Num anúncio publicitário a uma dessas plataformas de levar comida a casa - que dão emprego (o segundo, porque o primeiro é às portas da AIMA) a milhares de imigrantes asiáticos -, recentemente surgido nas televisões, uma jovem - os jovens é que dominam estas coisas das plataformas digitais - explica ao pai (os pais dos jovens têm mais dificuldade em dominar a matéria) as maravilhas do serviço. O pai é José Mourinho, a filha não deverá ser a sua, mas o pai é que importa. Evidentemente!
Explica-lhe ela que pode pedir tudo.
- Tudo, mesmo? - interroga ele.
- Sim, tudo!
- Então peço um clube para treinar...
A resposta ao pedido não tardou, e logo apareceu o Fenerbahçe, de Istambul, na Turquia, onde não se gosta de trabalhar, pelo que diz o outro. Que logo lhe disse, como a "filha" do anúncio, que pode pedir tudo.
Não se sabe se, como no anúncio, chegou a perguntar se era mesmo tudo. Imagina-se que não. Que tenha saltado por cima da pergunta e desatado a pedir tudo. A começar pela indemnização ... Depois - diz-se - Lukaku, Dybala, Humells ...
Há quem tenha de pagar anúncios a pedir emprego. Mourinho recebe - e não terá sido pouco - por um anúncio a pedi-lo. Genial. Mais uma vez!
Os desgraçados que, para trabalhar sem nunca terem um emprego, têm passar dias e noites à espera de um papel que lhes custa três ou quatro meses de trabalho, não fazem parte desta história. Nem cabem no anúncio!
A Senhora Procuradora Geral da República acha que não tem que se pronunciar sobre nada do que se relaciona com as suas funções e responsabilidades. Tem a casa a arder, mas não tem nada a ver com isso. E deixa arder...
No entanto, sobre o que lhe não diz directamente respeito, não se escusa a comentários. E se for para lançar gasolina para cima do que já está a arder, melhor ainda.
Não se lhe ouviu uma expressão de preocupação sobre os crimes que chocaram o país. Ouviram-se, em vez disso, palavras alinhadas com o discurso de ódio instalado, que alimenta a violência deste tipo de criminosos.
Nos 35 metros quadrados daquele rés-do-chão daquele prédio da Mouraria alojavam-se 22 pessoas. Sim, pessoas!
Se a área estivesse completamente livre, corresponderia a 1,59 metros quadrados por pessoa. Sim, por pessoa!
O resto já se sabe. Houve um incêndio, 14 pessoas, entre as quais 4 crianças, ficaram feridas. E duas morreram. Sim, 16 pessoas. As restantes seis, ou estavam na sua vez de não estar em casa; ou na camada superior da pilha de pessoas espalmadas para lá caberem, e conseguiram sair a tempo.
De pessoas que apenas se sabe donde vêm. Do sul da Àsia. E que pagam 150 euros por mês por um colchão que não pode ocupar mais 1,60 metros quadrados. Não se sabe mais nada. Não se sabe nem onde, nem no que trabalham. Sabe-se que são pessoas. E sabe-se que há pessoas que não têm vergonha de achar que não!
Enquanto assim for, enquanto houver pessoas a achar que há pessoas que o não são, isto é tudo uma enorme mentira. Do tamanho do mundo!
Três agentes do SEF, nas instalações do aeroporto de Lisboa, espancaram até à morte um imigrante ucraniano, em Março do ano passado, num crime que, por omissão e conivência, envolveu ainda mais um conjunto de pessoas, entre seguranças privados e até um enfermeiro. Um dos participantes, orgulhoso do seu acto, disse que nesse dia já não precisava de ir ao ginásio...
A cadeia de comando, até ao próprio ministério, tentou abafar tudo.
Há dois anos, mas só hoje chegando ao conhecimento público, sete militares da GNR do posto de Vila Nova de Mil Fontes, Odemira, espancaram, violentaram e humilharam vários imigrantes. Orgulhosos dos seus actos, filmaram-nos e divulgaram-nos por grupos privados nas redes sociais. Esses filmes foram então, em 2019, parar às mãos da Polícia Judiciária quando, para investigar actos idênticos ocorridos no ano anterior, apreendeu os telemóveis a cinco militares da GNR daquele posto. Identificou aí os sete, três dos quais reincidentes por terem já praticado os mesmos actos em 2018.
A cadeia de comando, incluindo o IGAI, tentou abafar tudo. Conhecidos os factos através de uma estação de televisão, a GNR veio hoje informar que dos sete militares acusados, dois tinham sido suspensos, e os restantes cinco se encontravam a trabalhar normalmente, quando à reportagem da televisão tinha dito que todos se encontravam suspensos.
Os mais altos comandos das forças de segurança em questão, e os mais altos responsáveis do país - Presidente da República e Primeiro-Ministro - dizem-noa que isto não fazem delas instituições racistas. Como o caso dos militares na República Centro Africana também não atingem a instituição militar. Mas fazem, todos, deste, o país que é!
