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Quinta Emenda

Tenho o direito de ficar calado. Mas não fico!

Quinta Emenda

Tenho o direito de ficar calado. Mas não fico!

Convidada: Joana Louro

Foto de Joana Louro.

 

  

Estou de greve porque sou e serei sempre uma apaixonada pela minha profissão! E amor, paixão só rima com RESPEITO. E respeito é coisa que não se tem visto...

Estou de greve pelos Doentes! Que merecem uma medicina de excelência! Uma excelência que os sucessivos governos têm estado a destruir!

Estou de greve pelo meu hospital e pela minha cidade! Que merece um hospital de qualidade e profissionais motivados e com condições para fazer o seu trabalho

Estou de greve pelo meu país! Que construiu um SNS digno, justo, inigualável, e de reconhecimento internacional! Um SNS que está agora a ser vítima de um cruel homicídio!

Estou de greve pelas minhas FILHAS! Que têm direito a ter uma mãe... que é médica... e que trabalha no limite do risco... no limite do cansaço... no limite do abismo... onde o “erro” acontece...por condições que ultrapassam a dignidade humana e profissional! E essa mãe no final do dia... chega a casa...

Estou de greve pelas minhas FILHAS... que têm direito a cuidados de saúde no SNS!

Estou de greve pelos meus pais... pela minha avó!! Que espero que nunca sejam doentes, mas que seguramente um dia serão...

Estou de greve pelas minhas INTERNAS... que um dia serão especialistas... brilhantes especialistas... e que quero que continuem neste país, nesta cidade e neste hospital... e que um dia orientem os seus internos com o mesmo encanto e determinação que eu tento fazer... perpetuando um ciclo que faz da medicina uma profissão única de entrega e dedicação!

Estou de greve pelos meus professores, orientadores... que não mereciam assistir a esta degradação...

Estou de greve por todos os colegas... e pela nossa saúde... que todos os dias dão tudo o que podem pelos seus doentes... e que fazem diariamente tanto... com tão pouco! São o exemplo vivo que sim! Fazemos omeletes sem ovos!!

Estou de greve pelas horas que os doentes esperam numa sala de estar de urgência! Porque recuso-me a ser conivente com o trabalho médico não qualificado! E com a contratualização através de empresas, num arraste cíclico preverso.

Estou de greve porque estudei e continuo a estudar muito, com dedicação, entrega, paixão... E aprendi que o esforço e o trabalho devem ser reconhecidos!

Estou de greve porque SER MÉDICO não é uma profissão, é uma forma de ser e de estar! Mas não é uma escravatura...

Estou de greve porque estou farta de mentiras! Farta de desrespeito! Farta deste ministro e do que está a fazer ao SNS... e já agora farta deste jornalismo falso, manipulado e manipulador.

E também estou de greve porque o meu ordenado é uma miséria!! E não tenho pudor em afirmá-lo! Bem longe dos valores que querem passar para a opinião pública... bem longe MESMO!

Estou de greve porque sou médica de alma e coração... e às vezes já me falta a alma e o coração. E sim também me apetece bater com a porta e partir para o sector privado. Mas não vou porque ACREDITO NO SNS.

Estou de greve por MIM. Porque sou médica, mãe, filha, utente e cidadã!

ESTOU DE GREVE PELO MEU/NOSSO SNS

ESTOU DE GREVE PELA QUALIDADE DOS CUIDADOS DE SAÚDE!

ESTOU DE GREVE PORQUE ACREDITO!

ESTOU DE GREVE PORQUE TENHO DE ACREDITAR E SONHAR COM O RENASCER DO SNS...

... “E Sempre que um homem sonha... o mundo pula e avança...”

PARABÉNS!

Por Eduardo Louro

                                                                      

Utilizam-se os parabéns para felicitar alguém por um feito. E um feito é um feito, é obra…Dão-se os parabéns, em português de Portugal. Parabeniza-se, no do Brasil!

