Não é que não houvesse razões que a justifiquem. Como Rui Rocha explicou, mesmo tendo subido na votação, o crescimento fora "poucochinho", não lhe tendo permitido atingir a importância política que desejava. E que lhe permitiria, não só influenciar, como entrar no governo, para o que estaria já tudo preparado. Era o timing!
Sei que seria mais bonito dizer, agora, que Rui Rocha se demitiu pelas razões que apresentou. Por assumir a responsabilidade pelo "poucochinho". Porque é um político diferente dos outros. Por elevação. Por desprendimento. Mas, se assim fosse, teria tomado essa decisão logo a seguir, em pleno rescaldo das eleições. E não o fez. Pelo contrário, quis imolar essa responsabilidade tirando da cartola o coelho da revisão constitucional.
Que correu mal. Só André Ventura - pudera! - lhe deu a mão.
Ao ficar sozinho, com André Ventura, com o coelho da revisão constitucional na mão, Rui Rocha somou uma derrota humilhante a uma derrota provavelmente honrosa. E foi essa derrota humilhante que o levou à demissão, não foi a outra. É por isso que o timing, que não batia certo, bate mesmo certo!
Em pleno refluxo gastroesofágico pelo balde de água fria que foram os resultados de domingo, com a azia da irrelevância, a Iniciativa Liberal resolveu vir falar de revisão constitucional. Para acabar com o Estado, diz Rui Rocha.
Não é surpresa nenhuma. A IL estava inchada, como a rã da fábula de La Fontaine. E, como ela, como a rã, explodiu. A diferença é que a IL quer que o país expluda com ela.
A Constituição não impede nada do que a IL diz defender, nem nada do que pretenderia implementar se fosse governo, ou mesmo se o pudesse influenciar. Impede, no entanto, muito do que o Chega defende e propagandeia. E muito do que certamente implementará se vier a ser governo, ou se o puder vir a influenciar.
A IL nunca propôs uma revisão constitucional quando ela poderia ser feita sem o Chega. Mas decidiu propô-la logo que o Chega se tornou decisivo para o processo. E logo à saída de Belém, logo que, na sequência das eleições, chegou a sua vez de ser ouvida pelo Presidente da República.
Quando se quiser saber de que lado está a Iniciativa Liberal é preciso ter isto em conta!
Hoje houve moção de censura ao governo apresentada pelo Chega, que António Costa agradeceu. Como, em Janeiro, o Chega tinha votado a do Iniciativa Liberal, igualmente bastante interessante para Costa, desta vez a IL retribuiu.
Amor, com amor se paga. Mesmo se se odeiam, como dizem.
André Ventura já gastou as cartas todas. Mas dá-as por bem empregadas. Só ajudou Costa e o seu partido, mas também é de lá que lhe tem chegado a maior ajuda.
O que se está a passar na IL é o que se passa em todos os partidos políticos - diria mesmo em todas as agremiações - quando atingem expressão de poder. Seja de que nível for, o poder divide. E divide-se.
Logo que os partidos passam a ter lugares para distribuir, entram em estado de conspiração. É sempre assim, mas é ainda mais assim com os liberais. Foi assim no PSD. E assim foi no CDS, quando os liberais tomaram as rédeas do partido. Volta a ser assim quando daí emigraram para criar a Iniciativa Liberal.
Enquanto foi um pequeno partido, sem expressão parlamentar, João Cotrim de Figueiredo conseguiu ser o mínimo denominador comum da Iniciativa Liberal. Logo que atingiu o respeitável número de oito deputados na Assembleia da República, deixou de ter condições para segurar o partido. E a ilusão de pouca dura que semeou pelas gerações mais novas.
A "Iniciativa Liberal" festejou o Santo António, em Lisboa. Contra tudo, e contra o parecer da Direcção Geral de Saúde, montou um arraial com tudo para assegurar a diversão na noite de Santo António. Nem uma barraquinha de setas faltou, para que os irrequietos e dinâmicos liberais pudessem fazer pontaria à testa da Catarina, do Jerónimo, do Costa e do Rio.
Bonito de se ver. Como bonito foi ver que a iniciativa dos da Iniciativa tinha por objectivo, para além de fazer buracos em cabeças de bonecos, ajudar os comerciantes. Nem que para isso lhes cobrassem 20% de "imposto". Para ajudar o partido. Para limpar lá haveria de chegar depois o pessoal da Câmara Municipal. É que de impostos nem querem ouvir falar...
Barraquinhas de tiros nos pés é que não fizeram falta!
Uma semana depois do deputado da Iniciativa Liberal a ter anunciado, o Supremo Tribunal Administrativo recusou a providência cautelar à nomeação de Máio Centeno para a governação do Banco de Portugal, dizendo o que só poderia dizer:
“Ainda que se pudesse censurar eticamente toda a situação de facto invocado pelo requerente, na realidade não deixa de estar em causa, perante a lei, um ato político, sem que esteja em causa a censurabilidade de qualquer questão de legalidade relativa ao mesmo". Obviamente!
Tão óbvio que deixa a iniciativa da Iniciativa ao nível da brincadeira. Para não dizer má-fé!
Há menos de dois meses, aqueles de nós que se preocupam com estas coisas, saudamos a chegada de novos partidos à Assembleia da República como manifestação de revitalização da nossa democracia. Como um acerta pedrada no charco partidário em que vivíamos.
Hoje, à excepção de uns quantos que não se cansam de garantir que só no primeiro mês o Chega teria duplicado a votação, e de outros tantos que festejam a notícia - e que não integrarão exactamente o grupo identificado como ponto de partida - o sentimento é bem diferente. Apenas dois meses depois começamos a perceber que, afinal, o que de novo trouxeram não é assim tão novo. E - pior - não estão a trazer nada que acrescente valor à nossa democracia. Antes pelo contrário.
O que temos visto destes novos partidos é que têm ocupado o centro do espaço mediático através do fait divers, e que, sem qualquer contributo para o saneamento do xadrez partidário, e com a introdução de ar tóxico em vez de puro e respirável, nos deixam a ideia que, como diz a cantiga, pra pior já basta(va) assim.
Entre o Livre, em autêntica emulação pública, e o Chega engolido pelo Ventura, entretido a lançar foguetes e a apanhar as canas, fica o (ou a?) Iniciativa Liberal, que começa com a demissão do líder e acaba a propor que nos recibos dos vencimentos passe a constar a contribuição da entidade patronal para a Segurança Social.
Se isto não parece brincadeira de crianças ...
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