Não nutro qualquer simpatia, antes pelo contrário, pela personagem João Galamba. É coisa que já vem de longe, dos tempos malditos de Sócrates, de quem, a par do actual Presidente da Assembleia da República, e do eurodeputado Pedro Silva Pereira, foi um dos principais escudeiros e, para mim, todos para sempre cúmplices.
Desses tempos guardei uma imagem de arrogância, de manipulação, e de desfaçatez. Neste tempo actual sugere-me pena. Dó. Que não é lisonjeiro.
Sobreviveu à primeira imagem, não sobreviverá a esta segunda.
Foram as mesmas arrogância, manipulação, e desfaçatez que o enfiaram no buraco onde está metido. São no entanto outros traços de carácter que não lhe permitem de lá sair, acabando na triste e penosa figura de marioneta no jogo de sombras que Marcelo e Costa resolveram disputar.
Marcelo decidiu desde cedo iniciar o "jogo" a brincar com o cutelo da dissolução. A folhas tantas trocou a dissolução pela remodelação. E surge João Galamba, que Costa lhe dava de barato, mas que não lhe bastava. Era demais, Costa "não se ficou" e fez de Galamba ... marioneta. Aceitou, provavelmente por excesso de vaidade e escassez de dignidade e lucidez, e hoje dá pena. Mete dó!
Prestou-se a tudo. Até a ser exibido nas comemorações do 10 de Junho onde a marioneta se fez de bombo da festa.
Sairá inevitavelmente na inevitável remodelação que, em vez de solução para o problema da governação, e do país, é apenas mais uma parte do jogo em que Costa e Marcelo continuam entretidos. Sem honra nem glória. Nem sequer compaixão. Como "ramo morto" caído da árvore e desaparecido no meio dos despojos.
O famoso questionário que a ministra Mariana Vieira da Silva anunciou com 34 questões, que afinal são 36 é, como aqui disse na altura, a ideia mais estúpida e parva de António Costa. E é exclusivamente o resultado do estado a que António Costa se deixou chegar.
Este inquérito "estúpido e parvo", que tem exactamente o efeito contrário do anunciado, surge por três razões fundamentais:
1) Progressiva degradação da exigência para o exercício de cargos políticos, da responsabilidade dos partidos, em especial dos dois maiores que, mais que dividir, têm repartido o poder;
2) Criação de uma sensação de impunidade, agravada com a recente maioria absoluta, com manifestos sinais de absolutismo, levados à exuberância naquela pose pombalina de António Costa na entrevista à Visão, há cerca de um mês;
3) Sucessão de casos neste governo, um dos quais com António Costa apanhado de "calças na mão" em plena Assembleia da República, obrigando-o a recorrer à sua especialidade de tirar coelhos da cartola, donde acabaria por sair precisamente este.
António Costa tem responsabilidade em todas estas três instâncias. Tem-na na primeira, porque lidera o partido vai para dez anos. E porque toda a sua vida foi feita lá dentro. Tem-na na segunda porque criou a ideia de senhor absoluto do partido, do governo e do país. Com essa ideia, cria à sua volta uma ideia de impunidade. Quem está com ele, por muito mal que tenha feito, acredita que nada de mal lhe pode acontecer. E, claro, não é por ter sido Mariana Vieira da Silva a fazer aquela triste figura, que não tem a exclusiva responsabilidade neste "coelho" que ele próprio "tirou da cartola".
Que não evita que cheguem aos mais altos cargos da governação quem não tem condições para ser governante. Pelo contrário, evita que lá cheguem quem quem as tem.
Pessoas credenciadas, rigorosas, honestas, escrupulosas, realmente imbuídas de espírito de serviço público, pessoas realmente de bem, não aceitam sequer sujeitarem-se a assinar aquele questionário e um compromisso de honra a atestar a sua probidade. Se, pela crescente degradação da vida política do país, já vinha sendo difícil recrutar os melhores para os governos, a partir de agora passa a ser impossível!
É ideia feita que "classe política" está esgotada, e em sérios riscos de esgotar o regime. A cada vez que os chefes de governo não conseguem recrutar fora das paredes do seu partido, a cada vez que não conseguem captar gente capaz da sociedade civil, essa ideia cresce.
A vitalidade dos governos, e do regime, mede-se muito pela captação de quadros que venham de fora do espartilho político-partidário.
Acontece que sempre - ou quase sempre - que os governos conseguem trazer alguém de fora, a regra é que, com poucas excepções e por períodos muitos curtos, eles falhem. Flagrantemente, acabando muitas vezes por engrossar o anedotário nacional.
Saudei aqui, há muitos anos, a chegada do Álvaro Santos Pereira, pela mão de Passos Coelho. E acabou no que acabou - em personagem central da anedota nacional. Voltei a saudar, há poucos meses, e para a mesma pasta, a chegada de António Costa Silva, alguém com pensamento estruturado, com ideias para o país, com prestígio pessoal e carreira feita.
