Os dois grandes acontecimentos que dominaram o final da semana passada voltaram a evidenciar os sinais preocupantes que marcam o jornalismo e a indústria da comunicação em geral.
As redes sociais minaram o jornalismo, e o jornalismo deixou-se minar por elas, mandando às malvas os valores, os critérios, e os princípios que constituíam a deontologia com que se faziam e davam notícias.
Quando a CMTV – o mais flagrante dos exemplos disso mesmo – transmitiu imagens vivas da agonia e da morte em Nice, não estava a noticiar coisa nenhuma. Quando um “jornalista” – que nunca pode ser digno dessa designação – da TF2, de microfone em riste e câmara apontada pergunta, a um homem junto ao cadáver da mulher, o que sente, não está a relatar um facto. E muito menos a fazer notícia.
Quando as televisões, na noite de sexta-feira, cobrindo as incidências do suposto golpe de estado na Turquia, noticiavam, tudo numa mesma e única hora, que Erdogan tinha pedido asilo político à Alemanha, que a Alemanha o recusara, e que estava a aterrar em Teerão, depois do Irão ter aceite conceder-lhe asilo político, não estavam nada preocupadas com factos. Nem com rigor. E nem sequer com o mínimo sentido crítico, ou com o mais elementar bom senso, que desde logo denunciava a impossibilidade factual do que estavam a noticiar.
A informação rigorosa e objectiva é tudo o que o mundo hoje mais precisa. Mas é precisamente quando é mais desprezada e negligenciada, para dar lugar ao voyeurismo e á exploração emocional dos sentimentos mais básicos das pessoas, impedindo-lhes ou limitando-lhes seriamente qualquer a capacidade da reflexão serena sobre os factos.
Isto mata a nossa civilização. Isto só ajuda os inimigos da nossa forma de vida. Isto ajuda terrorismo. E o terrorismo conta com esta ajuda. Porque isto orienta reacções xenófobas e de descriminação étnica, que acabam por entregar o poder a radicais racistas e nacionalistas. Que, depois, pressionam, perseguem e isolam minorias, quaisquer que sejam, atirando-as para para a marginalidade, para o pântano social, numa espiral de radicalização que alimentam, para dela se alimentarem...
Foi um acto falhado, o golpe de estado na Turquia. As forças insurrectas da segunda potência militar da NATO, num estranho amadorismo, acabaram superadas pelas forças leais ao regime de Erdogan, muitas mortes e poucas horas depois. Nas maiores forças armadas da Aliança Atlântica, a seguir às americanas...
Queria naturalmente dizer-se que, aqui, nada daquelas notícias era dado por definitivo, ao contrário das televisões que, na mesma hora, davam notícias do pedido de asilo de Erdogan á Alemanha, da recusa alemã a esse pedido, e até do desembarque do presidente turco em Teerão, com asilo político concedido pelo Irão. Merece alguma reflexão...
Tanta quanto o próprio golpe. Que só serviu a Erdogan, para lhe permitir finalmente encontrar novos caminhos institucionais para perpectuar o seu poder pessoal. Depois de esgotados todos os mais convencionais, como também aqui ontem se fazia notar.
Mais uma vez: para além do que são, as coisas também são o que parecem!
A notícia do derrube de Erdogan é uma boa notícia. Sem dúvida nenhuma. Tinha feito da Turquia tudo o que uma democracia não pode ser. Acelerou por caminhos teocráticos, promovendo a crescente islamização do país, porventura por encontrar por aí a melhor forma de perpetuar o seu poder pessoal, esgotados que foram todas os caminhos institucionais antes tentados.
Para já, o pior que esta notícia pode ter é... ser francamente exagerada. Depois, logo se vê. Já não estamos habituados a golpes militares por estes lados, mas lembramo-nos bem que sabemos sempre como começam. Como acabam é que já é mais difícil saber...
O "golpe de estado" que ontem (o)correu no país do Twitter, a lembrar a mítica transmissão radiofónica de Orson Wells da "Guerra dos Mundos", é bem capaz de, pelo excesso próprio deste tempo mediático e das redes sociais, ter acabado no efeito contrário, eventualmente diamentralmente oposto, ao pretendido.
É que provavelmente cirunscreve o "golpe de estado" de Cavaco a um simples fait divers e remete-o para o caixote dos likes e dos lol.
Provavelmente fica muito do espectáculo e muito pouco do que lhe deu origem. Da substância. Do que no Daily Telegraph se ecreveu: “pela primeira vez, desde a criação da união monetária europeia, um Estado-membro tomou a iniciativa explícita de proibir os partidos eurocépticos”. Que um italiano qualquer aproveitou para linkar, ironizando que a União Europeia declarara a suspensão da democracia em Portugal, obrigando os portugueses a continuar a votar até que o resultado fosse o pretendido.
A estrondosa acusação de Manuela Ferreira Leite - "o que António Costa estar a fazer é um verdadeiro golpe de estado" - produzida no seu espaço de comentário na TVI, não encaixa com nada do que há três ou quatro anos lá anda a dizer. Mas encaixa no seu próprio voto - ela sim, poderá agora dizer que não teria votado no PS, nem que seja a pensar que fica perdoada - e encaixa na perfeição na sua escala de valores, com a fidelidade bem destacado no topo, muito acima de todos os outros.
Não é o mais nobre dos valores... De tal forma que, para adquirir alguma nobreza, tem de chamar-se lealdade. Que já é outra coisa...
Como se esperava, Pedro Passos Coelho ameaça com um segundo resgate: "Se não formos capazes nos próximos meses de sinalizar aos nossos credores esta reforma estrutural do Estado que garanta que a despesa baixa de uma forma sustentada, o que acontecerá é que não estaremos em condições de prosseguir o nosso caminho sem mais financiamento, sem um segundo programa que garante ao País os meios que ele precisa", declarou tendo como pano de fundo a decisão do Tribunal Constitucional e aquilo que considera ser a sua visão restritiva da Constituição.
Passos Coelho chegou à liderança do PSD e logo anunciou como prioritária a necessidade de rever a Constituição, coisa que, como bem nos lembramos, foi então considerada completamente despropositada. O país não via nisso qualquer prioridade e percebia-se que se tratava de preconceito ideológico.
A verdade é que nada fez para encontrar o necessário consenso para essa revisão. Mas não é menos verdade que decidiu governar como se o tivesse feito, o que quer apenas dizer que, nada tendo feito para a rever, resolveu ignorá-la. Entendendo ainda que todos os órgãos de soberania deveriam fazer exactamente o mesmo.
Mas não pode ser assim. Por muito que lhe custe um Estado de Direito não é isso!
O primeiro-ministro tem de entender que esta Constituição tem que ser respeitada e que, se não lhe serve, tem de promover a sua revisão. A não ser que opte assumidamente pelo golpe de Estado. Não pode é pretender governar um Estado de Direito em ambiente de golpe de Estado!
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