Em Portugal dão-se também os parabéns pelo aniversário, enquanto a universalidade anglófona se fica pela manifestação de um voto de feliz aniversário: happy birthday! Reserva os parabéns – congratulations – para outros feitos… Fazer anos não é, apara eles, um feito!

Para nós, ao contrário, fazer anos, cumprir mais um ano de vida, é um feito. E, bem vistas as coisa, é-o!

É mais um ano de vida ganho e, nessa medida, dar os parabéns pelo aniversário é celebrar a vida. Todas as vidas, as vidas de toda agente, mesmo daquelas que poucos motivos de celebração têm para dar. Celebra-se mesmo quando a vida está difícil, quando o que está para trás foi duro e o que se adivinha para a frente não promete sorrir. Mas celebra-se e festeja-se porque afinal estamos vivos, e a vida é para isso mesmo. Para celebrar todos os dias, em todos os momentos…

A anglofonia limita-se ao tal voto de um dia feliz, e deixa de lado a vida. Celebra esse dia, não a vida, e até o cântico protocolar se limita a isso. Anda à volta desse voto de dia feliz e, por mais entoações que lhe aplique, não sai dali: happy birthday to youhappy birthday to you… happy birthday to you… Nós não. Nós celebramos o dia – hoje é dia de festa – mas acrescentamos-lhe alma, as nossas almas que cantam, e votos de felicidades para toda a vida, que desejamos longa. E não apenas para aquele dia!

Tudo isto apenas para, hoje, dar os parabéns à minha filha Joana, que cumpre já a madura idade de 33 anos. Os nossos parabéns – e não apenas happy birthday to you - com um dia feliz e de festa, em que cantam as nossas almas a uma vida que se quer longa e feliz. Um leãozinho – gosto muito de você leãozinho (parabéns também a Caetano Veloso, que faz hoje anos - 70 - vejam bem!) - que nasceu águia. Graças a Deus!

A PRIMEIRA VEZ

Convidada: Joana Louro *

 

Desde que a minha filha nasceu, sentei-me hoje pela primeira vez ao computador para escrever um texto para esta minha página... E aqui sentada, sem a angústia da página em banco mas tentando organizar as ideias, apercebo-me que ainda não tinha tido tempo para pensar, reflectir e digerir tudo o que me aconteceu nestes últimos meses. Entre mudar fraldas, dar de mamar, pôr a bolçar, vestir, despir, preparar banhos, consolar, dar miminhos, em ciclos que se repetem sucessivamente ao longo do dia e dos dias, sempre cheios que nem um ovo, não sobra tempo para mais nada... Nem sequer tempo para pensar e reflectir sobre este turbilhão de sentimentos e emoções, inéditos e arrasadores, que me enchem a alma, me aquecem o espírito e me preenchem a mente.

Ou talvez me engane. Talvez não seja de tempo que esteja a falar - temos muitas vezes a tendência de confundir tempo com disponibilidade, relativizando-o, como se ter tempo deixasse de ser ter tempo para ser tão só aquilo que fazemos come ele – tempo eu até seria capaz de ter. Na realidade, acho que sobra tempo para mais, muito mais...

Só que nada mais importa, nada mais é tão importante que mereça roubar o tempo que lhe não pertence. O protagonismo é único deste pequeno Ser que, tão pequeno, ocupa todo o Espaço e todo o Tempo: nada é tão grande no mundo nem nada é tão importante na vida. Nada é mais importante que assistir a cada momento seu, a cada conquista, a cada sorriso, a cada olhar. Nada é mais importante que viver este processo de crescimento e de descoberta. Onde o tempo aparece agora no esplendor da relatividade, numa outra dimensão, que parece ter ganho uma nova velocidade, assustadoramente rápida... Onde a Natureza se impôs na magnitude da sua beleza e perfeição...

