Desposicionar tem obviamente a ver com posição. Se a palavra existisse na língua portuguesa – se assim fosse o futebolês não teria sentido a necessidade de a criar e, evidentemente, não estaríamos agora aqui a falar dela – estaria certamente agora a ser objecto de tratamento nessa coisa fantástica, de que ouvi falar esta semana pela primeira vez, chamada de português claro.
Pois é, agora surgiu para aí uma empresa – não é uma Fundação nem uma Associação das tais 14 mil já identificadas e que ninguém consegue exterminar – a pugnar pela utilização de uma linguagem clara e acessível. Claro que é uma ideia vinda do exterior (plain language, certificada por uma Plain Language Comission) e, por isso, já com um fortíssimo lobby. O Diário da República, que bem precisava, já vem com as leis traduzidas para português claro! O que não deixará de desposicionar o sistema judicial…
A tradução de desposicionar de futebolês para português claro diria que se trata de tirar da posição, ou mesmo mudar de posição que, por sua vez, corresponde a deslocação!
Ora aqui está a prova provada da falta que nos fazia este português claro…
O futebol é um jogo de posições e de espaços, de encontros e desencontros. Os jogadores têm posições e espaços a ocupar e, a partir delas, funções a desempenhar. Há o chamado jogador posicional, aquele limita as suas funções a uma determinada zona do campo. Dali não sai. Dali ninguém o tira!
Mas também há a equipa posicional, a que obedece a uma rígida disciplina posicional, onde os jogadores sabem com rigor os espaços que devem pisar. Os que têm de ocupar para os roubar ao adversário e lhe tapar os caminhos que os possam conduzir à sua baliza. Ao adversário cabe-lhe desposicioná-los, arrancá-los das suas posições e espaços para, ao invés, romper acessos em direcção à baliza protegida. Como facilmente se percebe ganha quem, neste jogo do gato e do rato, conseguir enganar o adversário. Quem se não deixar enganar resiste. Quem não conseguir resistir desposiciona-se, perde as suas posições estratégicas e, como em qualquer batalha, é o descalabro.
Tirar da posição e mudar de posição, como tantas outras expressões já aqui trazidas, não é coisa que se limite ao que se passa dentro do campo de jogo. Fora de campo são muitas as mudanças de posição. E muitas as questões de postura. Ou de compostura. De dirigentes a adeptos.
Paulo Bento, com postura e compostura bem diferentes do seu antecessor – o malfadado Queiroz – colocou os jogadores nas suas posições e voltou a posicionar a selecção na rota do europeu da Polónia e da Ucrânia. O que levou Gilberto Madaíl,a mudar de posição e, agora já numa postura de recandidatura, a reivindicar os méritos da escolha do seleccionador.
Vilas-Boas também mudou de posição sobre a arbitragem do jogo de Guimarães: afinal o penalti que tinha visto não passara de “ilusão de óptica”. Quis fazer passar uma postura de elevação de conduta para, na realidade, marcar posição na inesgotável fórmula da pressão alta sobre a arbitragem. A estratégia é clara: inventa-se um prejuízo da arbitragem sem pés nem cabeça para depois reconhecer o engano; capitaliza-se esta posição de humildade para sustentar outras reclamações sem sentido e desvalorizar, colocando-as ao mesmo nível, as que os adversários legitima e justamente reclamam.
Quem não muda de posição é Luís Filipe Vieira, que continua a defender que os adeptos benfiquistas não devem ocupar qualquer espaço nos campos dos adversários. Mal: porque não faz sentido e porque dificilmente será obedecido.
Duríssima terá que ser a posição da UEFA perante os graves incidentes dos hooligans sérvios em Génova, na Itália. O jogo que não chegou a ser, entre a Itália e a Sérvia, de apuramento para o euro 2012, serviu para uma manifestação de hooliganismo a lembrar que o futebol e o crime não podem continuar a conviver. Há uns anos atrás soube tratar-se do problema inglês; agora terá que ser dada uma resposta exemplar que resolva este e evite outros.
E, já agora, seria bom se alguma coisa se aprendesse para tratar do que aqui se passa. Fora e dentro dos estádios … e em todo o território nacional!
Encerrada que está a disparatada, absurda e achincalhante trapalhada em que o Sr Gilberto Madaíl meteu o nome de Portugal, do futebol português e até de Mourinho (se bem que aí a música seja outra e haja muito por contar) aí está uma nova trapalhada: Paulo Bento!
Quero desde já dizer que nada tenho contra o treinador Paulo Bento. Tenho, no entanto, tudo contra mais esta trapalhada, na sequência directa da trapalhada anterior: ninguém percebe por que é que o Sr Madaíl não tratou discretamente do disparate Mourinho – podia ter almoçado, comido umas tapas ou apenas tomado um chá sem o anunciar aos sete ventos, preservando, como o mais elementar bom senso aconselharia, uma reserva que só faria sentido quebrar em função do sucesso (de todo improvável) de tão disparatada iniciativa – como ninguém poderá perceber a sucessiva exposição do nome de Paulo Bento e os sucessivos avisos (que mais pareciam ameaças) do anúncio de um futuro contacto. Alguém entende que se avise, dias a fio, que se vai efectuar um contacto?
É para mim claro que é trapalhada atrás de trapalhada. Outra coisa seria difícil de esperar nesta altura do Sr Madaíl.
Trapalhadas à parte, em que Paulo Bento não tem qualquer responsabilidade, convém tentar perceber se esta opção, que parece estar a gerar unanimidade no meio mediático e desportivo, encaixa na actual realidade da selecção nacional.