Os imigrantes que sofreram a brutalidade daqueles militares da GNR são os mesmos trabalhadores das estufas de Odemira, com que há meses o país se chocou.
Há poucos dias, um Relatório de peritos da ONU dava conta da "dimensão da brutalidade policial sobre afro-descendentes", num "país que nega o racismo e romantiza o passado colonialista", e denunciava formas de racismo, discriminação racial, xenofobia ou outras intolerâncias.
Ontem foram divulgados pelo INE os números provisórios dos Censos de 202. Em Portugal residem 10.344.802 pessoas. Nos últimos dez anos, desde o últimos Censo (2011), Portugal perdeu 2.1% da população. Foi a primeira vez, desde 1970, que o número de habitantes caiu.
A quebra foi resultado de um saldo natural negativo (diferença entre nascimentos e óbitos), que se traduziu numa perda de 250.066 pessoas. Os estrangeiros são agora 555.299, 5% da população. Mais 41% que há 10 anos. O número de estrangeiros a entrar em Portugal não foi suficiente para o compensar. Mas não é só isso. É a falta de mão de obra. É o envelhecimento da população. É a sustentabilidade da segurança social. É a assimetria demográfica. É "só" a viabilidade de um país!
Um país que tem nas suas instituições pessoas que tratam assim as pessoas que o podem viabilizar é, por si mesmo inviável. Seria bom que pensássemos nisto!
Surpreende-me o ar surpreendido de toda a gente com a situação dos imigrantes em Odemira que, sem a pandemia e os cercos sanitários, continuaria a ser ignorada, mesmo que à vista de toda a gente.
A situação de autêntica escravatura em que se encontram, nas mãos da máfia do tráfico humano, enrolados numa rede de vil e inqualificável exploração embrulhada em sacos de plástico, não surgiu nem agora, nem nas estufas de Odemira. Faz parte de uma ordem própria da selva económica em que o sistema se tornou nas últimas décadas, e dela nos chegam há muito notícias da Andaluzia, ou de Nápoles. As estufas de Odemira apenas replicam as de Almeria, as de San Nicola Varco, ou tantas outras. E são simplesmente o espelho do nosso modo de vida insustentável.
Já não é só ambiental e socialmente insustentável. É humanamente insustentável!
E ouvimos chamar-lhe modernidade. E desenvolvimento. E futuro...
Mais uma fotografia a abalar consciências e a levantar o eterno dilema da sua divulgação, sempre na fronteira - e é de fronteiras que trata - entre a informação e o voyeurismo.
Falo da fotografia que por estes dias vai chocando o mundo, dos corpos inertes de um pai e da sua filha, ligados por uma T shirt que dos dois fazia um só, nas margens do Rio Grande, na fronteira do México com os Estados Unidos. O rio dos Westerns americanos, o rio do Rio Bravo de John Wayne, Dean Martin e Rick Nelson. Meia dúzia de latas vazias de cerveja americana e uma garrafa de plástico, igualmente vazia, de um refrigerante igualmente americano acentuam a cor americana do cenário que envolve o corpo da menina abraçada ao pai.
A mesma cor do sonho que levou uma jovem família salvadorenha que vivia com dez dólares por mês a chegar ao México para, como tantos milhares de outras, entre muros e rios intransponíveis, a escolher rotas cada vez mais perigosas para enfrentar a fronteira da morte, outrora do sonho.
O jovem casal fez-se ao rio, com a filha, Valéria, de dois anos, amarrada por uma Tshirt ao corpo do pai, Oscar, de 28, decididos a atravessá-lo para o lado de lá. Mesmo sabendo que naquela terra os sonhos já foram trocados por pesadelos, nada pode ser pior que o inferno de miséria e violência que querem deixar para trás. Quando a corrente do rio resolveu colocar-se às ordens de Trump e engrossar-lhes a adversidade, a mãe nadou de volta para o México. O pai prosseguiu com a filha bem colada ao corpo… até que a corrente e a morte os devolvessem à margem a que não queriam regressar.
Acontece todos os dias. Acontece com milhares de homens, mulheres e crianças que por aquelas paragens fogem diariamente da violência e da pobreza das Honduras, da Guatemala ou de El Salvador… Desta, como de outras vezes, a diferença é uma fotografia. Que pode até não fazer grande diferença. O mais provável é que dentro de dias, talvez semanas, volte como tantas outras ao esquecimento.
Não fosse o desenlace da telenovela João Félix, com essa transferência de 120 milhões de euros do Benfica para o Atlético de Madrid, e o nome da semana teria sido o de Miguel Duarte, outro jovem português, ligeiramente menos jovem mas nem por isso menos digno de admiração - antes pelo contrário – cuja história saltou para o topo da actualidade no início da semana, com a notícia de que corria - e corre – o risco de ir parar à prisão, acusado pelo governo italiano de auxílio à imigração ilegal
Em 2016 Miguel Duarte decidiu não ficar de braços cruzados a assistir ao trágico destino de milhares de pessoas e integrar-se numa “organização não-governamental” (ONG) alemã que presta apoio humanitário aos desgraçados que fogem da perseguição, da miséria e do terror para se entregarem, primeiro, nas mãos de outros seres humanos sem escrúpulos para, logo a seguir, ficarem entregues a um destino com destino certo no naufrágio dos botes em que são despejados nas águas do Mediterrâneo.
