Três agentes do SEF, nas instalações do aeroporto de Lisboa, espancaram até à morte um imigrante ucraniano, em Março do ano passado, num crime que, por omissão e conivência, envolveu ainda mais um conjunto de pessoas, entre seguranças privados e até um enfermeiro. Um dos participantes, orgulhoso do seu acto, disse que nesse dia já não precisava de ir ao ginásio...
A cadeia de comando, até ao próprio ministério, tentou abafar tudo.
Há dois anos, mas só hoje chegando ao conhecimento público, sete militares da GNR do posto de Vila Nova de Mil Fontes, Odemira, espancaram, violentaram e humilharam vários imigrantes. Orgulhosos dos seus actos, filmaram-nos e divulgaram-nos por grupos privados nas redes sociais. Esses filmes foram então, em 2019, parar às mãos da Polícia Judiciária quando, para investigar actos idênticos ocorridos no ano anterior, apreendeu os telemóveis a cinco militares da GNR daquele posto. Identificou aí os sete, três dos quais reincidentes por terem já praticado os mesmos actos em 2018.
A cadeia de comando, incluindo o IGAI, tentou abafar tudo. Conhecidos os factos através de uma estação de televisão, a GNR veio hoje informar que dos sete militares acusados, dois tinham sido suspensos, e os restantes cinco se encontravam a trabalhar normalmente, quando à reportagem da televisão tinha dito que todos se encontravam suspensos.
Os mais altos comandos das forças de segurança em questão, e os mais altos responsáveis do país - Presidente da República e Primeiro-Ministro - dizem-noa que isto não fazem delas instituições racistas. Como o caso dos militares na República Centro Africana também não atingem a instituição militar. Mas fazem, todos, deste, o país que é!
Os imigrantes que sofreram a brutalidade daqueles militares da GNR são os mesmos trabalhadores das estufas de Odemira, com que há meses o país se chocou.
Há poucos dias, um Relatório de peritos da ONU dava conta da "dimensão da brutalidade policial sobre afro-descendentes", num "país que nega o racismo e romantiza o passado colonialista", e denunciava formas de racismo, discriminação racial, xenofobia ou outras intolerâncias.
Ontem foram divulgados pelo INE os números provisórios dos Censos de 202. Em Portugal residem 10.344.802 pessoas. Nos últimos dez anos, desde o últimos Censo (2011), Portugal perdeu 2.1% da população. Foi a primeira vez, desde 1970, que o número de habitantes caiu.
A quebra foi resultado de um saldo natural negativo (diferença entre nascimentos e óbitos), que se traduziu numa perda de 250.066 pessoas. Os estrangeiros são agora 555.299, 5% da população. Mais 41% que há 10 anos. O número de estrangeiros a entrar em Portugal não foi suficiente para o compensar. Mas não é só isso. É a falta de mão de obra. É o envelhecimento da população. É a sustentabilidade da segurança social. É a assimetria demográfica. É "só" a viabilidade de um país!
Um país que tem nas suas instituições pessoas que tratam assim as pessoas que o podem viabilizar é, por si mesmo inviável. Seria bom que pensássemos nisto!
As democracias medem-se pela prática das liberdades e garantias dos cidadãos, pela forma como é legitimado e exercido o poder, pela forma como cuida do desenvolvimento da sociedade, etc ... etc... Mas mede-se acima de tudo pelas suas instituições, porque são essas que, na prática, dão expressão a tudo isso.
É de tal forma assim que, quando circunstancialmente, em qualquer parte do mundo, gera soluções governativas que a podem por em causa, os olhos da opinião pública se viram exactamente para aí. Para a qualidade e as garantias das instituições. Se essa qualidade é reconhecida surge alguma tranquilidade. Se, pelo contrário, as instituições não inspiram essa tranquilidade, teme-se o pior. Trump, nos Estados Unidos, e Bolsonaro, no Brasil são, apesar de tudo, dois bons exemplos disso mesmo.