Desde que a minha filha nasceu que tenho a estranha e a permanente sensação de primeira vez... Sinto que estou a fazer pela primeira vez coisas que já fiz um milhão de vezes. Os mais banais momentos ou as mais triviais situações parecem inéditos. E que pela primeira vez encontro novas soluções para antigos problemas. Afinal tudo mudou. A minha vida mudou... O meu mundo mudou... Eu mudei! Sem qualquer processo de aprendizagem ou de estudo intensivo, a maternidade presenteou-me, natural e instintivamente, com uma nova percepção do mundo e uma nova abordagem da vida. Francamente melhor, seguramente!

Poderia continuar a teclar durante horas, na tentativa de descrever momentos e de traduzir por palavras o que já extravasa do coração... Ou simplesmente a divagar, pelo simples prazer da divagação. Mas o meu tempo tem agora um novo relógio! Aí está o primeiro gemido - que antecipa outro e outro, logo seguido de um choro tímido que rapidamente ganha vigor, para se tornar na emergências das emergências - a interromper-me este momento e trazer-me de volta o verdadeiro prazer da realidade.

Feliz Natal!! Também este o Primeiro!!

 

 

* Publicado no Jornal de Leiria

VEM AÍ!

Por Joana Louro *

 

Há momentos na nossa vida em que tudo parece ficar suspenso…

Sabemos que o mundo lá fora pula e avança, mesmo quando o homem perde a capacidade de sonhar, mas isso pouco importa. Sabemos que existe política e actualidade, e o orçamento da nossa desgraça para aprovar. Sabemos das medidas de austeridade e dos cortes porque há uma Troika que nos impõe padrões e limites e que nos confisca a liberdade e a autonomia que desbaratamos. Que existe uma União que se chama Europeia que falhou brutalmente, falhou o conceito e destruiu o sonho de gerações unidas pelos ideais da democracia, da liberdade, da paz, do desenvolvimento e do bem-estar para todos. Sabemos tudo isto, e tudo isto pouco importa…

Sabemos que existe futebol, e Benfica, e até uma Selecção Nacional que não encanta e não garante o apuramento. Um Sistema Nacional de Saúde que foi sendo destruído e está à beira da extinção. Sabemos que as agressões ambientais deste mundo dito civilizado terão consequências dramáticas num futuro bem próximo. Que as catástrofes ambientais ocorrem a cada instante e que o Planeta Terra está beira do colapso da sustentabilidade…

Preocupamo-nos com tudo isto e, no entanto, há momentos em que tudo isto pouco importa. Porque há momentos na nossa vida em que tudo parece ficar suspenso… Em que tudo o que tínhamos por importante parece deixar de o ser… Em que tudo se relativiza, tudo ganha diferentes proporções… Em que as prioridades se invertem e a nossa vida fica virada do avesso. A chegada de um filho é seguramente um desses momentos!

Tudo muda e nós mudamos. Durante 9 meses assisti às transformações do meu corpo que gerava dentro dele uma filha, que sem sequer conhecer já amava incondicionalmente. Assisti ao seu crescimento e ao entusiasmo de cada ecografia. Aos primeiros discretos movimentos. E aos grandes pontapés, como quando parecia partilhar comigo o prazer de um proibido crepe de chocolate. Vivi esta gravidez com a alegria de uma criança... ou de uma mãe que gera uma criança. Entre dois mundos: um, lá fora que, imperturbável, continuava a sua dinâmica sempre em paralelo com este, feito de um turbilhão de novas sensações. Nunca chocaram, nem um anulou o outro. Seguiram lado a lado. Durante estes 9 meses trabalhei normalmente, conclui um mestrado, vivi uma vida normal, sem que a forma de ver ou pensar o mundo se tivesse alterado substancialmente.

 No entanto, a poucos dias do seu nascimento tudo mudou. Há mesmo momentos da nossa vida em que tudo parece ficar suspenso: não há notícia que me importe, não há jornal que prenda a minha atenção, não há assunto médico que me apeteça estudar… É impressionante como tudo muda, toda a minha atenção está focada na sua chegada, nas fraldas que vou mudar, nas roupinhas que vai vestir, nos beijos que lhe quero dar, no rosto que vai ter, na maneira como irá crescer…

Não posso negar que gostaria que fosse um Mundo melhor a receber a minha filha, dentro de dias. Mas não é! Resta-me o conforto de pensar que, pela minha parte, tenho tentado dar sempre o meu pequeníssimo contributo para fazer deste Mundo um sitio um pouco melhor… E a certeza que Ela o tornará um sítio muito melhor!