Se não me engano muito, e pesem embora as diferenças de personalidade, Costa Silva vai pelo mesmo caminho. O percurso poderá estar menos carregado de ridículo, mas a (in)consequência é a mesma!
Depois de muito prometer, o homem que deu a cara pelo PRR, a que deu corpo, chegou ao governo. Aí chegado, foi atacado pelo estranho vírus do poder que transforma quadros de reconhecido mérito em políticos erráticos, e autênticos cata-ventos.
O próprio PRR não tem, há muito, nada a ver com o que desenhara. Já não tinha quando iniciou funções, o que já não era muito abonatório. Sem o vírus, ao perceber que toda a concepção do PRR estava subvertida e desvirtuada, já não teria aceitado entrar para o governo.
Mas aceitou, e iniciou funções, logo na tomada de posse, com o anúncio da necessidade do famoso "Windfall tax", o tal imposto sobre os lucros excessivos das empresas, obtidos através de condições excepcionais de mercado que beneficiam uns poucos e prejudicam todos os muitos outros. Como o chefe do governo não achou muita piada à coisa - hoje, curiosamente, defendida em muitos países, e pela Comissão Europeia - Costa e Silva deu logo o dito por não dito. Não tinha sido aquilo que queria dizer... Mas foi, e sabe tão bem que foi, como sabe que o PRR que está em execução não tem nada a ver com o que programou.
Disse-o, como desenhara o PRR, antes de apanhar o vírus, na posse de todas as suas faculdades. Antes de perder a primeira - a coragem. E a segunda - a lucidez.
A partir daí o ministro da economia desapareceu. Reapareceu agora - e mais valia ter continuado desaparecido - com umas medidas desgarradas e com a espatafúrdica ideia da descida transversal da taxa de IRC. Que, para além de ineficaz - as pequenas empresas não apresentam lucros tributáveis, as grandes dispõem de recursos infindáveis de planeamento fiscal para o mitigarem, e os investidores internacionais tratam do assunto quando negoceiam o investimento - ainda choca violentamente de frente com as suas ideias de partida.
Temos aí outro teste ao sistema, com o anunciado recrutamento de Fernando Araújo para essa espécie de CEO do Serviço Nacional de Saúde. A ideia é a mesma - trazer gente capaz de fora. A fórmula é nova - uma estrutura fora do governo. Mas - e isso é fundamental - também o processo é novo. Fernando Araújo não correu a aceitar o cargo. Já esteve lá, no lado de dentro do governo, e sabe "o que a casa gasta". Daí a demora de todo este tempo a aceitar um cargo que ainda pode recusar. Mas que já lhe não pode ser recusado.
Que aproveite esta circunstância única para deixar todos os pontos nos "ís", e abrir uma última janela neste mundo fechado da governação!
A semana que agora termina, com mudança de hora e tudo, mostrou a quem andasse mais distraído o país que somos. Os governos que temos e o povo que somos.
Como sempre, é preciso que venha alguém de fora mostrar-nos mais claramente isso, porque, nós, cá vamos andando… Coube desta vez a tarefa à ministra das finanças da Suécia, desesperada com o incumprimento do(s) governo(s) português(es) do acordo de tributação aos cidadãos suecos residentes no país.
Mais 3 mil pensionistas suecos, de altos rendimentos, vivem em Portugal. Não tem mal nenhum, e só se lhe pode gabar o gosto. Viver em Portugal, com uma pensão catita, e sem pagar impostos, é das melhores coisas que se pode reclamar para a velhice. O governo sueco pretende que estes pensionistas paguem impostos. Lá ou cá. Mas que paguem impostos sobre os seus rendimentos de pensões. E assinou um protocolo com o governo português, que não o cumpre.
O que obrigou a ministra das finanças a perder a paciência e a dizer que "é fascinante" que os portugueses não se revoltem por ver os suecos viverem aqui com as suas ricas pensões de reforma sem pagarem um euro de IRS. E que, lado a lado com um sueco numa cama de um hospital, um português não se importe de estar a pagar para os dois, sabendo ainda que o sueco vive com um rendimento três, quatro ou cinco vezes superior ao seu.
É de facto fascinante. Já é fascinante que o governo português seja tão generoso com os cidadãos estrangeiros - e, já agora, com as empresas detidas por estrangeiros, como se voltou a ver com a EDP, e como se está a voltar a ver com o Novo Banco - e tão impiedoso com os nacionais. Ou, noutra escala, mas que também serve de exemplo, enquanto não permite aos portugueses nesta altura passar a fronteira do seu concelho, permite que turistas estrangeiros possam passear à vontade pelo país. Mas é ainda mais fascinante que os portugueses se não importem nada com isso!
É este o país que somos, que muitas vezes nos passa ao lado, e que a ministra das finanças sueca tratou de nos mostrar em todo o seu esplendor. Um país governado por quem trata os seus cidadãos abaixo de cão, com um povo que aprecia ser assim tratado.
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