Ajudou a salvar da morte milhares de pessoas - 14 mil - que teriam engrossado os números incalculáveis da maior tragédia do século, que deveria envergonhar o mundo mas que, pelo se vai vendo, não incomoda sequer muita gente. Deixou a sua casa, a sua família e a sua vida para organizar para partir em ajuda de quem nada tem, e a quem tiraram tudo do pouco que alguma vez teve, num exemplo da mais nobre solidariedade que enaltece a condição humana. E agora é acusado de um crime, e em vias de uma condenação a 20 anos de prisão – note-se: 20 anos! -, por um governo italiano para quem os valores da dignidade humana não constituem apenas princípios descartáveis. Não contam, simplesmente…
Foi tardia, e nem sempre convincente, a reacção das entidades portuguesas, que mais pareceu vir a reboque da onda que foi crescendo na opinião pública, o único verdadeiro consolo que Miguel Duarte encontrou nestes dias, materializado em diversas iniciativas da cidadania, e particularmente na resposta pronta a uma operação de “crowdfunding” lançada para financiar a sua defesa.
Fraco consolo para quem deu tanto. Miguel Duarte merecia melhor. Porventura João Félix também - não mereceria certamente que a sua história se cruzasse com esta!
O governo português pronunciou-se finalmente - através do ministro dos negócios estrangeiros - sobre a situação do nosso compatriota Miguel Duarte, ontem aqui trazida. E manifestou-lhe todo o apoio diplomático, esperemos que lhe valha de alguma coisa... Do lado do Presidente Marcelo, o das palavras, é que nem uma ... Continua tudo na mesma.
Mas não é nem pela reacção do governo, nem pela falta de reacção do Presidente, que regresso ao tema ontem aqui trazido. É apenas para dar conta dos trogloditas que invadiram a caixa de comentários e que dão um bom exemplo do que por aí anda. Não é frequente este blogue ser atacado por esta carga de imbecilidade. À excepção dos textos sobre o Bolsonaro - aí é fatal, se falo desse especimen é certo que que "eles" aparecem - é raríssimo surgirem por aqui estes exércitos armados de ignorância até aos dentes, ao serviço do que de mais repugnante possa caber na cabeça de um ser humano.
Não os apaguei porque, por regra, não o faço. E porque, sendo mau que haja gente desta, não podemos ignorar que existem. Tenho é vergonha de vos convidar a dar lá uma espreitadela...
Um jovem português - Miguel Duarte - que integra uma ONG alemã (Jugend Rettet) e que há dois ou três anos se dedica a tentar salvar vidas no Mediterrâneo, foi acusado pelo governo italiano de Matteo Salvini (mesmo que o primeiro-ministro seja Giuseppe Conte) de auxílo à imigração ilegal, o que lhe poderá valer 20 anos de prisão.
Choca que haja gente como Matteo Salvini, que entenda que salvar da água pessoas que estão a morrer afogadas possa ser um crime. E logo tão condenável e tão grave que valha 20 anos de prisão. Mas na verdade já sabemos o que esperar dos Salvinis desta vida. Choca que não tenhamos ouvido ainda uma palavra do nosso primeiro-ministro, nem digo de apoio e garantias de defesa para este cidadão português - para que de resto já pediu ajuda, que está a correr por conta das habituais correntes de solidariedade - mas de um esboço de protesto que seja junto do governo italiano. E choca que o Presidente da República, que tem sempre palavras para tudo e sobre tudo, não tenha encontrado uma para este nosso jovem compatriota.
Hoje há eleições nos Estados Unidos. A meio do mandato, Trump quis fazer delas um plebiscito, como expressamente confirmou, e um trampolim para a reeleição. Para isso empenhou-se e comprometeu-se integralmente com a campanha, o que quer rigorosamente dizer que mentiu, manipulou e forjou como se não houvesse amanhã.
O reportório não é novo, nem traz sequer nada de novo: amedrontar os eleitores, incutir-lhes muito medo com a invasão do país por um gigantesco bando de sul-americanos criminosos, terroristas, traficantes de droga, violadores e assassinos, e avisar que só não ganhará se houver fraude eleitoral. Novo é que, agora, milhares de pessoas a fugir da miséria a que foram condenados por governantes corruptos que sucessivas administrações americanas plantaram e suportaram, engrossam uma caravana que atravessa o México em direcção a norte, à fronteira onde Trump colocou 15 mil soldados com ordem para matar.
Hoje os americanos vão dizer se a eleição de Trump, há dois anos, foi um acidente, ou se, fechando-se sobre si próprios, fecharam definitivamente a América ao mundo. É uma espécie de teste do algodão!
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