 

* Publicado hoje no Jornal de Leiria

24 HORAS

Por Joana Louro *

 

Acabei de cumprir mais uma urgência de 24 horas! Há umas 24 horas mais longas que outras... Este foi um daqueles bancos de 24 horas, mas das longas! Depois de “passar o banco” à equipa médica que entrava fresquinha para uma outra maratona de 24 horas, aquela sensação de sempre, que se repete após cada passagem de testemunho: do dever cumprido que tranquiliza o espírito e que tem o estranho poder de transformar um cansaço imenso numa agradável sensação de bem-estar.

Sempre gostei de fazer urgência. Pelo desafio clínico único, diagnóstico e terapêutico e, naturalmente, pelo imediatismo dos resultados, bem distinto do de outras áreas da medicina, como o internamento ou a consulta. Na urgência pensa-se, decide-se e intervém-se rapidamente. E este conjunto de acções rápidas, e idealmente eficazes, pode salvar vidas. O que transforma o trabalho em urgência em algo particularmente apaixonante.

Mas as urgências dos hospitais têm mudado muitas... mudanças que têm destruído muito do desafio médico de outros tempos. Vamos, eu e muitos colegas, tentando encontrar fórmulas que possam contrariar algum desencanto e ajudar a descobrir novos desafios.

Os Serviços de Urgência (SU) dos hospitais são uma porta aberta 24 horas por dia, sete dias por semana. Sem barreiras, onde não se recusa qualquer entrada e a que todas as pessoas têm acesso. Cidadãos legais ou não, gente com queixas clínicas ou não, com situações urgentes ou não. Que outro local apresenta estas características? Nenhum! Estas particularidades têm tornado, por este pais fora, os SU na única solução para muitos problemas de muitas pessoas, esquecendo, ignorando ou mesmo desprezando que o uso negligente e abusivo deste recurso enfraquece a qualidade dos cuidados de saúde e prejudica quem está realmente doente!

Neste meu último banco recebi doentes que foram enviados numa ambulância para o hospital com uma queixa inventada. Após inúmeras tentativas de contacto, os familiares lá deixam escapar que, afinal, não existia nenhuma situação clínica. Simplesmente não querem o doente em casa! Outros acumulam dezenas de passagens pela urgência sem qualquer episódio agudo, apenas porque aquela é a única porta aberta que nunca lhe recusa o atendimento. E atenção! A única saída que encontraram para combater o abandono e a solidão, o único local onde sabem ir encontrar pessoas que lhes falem. Ou que apenas as ouvem!

E tantos outros que ali vão deixar o último suspiro. Por ignorância, por medo, por falta de formação, por falta de humanismo ou por falta de amor dos que lhes são mais próximos. Cada vez há mais doentes que entram na urgência para se despedir deste mundo, simplesmente porque chegou a hora deles. Não precisam de assistência médica, apenas de paz, dignidade e de um mínimo de amparo no momento de partida. Coisas que, por mais que nos esforcemos, não existem num SU. Coisa que, por mais que tentemos, não conseguimos corrigir!

É de tudo isto que se faz um SU de 24 horas. Desta vez foram cinco as pessoas que, chegada a hora da partida, viram negado o direito ao último suspiro na tranquilidade do seu lar, na companhia e com o amparo dos seus. E é por tudo isto que há 24 horas que são maiores que outras!

* Publicado hoje no Jornal de Leiria

GUERRA E PAZ

Por Joana Louro *

 

Acabei de chegar a casa depois de um dia de trabalho intenso... Já é tarde e estou cansada! Ligo a televisão num dos canais de noticias, na tentativa de fugir à deprimente programação dos canais abertos no suposto horário nobre, e deixo-a a falar sozinha enquanto preparo qualquer coisa para o jantar, de preferência rápido e saudável! Finalmente os meus primeiros minutos de sossego… Entre o jantar que se cozinha e a mesa que falta pôr, sento-me uns minutos no sofá atenta às notícias e o que o mundo tem para contar.

