De tão inflamáveis, as golas pegaram fogo ao governo. As labaredas poderão nem ir ainda muito altas, mas lá que arde, arde.
O assunto parecia entretanto esquecido, e já ninguém se lembrava de todos os resultados da ânsia propagandista do ministro Eduardo Cabrita, agora também Secretário de Estado. Nem ele próprio se lembraria que havia anunciado ter pedido um inquérito à Inspecção-Geral da Administração Interna.
Ontem, de manhã, o Secretário de Estado José Artur Neves apresentou finalmente o pedido de exoneração, por motivos pessoais. Logo a seguir sabia-se que fora constituído arguido... Motivos mais pessoais não podia haver!
Começo por dizer que os problemas da promiscuidade entre políticos e negócios não se resolvem com leis. Resolvem-se com a escolha de pessoas sérias!
Mas isso não significa que não seja preciso leis para tratar desses problemas. Quer apenas dizer que, com pessoas sérias, nem é preciso utilizá-las e, sem pessoas sérias, não são suficientes.
Vem isto a propósito de uma lei que saltou esta semana para a ribalta à boleia das famosas golas, da não menos famosa campanha do programa “aldeia segura”, por causa de uns negócios entre o filho do Secretário de Estado da Protecção Civil e o Estado, mesmo que posteriormente mais uns tantos casos tivessem vindo também a público. Que torna nulos, logo à cabeça, para início de conversa, todos os negócios entre familiares de titulares de cargos públicos e o Estado e obriga, depois, à exoneração do familiar titular do cargo.
O primeiro-ministro protegeu-se à sua maneira, como sempre sabe fazer, e correu a pedir parecer à Procuradoria-Geral da República sobre a aplicação da lei à circunstância do Secretário de Estado. Já o Ministro dos Negócios Estrangeiros, entretanto a substituí-lo por uns dias de férias, achou por bem antecipar-se e declarar absurda, para a mesma circunstância, a interpretação literal da lei.
Ora, a lei tem já quase 25 anos - e está até para ser substituída - e não temos memória de alguma vez ter sido utilizada. E não terá sido certamente por falta de oportunidades, o que menos terá faltado neste país nos últimos 25 anos é negócios desses. Mas, quando ao fim de 25 anos é evocada a sua aplicação, nada… No mundo calculista do primeiro-ministro é preciso um parecer. No de Augusto Santos Silva, com um calculismo mais trauliteiro, declara-se simplesmente absurda.
É isto. Portugal não é um país sem lei, porque leis tem muitas. Mas nunca para aplicar aos amigos. Já vem de Maquiavel: “aos amigos os favores, aos inimigos, a lei”!
Não fosse o caso das "golas" ir crescendo todos os dias, e ter já atingido uma dimensão que tapa quase tudo, e hoje seria dia de falar de aeroportos. Do do Montijo, porque foi ontem conhecido o respectivo estudo de impacto ambiental, que vai estar em consulta pública até 19 de Setembro e que, como de costume, nos deu a conhecer mais umas tantas aves desconhecidas que fazem a sua vida no estuário do Tejo. E que vão sofrer com aquilo... Do de Beja, porque o avião que transportou o Benfica desde Boston foi obrigado a permanecer durante 45 minutos - tem lógica, uma parte do jogo - de portas fechadas na pista, sem ninguém de lá sair. Disse-se que o pessoal do SEF, que naturalmente só se desloca para o aeroporto quando é avisado que "vem aí avião", chegou atrasado. Mas do SEF dizem que não... também sem surpresa. Ou do de Faro, que se não fosse em Portugal, onde tudo é possível, dir-se-ia que era do Entroncamento. Que também é Portugal, mas é onde acontece tudo o que é ainda mais inacreditável.
E que tal, caro leitor, se acabasse de aterrar num destino turístico, precisamente num aeroporto que serve o turismo desse destino, que sem ele não existiria - em Portugal até poderia existir, afinal existe Beja -, e se deparasse com um anúncio que, em vez de lhe dar as boas vindas, lhe dizia que estava equivocado, que ali nem pensar em descansar, e que o melhor mesmo seria voltar para trás e procurar uma coisa mais calma?
Pois... No aeroporto de Faro, até ontem, encontrava mesmo isto: "foge da confusão algarvia e descansa em França", em português, inglês e espanhol, promovendo o destino Marselha.
Mas com as "golas" - no fundo com o seu quê de semelhanças com este fenómeno no Algarve - a cavarem cada vez mais fundo e a deixar ainda mais à mostra as misérias das estruturas partidárias no poder, vai lá falar-se de aeroportos. Vai é falar-se do líder do PS de Arouca que, de padeiro em Gaia, passou para adjunto do Secretário de Estado da Protecção Civil, por sua vez o último presidente da Câmara de Arouca, logo feito Secretário de Estado assim que esgotou todos os mandatos na presidência da Câmara, em 2017, justamente em Outubro, por ocasião da segunda vaga dos mais mortíferos incêndios no país. Que apresentou a demissão, dizendo-se o responsável pela selecção do fornecedor das golas, por acaso uma empresa do marido de uma autarca do partido, em Guimarães. E, como estas coisas são como as conversas, que são como as cerejas, já se diz que o filho do Secretário de Estado já vai nuns milhões de euros de negócios com o Estado nos últimos dois anos. E que, por via disso - que "evidentemente" desconhecia -, à luz da lei, deverá ser exonerado. O Secretário de Estado, claro...
Não é por Marques Mendes, na sua homilia dominical da SIC, ter declarado desastrosa a sua actuação que a semana do ministro da Administração Interna foi um desastre. Para ele, para o primeiro-ministro António Costa e, pior que isso, para o país.
O desastre é que na política portuguesa, em vez de se escolherem para ministros pessoas profissionalmente competentes, eticamente inatacáveis, e capazes de assumir as suas responsabilidades, se escolham pessoas pelo dito peso político. Mais a mais quando esse é um peso avaliado numa balança que, em vez de pesar, mede fidelidades.
Em vez de peso pesado da política, Eduardo Cabrita revelou-se apenas um rapazinho de 10 quilos a "brincar com o fogo". Que sempre se disse aos miúdos que dava mau resultado!
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