Para quem não leu, nem esteja disposto a perder tempo a fazê-lo agora, direi apenas classifiquei então a notícia da candidatura de Fernando Nobre de uma excelente notícia. Excelente notícia por duas razões fundamentais: pela esperança na regeneração da política, ou na forma de fazer política, e pela contribuição para o exercício da cidadania!
Numa vida política excessivamente partidarizada, diria mesmo que sufocada pelos partidos que vivem de e para clientelas, surgir um homem com o prestígio pessoal de Fernando Nobre à margem dos partidos e mesmo contra eles, disponível para mostrar que ainda há cidadãos dispostos a dedicar-se à causa pública por exclusiva responsabilidade de cidadania, não podia deixar de ser uma excelente notícia.
Passado todo este tempo, e passada esta campanha eleitoral, tenho que declarar o meu desencanto. Sou dos que ficaram absolutamente desapontados com o desempenho do candidato Fernando Nobre, como se tem podido nas Frases de Campanha que por aqui tenho trazido.
Não está em causa a sua seriedade, evidentemente. Nem o seu empenho. Apenas juntou à falta de capacidade (e de um mínimo jeito que seja) para a intervenção política os piores tiques dos políticos profissionais. À falta de clarividência e de clareza política os equívocos do jogo político convencional. À confusão nas ideias a intermitência no discurso. E à falta de naturalidade e de presença um quixotismo muitas vezes bacoco!
Foi mau de mais para que fosse possível confirmar aquela excelente notícia. Afinal há sempre notícias que não se confirmam. Mas quando isso acontece com as boas … temos mais pena!
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