Pouco menos que deprimente: a crise por cá, por lá e por todo o lado. A Europa, a Alemanha e a Srª Merkel, que tem que perceber que tem de ajudar e que ora percebe ora não percebe. Nem eu, com tantas explicações dadas por tanta gente expedita no verbo que defende uma coisa e o seu contrário. Desisto, estou saturada deste cenário e não quero saber mais...

Acabo de preparar o jantar e ponho a mesa, enquanto recapitulo mentalmente (e involuntariamente!) os doentes que deixei internados no hospital... E detenho-me no Sr. Silva, o doente da cama 5, um doente simpático, que me trata por “menina doutora”, “ menina por carinho e doutora por respeito”, vai dizendo com um sorriso franco na tentativa de justificar a utilização destas duas palavras, numa tão curiosa associação. Tem pouco mais de 70 anos e, depois de uma vida inteira dedicada à agricultura, deveria estar a gozar a sua velhice (com aquela idade eu ainda deverei estar a trabalhar – foge-me o pensamento neste parêntese). Mas não está! Não está porque o corpo está doente, mas sobre tudo porque a mente também! “A minha mente está mais doente que o meu corpo, menina doutora, tantas que são as preocupações”, confessa-me numa voz que me enche o coração. Os dois filhos estão desempregados, eram trabalhadores não qualificados de empresas que a crise e a globalização destruíram. “Mas os meus netos, menina doutora, esses foram para a faculdade e também não têm emprego. E isto como é que se explica? Pensei que estudar era assegurar o futuro deles!”. E para assegurar o futuro e o estudo deles foi vendendo as terras, que tinham sido noutros tempos o sustento da família. “Se pelo menos tivesse as terras, podiam ser cultivadas” pelos netos doutores, faltava-lhe acrescentar ao desabafo...

Quis-lhe explicar que as coisas não seriam assim tão simples e que as opções de outros tempos não foram erradas, que nem tudo tem uma explicação lógica, que a vida e o mundo são bem mais complexos... mas não consegui, afinal o que é que uma menina doutora tem para ensinar a um Sr. Silva. Ofereci-lhe o meu sorriso mais sincero e profundo, o mesmo que esboçava enquanto punha o jantar na mesa.

Depois de jantar ainda fiz uma visita aos meus blogs preferidos, numa nova tentativa de me encontrar com as noticias e o com o mundo... mas era mais do mesmo. Desisto e desligo o computador.

Opto pelo sofá e pelo meu livro dos últimos meses “Guerra e Paz”. Outro mundo, outro tempo... Não melhor, nem mais fácil, simplesmente uma crise diferente... Mas pelo menos serve para desligar!

 

 

* Publicado hoje no Jornal de Leiria

VAMOS VOTAR (II)

 Por Joana Louro *

Não queria falar de política... Nem da campanha eleitoral. Não concordo com estas eleições: acho que, para o que afinal irão servir, quando o programa de governo é imposto de fora e alheio à nossa escolha democrática, haveria outras alternativas! Não estou de acordo com este modelo de campanha, com custos exorbitantes – apesar de se notar alguma moderação, visível pelos outdoors que se não vêm -, e praças cheias de gente que nem sabem ao que vão - ou que vão para matar a fome num saco de plástico com mais afronta e indignidade do que pão – que não podem votar, porque nem sequer são portugueses... Mas lá vão enchendo as praças sem que consigam encher de vergonha a cara de quem os levou até ali. Não consigo rever-me nisto... Mas também, neste momento, não me é fácil falar de outro tema: agora que o dia 5 de Junho está mesmo aí e a campanha está ao rubro.

