Lembro-me como se fosse hoje do assalto ao Santa Maria. Foi há 60 anos!
Lembro-me de todos lá em casa colados ao rádio a ouvir as notícias que nos queriam dar. Que o paquete tinha sido tomado por piratas. Tinha cinco anos, e não percebia que não era um acto de pirataria, mas apenas o primeiro grande acto de revolta contra o regime fascista de Salazar e do Estado Novo com projecção internacional. A primeira vez que, sob o comando de ex-capitão Henrique Galvão, pequeno de corpo mas gigante de coragem, portugueses diziam ao mundo que não estavam conformados com a ditadura que os oprimia há já longos 34 anos.
O que então não percebia mesmo era como era possível tomar de assalto um barco. Imaginava uma enorme passadeira estendia sobre o mar, e achava de uma grande coragem atravessá-la para chegar ao barco e trepar depois aquela altura toda até entrarem no navio. E não me imaginava, sessenta anos depois, a evocar um acontecimento que seria um dos maiores golpes desferidos contra o regime.
Assinalar os 50 anos do que quer que seja – de idade ou de uma qualquer ocorrência marcante da nossa vida individual ou colectiva – é sempre motivo de envolvência emocional e de comprometimento. Com as pessoas, com os factos ou pura e simplesmente com a História…
Neste ano comemoramos 50 anos de muitos acontecimentos da nossa História contemporânea: 2011 é um ano de efemérides ao ritmo do redondo 50 ou não tivesse o destino querido fazer de 1961 um dos anos mais marcantes da ditadura de Salazar. Foi o verdadeiro annus horribilis do regime, o princípio do fim…
Acaba de se comemorar os 50 anos da Operação Dulcineia – o assalto ao Santa Maria, de Henrique Galvão, a mais romântica e espectacular acção de ataque ao regime (recomendo o filme de Francisco Manso, estreado em Setembro último e creio que ainda em exibição) – e já estamos hoje, 4 de Fevereiro, a assinalar os 50 anos do início da guerra colonial – provavelmente o mais marcante e decisivo acontecimento da nossa História a seguir aos descobrimentos.
Os movimentos anti-coloniais tinham germinado a partir da Conferencia de Bandung, em 1955 na Indonésia, de onde nasceria o movimento dos não alinhados, mas foi em Luanda, a 4 de Fevereiro de 1961, com o ataque de forças nacionalistas a prisões onde se encontravam detidos muitos dos seus militantes que, de facto, a guerra colonial começou. E, com ela, o irremediável aprofundamento do isolamento, interno e externo, da ditadura em Portugal.
Se a comemoração destes dois acontecimentos se encosta ao início do ano, as outras, deste excitante ano de 61, são empurradas lá para o fim: a 10 de Novembro, o mesmo Henrique Galvão desencadearia a operação Vagô – desvio (o segundo na história da aviação portuguesa) de um Super Constellation da TAP, que fazia o voo de Casablanca para Lisboa, obrigando-o a sobrevoar a capital, o Barreiro, Beja e Faro lançando milhares de panfletos -, a 4 de Dezembro dava-se uma espectacular fuga da prisão de Caxias, utilizando o carro blindado de Salazar, a 18 a invasão de Goa, Damão e Diu pela União Indiana e, mesmo na passagem de ano, a tentativa de ataque ao quartel de Beja.
O 25 de Abril, esse, ainda teria que esperar mais 13 anos!
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