Em Portugal, o regime democrático não tem sido particularmente cuidadoso com a qualidade das suas instituições. E essa falta de cuidado é porventura o perigo maior para a nossa democracia, e uma das principais causas do crescimento da radicalização da extrema direita, para que ontem alertava um relatório europeu.
Vem isto a propósito da forma como se escolhem em Portugal as pessoas para as instituições. Umas vezes para alimentar clientelas partidárias, outras para pagar favores, outras por simples distribuição tácticas de lugares e, outras ainda, sem que se perceba por quê. Ontem tivemos mais um triste exemplo disso mesmo, com a estória do novo presidente do Tribunal Constitucional (TC) que, francamente, não sei em qual das situações anteriores se enquadra.
Não é mais um fait divers, longe disso. Há 11 anos, aquando da aprovação do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, o novo presidente do TC, de seu nome João Caupers, escreveu uma série de alarvidades sobre a homossexualidade, os homossexuais e o suposto lobi gay onde, a par de uma inaceitável leviandade de abordagem, revelava um pensamento cavernoso, e uma enorme intolerância.
Dando por óbvio que uma pessoa que pensa dessa forma não pode presidir à instituição que tem por função velar pelo cumprimento de uma Constituição como a portuguesa, só posso aceitar que quem procedeu à sua nomeação não conhecia o seu perfil. Que não era assim tão difícil de descobrir. A comunicação social descobriu-o de imediato.
É mesmo desleixo. O mesmo desleixo de sempre, e que leva à destruição da confiança nas instituições. E, claro, na democracia como fórmula única de sã convivência em sociedade.
Bastaram 24 horas para se perceber que a onda de indignação que se levantou neste início de semana morreu na praia, numa densa espuma de hipocrisia. E que tudo vai continuar na mesma: televisões carregadas de cretinos, e dirigentes escudados em guardas pretorianas e armados de acéfalos pitbulls da comunicação, continuarão a espalhar ódio e violência, perante os Costas e os Marcelos desta vida apenas disponíveis para lamentar.
Circunscrever o que aconteceu no domingo em Guimarães a uma absoluta manifestação de racismo, e ignorar que é parte do todo que é o intolerável clima de ódio e violência instalado à volta do fenómeno do futebol em Portugal, como está a acontecer, é um acto de capitulação e a maior demonstração da hipocrisia instalada nas Instituições do país!
A notícia dá-a o Jornal de Notícias, e conta que o Laboratório da Universidade de Évora, chamado a efectuar um estudo para analisar a água depois de um derrame de fuelóleo no Porto de Sines, em Outubro de 2016, concluiu que não estava em causa a sua boa qualidade e que, por isso, não eram exigíveis quaisquer responsabilidades quer à Administração do Porto de Sines quer à empresa responsável pelo derrame.
Alguém - a notícia não esclarece quem - desconfiou dessa conclusão, e outro estudo posterior concluiu exactamente o contrário, e a empresa responsável pelo derrame foi acusada de crime ambiental.
Poderia tratar-se apenas de dois estudos diferentes chegarem a conclusões diferentes. Acontece... Mas não é isso, são dois estudos sobre a mesma coisa que chegam a conclusões opostas. Já não é assim tão comum... E a coisa muda de figura quando se passa a saber que o Laboratório de Ciências do Mar (CIEMAR) da Universidade de Évora é financiado pela Administração do Porto de Sines...
É por estas e por outras que as instituições se desacreditam. Notícias destas podem não ser notícia todos os dias, mas já é como se fossem. E quando se perde a confiança nas instituições perdem-se todas as referências da democracia!
A qualidade da democracia mede-se, como se mede a qualidade do ar. Ou da água. E não há melhor indicador para a medir que a confiança dos cidadãos nas instituições!
... Depois de uma primeira semana em rédea solta, o fim-de-semana começa a mostrar os primeiros travões a Trump. Não é só a rua, é o próprio sistema a reagir.