João Galamba demitiu-se, finalmente: "...para assegurar à minha família a tranquilidade e discrição a que inequivocamente têm direito”, justificou. Ou para não ser demitido amanhã, como estava mais que anunciado?
Parece-me mais isso. Mas isso é defeito meu, que por feitio nunca acredito em nada do que Galamba diga. O que não quer dizer que não me incomode a perseguição e as esperas que lhe têm feito à porta de casa.
Incomoda-me. Como me incomoda tanta coisa que está a acontecer por aí. Como me incomoda que se prendam pessoas para serem interrogadas. E que sejam libertadas depois. É tudo ao contrário. Normal seria, se fosse caso disso, que as pessoas fossem presas depois de interrogadas. Como me incomoda que, uma semana depois, se continue sem saber o que é que a Procuradora Geral da República foi fazer a Belém. Como me incomoda que um primeiro-ministro "fale ao país" para falar à Justiça. Que o Ministério Público troque nomes na transcrição de escutas. Ou que invoque portarias que nada têm a ver com o que evoca.
Há já algumas semanas recebi a informação que estava em curso uma operação de investigação a membros do governo e ao próprio primeiro-ministro. Foi-me apresentada como uma bomba que estaria prestes a rebentar. E não era para menos.
A minha "fonte" era, para mim, de credibilidade máxima. O facto dessa informação permanecer durante semanas fora do circuito mediático, e mesmo do "boateiro", acrescentava-lhe, do meu ponto de vista, ainda mais credibilidade.
Por isso, as notícias das buscas e das detenções de hoje não me apanharam de surpresa. A surpresa foi que esta era a velha investigação do processo do lítio e do hidrogénio de Sines, que já vinha de 2019 e que tinha João Galamba, entretanto já constituído arguido, como figura principal. E que tinha sido há cerca de dois anos objecto de fugas de informação que, se tinham por fim atrasá-lo ou "meter alguma areia na engrenagem", foram bem sucedidas.
O primeiro-ministro, António Costa, que vai ser investigado, num processo autónomo, pelo Supremo Tribunal de Justiça, surge por envolvido por três vias: em primeiro lugar porque é o seu próprio gabinete a ser objecto de buscas, o que é inédito na democracia portuguesa; em segundo porque entre os detidos constam o seu chefe de gabinete, e o seu amigo, e provavelmente o mais influente do seu mais mais próximo círculo pessoal, Diogo Lacerda Lopes; em terceiro lugar porque o seu nome é evocado no processo como pessoalmente "desbloqueador" de actos alegadamente criminosos.
Se criminalmente isto é ainda, e apenas o início, do que será certamente um processo longo, como todos os desta natureza, politicamente não. E só não será o imediato fim político de António Costa porque se lhe reconhece uma resiliência absolutamente ímpar na política portuguesa. Circunstância que, desta vez, não lhe deve ir valer de muito porque, no centro de tudo isto, está João Galamba, a espinha que ele próprio encravou na garganta de Marcelo. Em que ainda há dias voltou a remexer, ao ecolhê-lo para encerrar o debate parlamentar do Orçamento.
Para já, hoje já foi chamado duas vezes a Belém. Diz-se que vai prestar esclarecimentos daqui a cerca de uma hora. Nessa intervenção se verá se está apenas ferido. Ou se mortalmente atingido!
Não nutro qualquer simpatia, antes pelo contrário, pela personagem João Galamba. É coisa que já vem de longe, dos tempos malditos de Sócrates, de quem, a par do actual Presidente da Assembleia da República, e do eurodeputado Pedro Silva Pereira, foi um dos principais escudeiros e, para mim, todos para sempre cúmplices.
Desses tempos guardei uma imagem de arrogância, de manipulação, e de desfaçatez. Neste tempo actual sugere-me pena. Dó. Que não é lisonjeiro.
Sobreviveu à primeira imagem, não sobreviverá a esta segunda.
Foram as mesmas arrogância, manipulação, e desfaçatez que o enfiaram no buraco onde está metido. São no entanto outros traços de carácter que não lhe permitem de lá sair, acabando na triste e penosa figura de marioneta no jogo de sombras que Marcelo e Costa resolveram disputar.
Marcelo decidiu desde cedo iniciar o "jogo" a brincar com o cutelo da dissolução. A folhas tantas trocou a dissolução pela remodelação. E surge João Galamba, que Costa lhe dava de barato, mas que não lhe bastava. Era demais, Costa "não se ficou" e fez de Galamba ... marioneta. Aceitou, provavelmente por excesso de vaidade e escassez de dignidade e lucidez, e hoje dá pena. Mete dó!
Prestou-se a tudo. Até a ser exibido nas comemorações do 10 de Junho onde a marioneta se fez de bombo da festa.