 Pertenço a o grupo dos “indecisos”, que permite todas as leituras às sondagens que todos os dias vão animando este carnaval. Porque não me sinto motivada por nenhum dos candidatos nem por uma campanha que não toca nos gravíssimos problemas que temos pela frente para se entreter em fait divers e disparates de toda a ordem. É tudo demasiado mau para ser verdade: quem aqui aterrasse, vindo de outro planeta, nunca conseguiria imaginar que o país vive a sua maior crise do último século. Porque está demonstrada a incapacidade dos candidatos para apresentarem um projecto com segurança e credibilidade para um país que está no abismo económico e em total desagregação social. Porque não reconheço em nenhum dos candidatos suficiente capacidade pessoal, altruísmo e distanciamento das máquinas partidárias que garanta a composição de uma equipa de mérito para mudar o país... Porque a decisão de votar num candidato pelo único motivo de expulsar de lá o outro me sabe a pouco, a muito pouco... Ainda que possa ser compreensível, é triste. Este é um motivo que não legitima uma vitória, nem o próximo líder nacional...

Desde muito pequenina que os meus pais me ensinaram que a democracia era coisa muito séria. E votar era um direito e um dever, mas sempre um acto de grande responsabilidade... Cresci a acreditar nestes princípios e ao alcançar a maturidade cívica tentei aplicá-los com seriedade e responsabilidade. Pois o problema é que não revejo no único motivo que poderia decidir o meu voto – o voto útil, para expulsar um “criminoso” - responsabilidade social ou cívica. Reconheço-o apenas como um acto de desespero. E o resultado deste tipo de decisões nunca é bom... E este é o cerne da questão e o motivo da minha angústia.

Hoje, já grandinha, continuo a considerar a democracia coisa séria, muito séria, ainda que já lhe reconheça inúmeros defeitos... Afinal, como dizia Churchill, a democracia é o pior de todos os sistemas, com excepção de todos os outros. Por isso no dia 5 de Junho irei votar, mesmo não sabendo em quem, mesmo com muita angústia e preocupação, e sobretudo muito desencanto. E na realidade este é o meu único apelo: Votem. Não podemos permitir, por maior que seja a desilusão e o desencanto, que a abstenção diga ao mundo que nos estamos nas tintas ou que desistimos. Por nós, pelo nosso país, pelo futuro dos nossos filhos... mesmo dos que ainda não nasceram!

  

* Publicado hoje no Jornal de Leiria

 

URGÊNCIAS

Por Joana Louro *

 

O País caiu no fundo... A Europa, sem se aperceber que estamos todos entrelaçados, vai a caminho! É o fim anunciado de um sonho e de um projecto... E o fim de um país autónomo, independente, digno e respeitável. Mas também o fim de um sonho, do sonho europeu, de uma Europa do Atlântico aos Urais, unida pelos laços da paz e do desenvolvimento. É uma desilusão em dose dupla. Porque Portugal e Europa são indissociáveis, por muito que do lado de lá se queira negar a realidade…  

O desencanto instalou-se no país... E não existem piores sintomas que o desencanto, a descrença e a desilusão, que surgem quando já tudo se perdeu sem que sequer se vislumbre um ramo a que deitar a mão. Um país sem autoconfiança, sem auto-estima e que simplesmente deixou de acreditar é um país doente e com péssimo prognóstico... O desencanto é tanto que abafa a revolta: até o FMI deixou de ser o papão mau de outros tempos para passar a ser um mal menor! Bem menor, pelo que vamos vendo das posições da União Europeia, claramente mais papista que o papa: mais FMI(sta) que o FMI!

Não pretendo encontrar culpados nem tão pouco consigo encontrar soluções... Mas não consigo olhar para esta classe política sem um forte sentimento recriminatório. Só me ocorre banir toda a actual classe de políticos, inibi-los do exercício de uma actividade que não souberam defender, quanto mais prestigiar. E acreditar que ainda existam pessoas sérias e competentes, com suficiente altruísmo e sentido cívico, para reformular um projecto e recriar um país quase milenar e com uma História que não cabe – nem nunca poderá caber – neste rectângulo desgovernado, desrespeitado e humilhado. Sei bem que isto é difícil. Também esta esperança se vai desvanecendo por detrás de cada desilusão!

