A greve de fome
Um grupo de nove empresários das áreas da restauração, bares e discotecas, acampados em frente ao Palácio de S. Bento, entra hoje no sexto dia de greve de fome.
Sabemos das dificuldades por que passam. Essas e outras atingem-nos, mesmo que mais a uns que outros, a todos. Este é um barco onde estamos todos, mesmo que, como ainda há dias dizia o Presidente da República, uns em primeira classe, outros em segunda e terceira, e outros até nos porões.
Não é possível ficar indiferente a tão extremada manifestação de protesto, como não é possível ficar indiferente às dificuldades por que passam aquelas pessoas em concreto, e mais alguns milhares nas mesmas condições, com os seus negócios paralisados há tanto tempo. Essas pessoas merecem a nossa compreensão, a nossa solidariedade e o nosso respeito.
Sabemos da legitimidade moral para este tipo de manifestação. Mas também percebemos que vai contra as regras do jogo o poder dialogar sob pressão com movimentos inorgânicos e espontâneos. Que isso pode abrir precedentes eventualmente incontroláveis. Já quando a reivindicação é apenas e tão só falar com o primeiro-ministro, custa-nos mais a perceber.
Até porque, nas diversas reportagens que as ontem televisões por lá fizeram, foi possível reter dois pormenores - bem pormaiores - interessantes. Numa das ocasiões um dos grevistas de fome, justificou-se com o facto da associação do sector, a quem caberia institucionalmente defendê-los, é presidida por alguém que administra uma empresa que depende dos contratos de catering estabelecidos com o Estado. Noutra, o conhecido chef Lujbomir Stanisic, também grevista de fome e o rosto mais mediático do auto designado "movimento a pão e água", de dedo em riste, apontando o caminho da rua ao Chicão, o presidente do CDS, gritava-lhe: "não há cá partidos, querido"!
Talvez estes dois episódios tenham passado despercebidos. Mas merecem toda a atenção. Quando as instituições falham, sejam quais forem, rompe-se a organização e entra anarquia. Os movimentos inorgânicos não são mais que respostas anárquicas a estruturas bloqueadas. Tão bloqueadas que não permitem outras.
Mostra-nos a História que rapidamente perdem a virgindade, e logo surge alguém de fora moldar-lhe a forma à sua própria medida. Seja ela a dos contratos de catering ou a de um partido qualquer.