Sairá inevitavelmente na inevitável remodelação que, em vez de solução para o problema da governação, e do país, é apenas mais uma parte do jogo em que Costa e Marcelo continuam entretidos. Sem honra nem glória. Nem sequer compaixão. Como "ramo morto" caído da árvore e desaparecido no meio dos despojos.
Se, há dois dias, o primeiro-ministro, António Costa, surpreendeu, hoje, na resposta, o Presidente Marcelo, não!
Fez, e disse, tudo o que, dois dias depois, se esperava que dissesse. No fim, tudo baralhado e resumido, disse que, pela sua parte, irá fazer tudo o que puder para fazer o que, em vão - e irresponsavelmente, há que dizê-lo - anda a ameaçar há muito. E que espera que a CPI à TAP faça o resto.
Se António Costa o tinha empurrado para a dissolução do Parlamento - se é para dissolver, o melhor é que seja já -, a resposta de Marcelo - embaraçada, evidentemente, porque foi apanhado no bluf - é que não. Não é já, é quando eu quiser, e puder!
Se António Costa foi "jogador político", Marcelo, como não se podia deixar de esperar, não foi menos. De jogadores de política está o país bem servido. De políticos é que não!
Da mesma forma que, no fim da sua comunicação ao país de terça-feira, António Costa deixou "o dito" mostra, hoje, Marcelo não deixou menos à vista. A habilidade política do presidente acabou por ser a "exoneração", de facto, do ministro João Galamba. Que não lhe tinha servido, que não tinha considerado suficiente - e bem -, na terça-feira.
A "jogada" de Marcelo foi "demitir" o ministro que, na "jogada" anterior, António Costa se "recusara" demitir. E "ganharam" ambos: Costa porque porque o obrigou a meter a fanfarronice da remodelação no bolso; e Marcelo porque "demitiu" - João Galamba não é mais ministro, será, no limite, um "zombie" no governo por mais uns dias - o ministro que queria que fosse demitido. Pelo meio, um falou de dever e consciência; o outro de responsabilidade, e de credibilidade.
É inacreditável, mas é assim a política em Portugal. Que, por isso, é assim. E não passa disso!
"Obviamente demito-o" - a frase com que Humberto Delgado prometia demitir Salazar se ganhasse as presidenciais de 1958, é uma das mais célebres da política portuguesa.
Obviamente demito-o - era a frase que toda a gente esperava ter ouvido hoje a António Costa, relativamente ao ministro João Galamba. Toda a gente, e mais ainda, depois das suas declarações de ontem, à chegada a Lisboa, e à saída do aeroporto.
Durante toda a manhã ambos - e não só - discutiram o assunto. João Galamba saiu de S. Bento, a meio da manhã, sem gravata, indumentária que lhe "sustentava" a posição de ministro. Tendo entrado com gravata, e saindo sem ela, "a leitura" era que João Galamba ... já era...
Ao início da noite João Galamba apresentou o pedido de demissão. Estranhou-se que fosse tão tarde. Só uma agenda o poderia ter determinado e, essa, teria que ser a da reunião de Belém, ao fim da tarde.
Surpreendentemente, poucos minutos depois, o primeiro-ministro anuncia ao país que não tinha aceitado o pedido de demissão do ministro das infra-estruturas. Estava ainda a comunicar ao país a sua surpreendente decisão quando a Presidência da República emitia um comunicado, informando que discordava dela.
Obviamente demito-o - é o que o Presidente diz nas entrelinhas do comunicado. Obviamente, António Costa não lhe deixa alternativa.
António Costa, como qualquer observador minimamente atento, sabia que Marcelo exigia que esta oportunidade fosse aproveitada para uma remodelação do governo. Que não se contentaria com a simples substituição de Galamba que, já o tinha dito, não poderia continuar no executivo. O primeiro-ministro, mesmo que quisesse - e admito até que quisesse - não tem condições para a fazer. Ou, pelo menos, para fazer uma remodelação credível e verdadeiramente renovadora. E por isso levou a Belém apenas "a cabeça" de Galamba, retirando-a logo que pôde confirmar que, para Marcelo, não chegava.
Quem ouviu a comunicação de António Costa, sem mais dados, terá ficado surpreendido pela atitude política. Via-lhe coragem. Desafiava o Presidente da República, perante o permanente cenário de dissolução que vinha alimentando. Se é para dissolver, então dissolva agora, e não quando mais lhe der jeito. Por outro lado, deixava uma mensagem exactamente contrária àquela que tem sido dada - a do passa culpas. A da culpa passar sempre para segundas figuras, deixando cair toda a gente para salvar a pele que mais importe salvar, sem sombra de solidariedade. Costa assumia toda a responsabilidade, e todo o risco. Entre "a espada e a parede", António Costa enfrentou a espada.
Isto, em política, rende!
Na realidade, Costa não surpreendeu. Não foi corajoso, não teve sentido de Estado. Foi, tão só, político. E, para isso, habilidade não lhe falta. O Galamba que, "corajosamente" e obrigado pelo "dever de consciência", segurou lá bem alto, é o mesmo da cabeça que ele levara a Belém. Por isso, e só por isso, o Galamba demitido a meio da manhã, acabou a pedir a demissão ao fim da tarde.
