Enquanto destrói Gaza, de que já pouco resta, condenando os palestinianos que escapam à condição de cadáver ao regresso à idade da pedra, Israel vai abatendo em territórios estrangeiros tudo o que é líder dos movimentos terroristas, que criou e alimentou para acabar com todas as lideranças palestinianas moderadas, que em tempos lutaram pela criação do Estado Palestiniano, prometido e desenhado paralelamente com o de Israel.
O resultado só pode ser mais uma escalada na guerra, com grande probabilidade de se transformar na sempre anunciada III, de proporções inimagináveis. A espectacularidade que Israel sempre consegue através dos seus serviços secretos e das suas forças armadas - e como são exaltados os seus feitos pelos fazedores da opinião ocidental! - secundarizou a guerra na Ucrânia, com Putin a aproveitar para, longe da atenção mediática mundial, ir avançando na ocupação e destruição da pátria ucraniana.
Na Venezuela, Maduro reprime, mata e prende todos os que reclamam pela verdade dos resultados eleitorais, por pão, e por liberdade.
É este o estado do mundo à entrada de Agosto. Como poderá ser querido?
A União Europeia, o antigo "gigante económico e anão político", vem encolhendo a passos largos na última década. De "gigante económico", passou a um ser da estatura média. E, de anão político, passou a microscópico. E a velha, poderosa e grande Europa passou a irrelevante no actual xadrez mundial, como se viu na Ucrânia, e se vê no Médio Oriente.
Tão irrelevante que não dá sequer para se lhe ver o ridículo do paradoxo que são as posições políticas das suas duas mais importantes lideranças - a Presidente da Comissão Europeia, Von der Leyen, e o Alto Representante para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, a que antes se chamava Sr PESC, Josep Borrel - relativamente ao que está a acontecer em Israel e na Palestina.
A Srª Van der Leyen apressou-se a correr para Israel, sem nada que se visse que não a subserviência em forma de espiral irrelevância. O Sr Josep Borrel lembra que a Europa defende há 30 anos a solução de dois Estados, e que o“conflito obriga-nos a comprometermo-nos politicamente com a solução, para a tornar real”. Que a UE passou 30 anos “a dizer que esta é a solução, mas a fazer muito pouco ou nada” para a alcançar. E que os territórios ocupados por Israel “estão, de acordo com o direito internacional, tão ocupados como os territórios ucranianos invadidos pela Rússia”. Que o território ocupado por Israel “se multiplicou por quatro” enquanto o palestiniano “tem vindo a encolher e a dividir-se em áreas desconexas”.
A irrelevância é tanta que ainda ninguém se irritou com o irrelevante responsável pela política externa europeia. Depois de, por muito menos, Cosgrave ter sido atirado pela janela e afundado a Web Summit. E de Guterres ter sido enterrado vivo nos destroços da ONU.
O ataque de ontem ao Hospital Batista Al-Ahli, em Gaza, roubando de imediato a vida a cerca de quinhentas pessoas, é a perversão da guerra. É ultrapassar os limites da estupidez, da brutalidade e a hipocrisia na guerra.
Não é novidade que nas maiores monstruosidades da(s) guerra(s) as partes se acusem reciprocamente, como o fazem o governo de Netanyahu e os terroristas do Hamas. É assim há muito tempo, e é assim em todas as guerras. Vem nos manuais.
O que talvez seja novidade é a forma como a água e o azeite se misturam desta vez. Sabe-se que a verdade se comportará sempre como o azeite. Por mais que agitem a mistura, como parece que Biden ajudou hoje de fazer na sua visita a Israel.
Ésquilo, há milhares de anos, na antiga Grécia, também deu uma ajuda ao declarar a verdade como a primeira vítima da guerra.
O conflito Israel-Palestina entrou decisivamente na sua fase mais brutal e constitui, hoje, apesar da guerra na Ucrânia - entretanto já em segundo plano -, a maior ameaça para o Mundo.
Sobre o ataque terrorista do Hamas desencadeado há uma semana - completa-se precisamente amanhã - já aqui escrevi, condenando-o sem reservas. Mas relevando também a responsabilidade israelita, e particularmente a do tenebroso Netanyahu na formação do Hamas e do Hezbollah, com o objectivo central de aniquilar toda e qualquer contra-parte de diálogo (acabando com a laica e moderada OLP) e para um conflito que é um somatório de 78 anos de guerras, massacres e atentados ao Direito Internacional.
Todas as guerras tem as suas narrativas, e a sua História é sempre escrita pelos vencedores. Integra a narrativa actual que Israel é a única democracia daquela região, e o único regime em que é possível viver à luz dos valores civilizacionais de um mundo decente, como se isso bastasse para legitimar uma História de 78 anos de atropelos a grande parte desses valores.
Foi por deliberação da ONU que, em 1948, foi criado o Estado de Israel, ocupando praticamente 80% do território da Palestina, até aí ocupado praticamente apenas por palestinianos. 78 anos depois, contrariando todas as deliberações da Organização que o criou, todas as resoluções do Conselho de Segurança, o Estado de Israel ocupa 90% desse mesmo território, depois de ocupar com colonos ilegais a Cisjordânia, e reduzir a população palestiniana a 21%, fechada e cercada por um muro na faixa de Gaza, a que agora acaba de de cortar a água, a alimentação, a electricidade e a energia a mais de 2 milhões de civis. E ocupou totalmente Jerusalém, de que fez capital.
Onde está a legitimidade?
E a democracia?