E com o país lá bem no fundo a miséria instala-se, cresce e avança. Há já pessoas vão ao serviço de urgência com uma qualquer desculpa apenas para comer uma sopa que já não encontram e que, provavelmente, será a sua única refeição do dia. Os doentes, cada vez mais idosos, cada vez mais crónicos, cada vez mais doentes, recorrem cada vez mais aos cuidados de saúde por descompensação da sua patologia de base: porque já não há dinheiro para os medicamentos que necessitam para o seu equilíbrio. Não há urgência em que não dê entrada alguém que vem de uma tentativa de suicídio: pessoas totalmente destruídas que, esgotado o limiar da resistência humana, pensam encontrar ali, bem no centro do desespero, a única solução para todos os seus problemas.

Esta é a dura e crua realidade. Há miséria, fome, angústia e desespero neste país. Vejo-a passar à minha frente no Serviço de Urgência. Todos os dias, num retrato real de um país que caiu no fundo.

 

 

* Convidado especial: Texto publicado hoje no Jornal de Leiria

GERAÇÃO À RASCA

Por Joana Louro *

 

 O país veio para a rua naquela que terá sido uma das maiores manifestações de sempre... e provavelmente a maior desde os tempos de Abril!

O país estava a precisar disto... E se me é permitido algum egoísmo, eu estava a precisar disto... Precisava de viver uma coisa assim, que me permitisse voltar a acreditar, voltar a identificar-me e voltar a encontrar-me neste país que é o meu e no qual quero continuar a acreditar...

No sábado, como canta Chico Buarque, a festa foi bonita. Foi bonita festa, pá! Duzentas ou trezentas mil pessoas nas ruas, de todas gerações: avós, pais, filhos e netos encheram as praças e as avenidas das nossas cidades. Num protesto cívico e digno, saído do povo – de todos nós – sem botões de comando em qualquer central partidária...

Uma manifestação que nasceu espontânea e descontraída e que a partir das novas formas de comunicar atingiu proporções impensáveis. Porque um grupo de jovens decidiu lembrar a outros jovens que protestar é preciso. E esses passaram a outros e outros a outros ainda, numa bola de neve que ninguém conseguiu mais parar.

Uma manifestação inconsequente, dizem! Não me importa muito. Importa-me muito mais que foi digna, responsável, cívica, pacífica e exemplar. Sem exageros de qualquer espécie. Sem violência, sem extremismos nem radicalismos. Longe, bem longe das imagens de destruição e violência de outros países europeus, como que a lembrar-lhes que também têm coisas a aprender connosco. E a lembrar-nos a nós que, quando queremos, sabemos fazer as coisas tão bem ou melhor que os outros...

Lembrando-nos que há mais de 30 anos também usamos cravos em vez de armas. Que houve Abril, se calhar com muitos momentos como este.... que nos enchem a alma e nos fazem acreditar.

Acreditar que afinal não somos uma massa inerte e amorfa. Alheia e indiferente a tudo, sem voz, sem consciência e sem noção de um mundo de pessoas a sério que é muito mais do que aquele que está ao alcance de um clique. Acreditar que este pode ser o princípio da mudança. Acreditar que o valor da abstenção nas últimas eleições presidenciais foi apenas um descuido de percurso... Que esta gente não se está nas tintas, não é indiferente nem negligente... Que está envolvida com o país e que no momento certo, na forma certa e nas doses certas o sabe demonstrar. Acreditar que, se calhar, ainda é possível sonhar um país, porque sabemos que o país muda … se nós mudarmos! Que o país não fará por nós aquilo que nós não soubermos fazer por ele...

Se acredito em tudo isto? Quero acreditar e acho que mereço acreditar! Deixem-me acreditar… Não estraguem!

 

* Publicado no Jornal de Leiria de hoje

 

 

 

 

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