Vítor Serpa, no Editorial de domingo de A Bola, apontava alguns traços do perfil do novo seleccionador: “mais forte do ponto de vista psicológico do que táctico, mais alegre do que triste, mais extrovertido do que intimista, mais amigável que conflituoso, mais comunicativo do que embezerrado, com mais amigos que inimigos”.
Eu acrescentaria: experiente, com forte capacidade mobilizadora, fortemente de empático, de discurso fácil, simples e directo, de espírito aberto, liberto de dogmas tácticos e … com tranquilidade!
Parece-me que, à excepção da famosa tranquilidade – imagem exclusiva de um discurso amplificado pelos Gato Fedorento e não exactamente uma imagem de marca – não encontramos aqui muitos pontos de contacto com o perfil de Paulo Bento. O que não faz dele um mau treinador nem sequer impede que seja seleccionador nacional! Apenas não encaixa na actual selecção nacional: uma equipa sobre brasas, sem margem de erro, descrente, sem chama e sem público!
Pode ser que corra bem, mas é daquelas soluções que, com toda a tranquilidade, tem tudo para não dar certo. Gostaria de estar redondamente enganado!
O futebolês é uma linguagem com virtudes inimagináveis. Entre elas uma capacidade extraordinária de adaptação aos mais rebuscados conceitos e uma enorme facilidade de transmitir as mais subliminares mensagens. O falso ponta de lança tem um pouco de tudo isso!
Há o ponta de lança – o matador–, que já por aqui passou, mas também o falso ponta de lança. Que, ao contrário do falso médico (ou de qualquer outro falsificador), não anda por aí a armar-se no que não é. O falso ponta de lança não é aquele tipo que chega ao aeroporto todos os Verões (e todos os Janeiros, também Verão lá na terra deles) a proclamar aos setes ventos que faz muitos golos, que remata bem com os dois pés e que é muito bom de cabeça mas que, depois … nada. Nem um só desses atributos! Esse, embora pudesse parecer, não é o falso ponta de lança. Esse é o barrete!
O falso ponta de lança não é um impostor. Fazem dele um impostor, não o é ele próprio. É o treinador que cria esse embuste!
Ou porque não tem mesmo um ponta de lança na equipa – às vezes só tem um ou outro desses barretes – e, já diz o povo, quem não tem cão caça com gato; ou porque, mesmo tendo-o, não o utiliza porque tem medinho do adversário. Não é capaz de o enfrentar cara a cara. De disputar o jogo pelo jogo, olhos nos olhos com o adversário. Arma a equipa em bases ultra defensivas e, não lhe sobrando ninguém para servir o ponta de lança – ou assistir, como vimos na assistência –, opta por destinar as tarefas atacantes a um só jogador, normalmente franzino e rápido e de boa relação com a bola.
Aí está o falso ponta de lança!
Que nem sequer é bem uma falsidade. Comparada com as falsidades que por aí andam…
São as falsas partidas do Benfica e da selecção, a colocarem em sérios riscos os respectivos objectivos logo de início. São as falsas soluções e até mesmo os verdadeiros problemas confundidos com falsas questões!
Na selecção, como de resto se esperaria, tudo se resolveu com o despedimento de Queiroz. É falso que Madaíl tivesse algo a ver com o problema, ou mesmo que não seja ele o próprio problema. Basta olhar para a desorientação e o desespero verdadeiramente humilhante da tão disparatada quanto ridícula ideia de ir suplicar a José Mourinho (e ao Real Madrid) que venha treinar a selecção nos dois próximos jogos. Nunca visto!
No Benfica as coisas estão a correr como a partir de certa altura (o tema tem aqui sido abordado desde a 36ª edição) era previsível que corressem.
É visível que não há só falsos pontas de lança. Também há falsos resultados, falseados por arbitragens que, muitas vezes, custam a perceber como meramente infelizes. Objectivamente o Benfica vem sendo duplamente prejudicado: penalizado por decisões erradas nos seus próprios jogos e por decisões erradas que têm beneficiado os seus adversários directos. E os órgãos sociais do Benfica reagiram. Com razão. Mas mal, a meu ver! Mal porque dispararam em todas as direcções, e muito mal quando apelam à desmobilização da sua massa associativa – a sua maior força. Uma força capaz de levar a equipa ao colo – joga praticamente em casa em 27 ou 28 dos 30 jogos do campeonato – como ainda há pouco se via. Apelar aos adeptos para não comparecerem nos campos dos adversários é deitar fora uma das principais vantagens comparativas. Mas é também um espinho na relação de boa vizinhança com a grande maioria dos concorrentes: os pequenos clubes que vêm na visita do Benfica o seu euromilhões!
Não é assim que se mobilizam as tropas!
Ah! E Olegário Benquerença?
Bom, não está em causa a sua seriedade, para mim absolutamente intocável. Mas começa a ser demasiado evidente que não é feliz nos jogos com o Benfica. E como faz infelizes todos os benfiquistas (menos um, que eu conheço e ele também)!
Tudo começou aqui há uns anos, na Luz, com aquele remate do Petit que o Vítor Baía defendeu para além de uma linha que, mais que uma linha de golo, é uma linha que separa benfiquistas e anti benfiquistas. A partir daí é uma história de jogos complicados que, à luz dos dois últimos – o do Dragão do final da época passada e agora este de Guimarães – o melhor mesmo é pôr-lhe ponto final. E que a recente homenagem da A. F. Porto (já quase ninguém se lembrava da sua histórica e tumultuosa relação com a arbitragem) em nada ajudou. É que não é a mesma coisa da homenagem da A.F. Leiria, em que com muito gosto (a convite do tal benfiquista único que acima referi) participei, na véspera da partida para a África do Sul!
E domingo há derbi. Que parece estar já a aquecer, depois de uma longa semana europeia em que apenas o Braga deu passo em falso!
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