É certo que que há eleições, tantas vezes quantas as necessárias para manter Netanyahu no poder, apesar de tão cercado de crimes e corrupção, como cercados estão os palestinianos na prisão de Gaza. É certo que é permitida (até quando?) voz aos poucos israelitas que se opõem aos crimes do Estado. É certo que Michael Sfard ainda não está preso. Mas não é menos certo que o aumento sucessivo da influência dos ortodoxos, e a liderança política de Netanyahu, hoje pouco distingue o fanatismo religioso do poder israelita do dos radicais islâmicos.
Como pouco distingue a "democracia" de Netanyahu e a do seu aliado Putin!
O dia 7 de Outubro de 2023 constituir-se-á certamente como uma data Histórica. Na História "já escrita" do século XXI só terá paralelo no 11 de Setembro, de 2001.
O ataque do Hamas a Israel, numa das datas mais importantes para Israel - dia do 50º aniversário da guerra do Yom Kippur, dia do Shabbat e do feriado religioso mais importante do país - o maior, e mais mortal, de sempre por parte dos palestinianos, surpreendeu o mundo. Mas na realidade não tem muito de surpreendente.
Bem mais surpreendente que o ataque - "um ataque terrorista comandado e planeado como uma operação militar", como bem o descreve a Clara Ferreira Alves, no Expresso - é que os hiper-qualificados e insuperáveis serviços secretos israelitas tenham sido apanhados de surpresa. Isso, sim, é verdadeiramente surpreendente. E, já agora, isso sim, é que pode verdadeiramente correr mal a Netanyahu.
Tudo o resto, incluindo a dimensão da brutalidade terrorista que vimos nas imagens que correm mundo - e, também já agora, que não devem ser muito diferentes das que não vimos no passado, nem veremos, da parte de Israel - era, não só previsível, como o desfecho lógico do que Netanyahu vem fazendo há muitos anos.
O Hamas é uma criação de Netanyahu. É o "monstro" - como diz o Daniel Oliveira - que criou para acabar com as forças palestinianas moderadas e empenhadas durante décadas na negociação da paz e da convivência entre israelitas e palestinianos. Para minar por dentro a nação palestina, e acabar de vez com a sua aspiração ao legítimo direito a ter um Estado.
Primeiro, Netanyahu criou o Hamas. Depois avançou pelo território palestino dentro, até confinar mais de dois milhões de pessoas numa pequena e isolada faixa de com pouco mais de 300 quilómetros quadrados, fechada a arame farpado e electrificado, entregue aos terroristas do Hamas e do Hezbollah que formou e financiou a partir do Líbano.
Não é a primeira vez que acontece na História. Nem será a última. O "monstro" talibã instalado no Afeganistão é apenas um dos últimos exemplos...
Mas o mundo está entregue a quem não quer saber nada de História!
Para Trump tudo serve para desviar a atenção do julgamento do impeachement em curso no Senado, onde, ao contrário de todas as expectativas, as coisas não estão a correr nada bem. Os "republicanos" dispunham de maioria para tudo, inclusivamente para impedir novos e decisivos testemunhos, como o de John Bolton... Só que já há alguns senadores republicanos a achar que ele tem coisas importantes para dizer...
Agora tirou da cartola, e chamou "acordo do século", a um programa sem pés nem cabeça para a paz entre Israel e a Palestina, de uma incompetência em toda a linha. Defende a criação do Estado palestiniano, mas sem mexer nos territórios ocupados... E propõe a capital da Palestina para Jerusalém leste - onde "os Estados Unidos da América abrirão orgulhosamente a sua embaixada" - ao mesmo tempo que reafirma uma Jerusalém una e indivisível. Para onde Trump transferiu a embaixada há dois ou três meses...
Hoje há eleições em Israel, uma democracia que ... tem dias. E de que nunca se espera mais que eleições, de quatro em quatro anos. De que nunca se espera grande coisa...
Hoje voltará a ser assim. Os israelitas voltarão a votar, mas da sua votação não pode resultar nada de novo. Limitar-se-ão simplesmente a escolher entre assegurar o quinto mandato a Benjamin Netanyahu, apoiado externamente por Bosonaro e Trump, mas também por Putin e, internamente, pela extrema-direita ultra-ortodoxa, com promessas de anexar territórios da Cisjordânia; ou eleger Benny Gantz, um general de extrema-direita que por falta de espaço tenta passar por moderado, enquanto se vai gabando do número de palestinianos que matou na Faixa de Gaza.
Muito provavelmente a única diferença é que, um, ao fim de quatro mandatos, já está acusado de corrupção. O outro, ainda não!
Sabe-se que Netanyahu massacra a Faixa de Gaza apenas por duas razões: por tudo, e por nada. Desta vez bastou-lhe que Trump reconhecesse, contra o consenso internacional há muito estabelecido, a soberania israelita sobre os Montes Golã. E a campanha eleitoral em curso em Israel, onde as coisas lhe não estão a correr de feição.
Enquanto os clãs Trump e Netanyhau, de costas voltadas para todo o mundo, celebravam o selo americano que carimba Jerusalém como "capital una e indivisível do Estado de Israel", ali ao lado, à frente do mundo todo, o exército israelita respondia com snipers e bombas às fisgas e às pedras dos palestianos em protesto, matando e ferindo a eito. Perto de 60 mortos e mais de 1200 feridos!
Ao contrário da cena bíblica, aqui o Golias ganha sempre. Ao David só resta a agonia e o sofrimento...
Portou-se bem a diplomacia europeia. E a portuguesa. Já o mesmo se não pode exactamente dizer da comunicação social, onde se ouviram coisas inacreditáveis. Na TVI 24, no jornal da meia-noite, uma peça referia-se mesmo a "confrontos" entre "terorristas palestinianos" e o exército israelita...
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