A batata quente está agora a queimar as mãos do Presidente Marcelo. Só que, antes das dele, estão as de todo um país. Escaldadas!
Esta afirmação, que há mais de um século é utilizada pelo mundo fora, e nos mais diversos palcos, atribuída a Abraham Lincoln, 16º Presidente dos Estados Unidos - entre 1861 e 1865, quando foi assassinado, fez há poucos dias 168 anos -, foi recentemente desmentida pelos "fact check" da actualidade.
Dizem que não há prova que alguma vez tenha sido proferida pelo mítico presidente americano, mas será sempre mais uma, das muitas que lhe são atribuídas como legado, e que eventualmente não tenham ainda passado por este crivo dos polígrafos, que a contemporaneidade das redes sociais vem impondo à comunicação.
Com ou sem a "marca registada" de Lincoln, fez carreira e ganhou vida. E veio-me à memória propósito dos últimos e escaldantes episódios da já eternizada rábula da TAP, agora com João Galamba no papel principal de "enterrar" o governo ainda mais fundo.
Se já se conhecia do que era João Galamba capaz, apenas com o poder do Sócrates, por que raio terá António Costa decidido dar-lhe poder em nome próprio?
"Estava mesmo a pedi-las". Agora aguente-se ... cada vez mais enchafurdado.
Foi na "prata da casa" que António Costa encontrou a solução para substituir Pedro Nuno Santos no Ministério das Infraestruturas e da Habitação. Dividiu o ministério em dois e entregou o das Infraestruturas a João Galamba, até aqui Secretário de Estado da Energia. O da Habitação não foi mais que passar de Secretaria de Estado a Ministério, passando Marina Sola Gonçalves, a Secretária de Estado, a Ministra.
Quando, por tudo o que têm sido estes ainda tão curtos meses de governação, em permanente convulsão, e os mais evidentes sinais dos pecados capitais que o Presidente, ainda ontem, na sua mensagem de Ano Novo, identificou - “erros de orgânica, descoordenação, fragmentação interna, inação, falta de transparência e descolagem da realidade” -, e sem pressão de tempo, pelo contrário, com o Presidente ausente do país, tinha até mais tempo para aproveitar esta oportunidade para proceder a uma remodelação que pudesse inverter o que tem sido uma governação desastrada, António Costa apenas dá mais um sinal de esgotamento.
Mais que confirmar que já não só não tem capacidade de recrutamento na sociedade civil, mostrou que o seu campo de recrutamento se restringe já, e apenas, ao próprio governo. Se António Costa não estivesse acossado, fechado no seu círculo de fidelidades, e "descolado da realidade", teria ele próprio apresentado a demissão ao Presidente da República. Não para criar uma crise política, mas para criar a oportunidade para constituir um governo novo, capaz de assegurar um rumo novo à governação.
Mas, se não consegue recrutar fora do governo sequer um ministro, como poderia encontrar uma dúzia de ministros novos para um governo novo?
E, já agora, será que o primeiro ministro acredita mesmo que não há nada para explicar sobre Fernando Medina? Que acredita que ele tem condições para continuar Ministro das Finanças? E que acredita que ele vai ser deixado em paz?
Diria que não. Que apenas acredita que consegue sempre virar a página sem virar de página.
Fica hoje concluída a remodelação do governo, com a tomada de posse de quinze secretários de Estado. Entre eles, João Galamba, a estrela da companhia, com a pasta da energia. Mesmo quando a companhia inclui Raquel Duarte Bessa, na Saúde, que recentemente se demitiu do Hospital de Gaia, em protesto contra a falta de condições no SNS. Ou João Correia Neves, na Economia, que foi chefe de gabinete de Manuel Pinho, quando este por lá passou em part-time, no governo de Sócrates, dividido entre o ministério, a EDP e Ricardo Salgado, como agora se sabe.
Vir-lhe-á o estrelato da pasta da energia?
Provavelmente, não. Estrela rima com energia, como se sabe, ou não fossem justamente as estrelas as mais poderosas fontes de energia. Mas, em Portugal, energia quer simplesmente dizer EDP, China Tree Gorges e, agora também, Paul Singer, especulador americano da Elliott Management Corporation, acabado de chegar e de se tornar no 2º patrão da energia em Portugal... E rendas e cmecs...
E tanto quanto se sabe, Galamba não percebe muito disso.
Arriscaria que a sua fama vem de trás. E que, se calhar, tem a ver com a sua exposição na máquina da propaganda de Sócrates, circunstância que depressa o transformou num belo exemplar daquilo a que alguns gostam de chamar tralha socialista. Que depois reforçou quando o renegou que nem Pedro, e sem que o galo cantasse.
Ainda vai a ministro. E não faltará muito!
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