No fecho da novela Enzo Fernandez, o último episódio, ontem, trouxe-nos novas revelações. Como é comum a todas as novelas, com finais mais ou menos espectaculares.
Nem todas surpreendentes.
Revelou-nos que o jogador, afinal, depois do Mundial, nunca quis mais nada que forçar a saída. E que apenas mudou de atitude, enganando toda a gente, a conselho de Jorge Mendes, velha raposa destas coisas. Que manobrou e liderou toda a operação, articulando as posições do Chelsea e do jogador.
Por isso, logo que, ainda nos primeiros dias do ano, Enzo se declarou "curado" da loucura que lhe tinha feito passar coisas pela cabeça, beijou o símbolo da águia e jurou "se quedar", surgiram as notícias do desinteresse do clube londrino. Tão definitivo que desataram a contratar jogadores (sete, com João Félix; Enzo seria o oitavo) e a gastar dinheiro como se não houvesse amanhã (perto de 300 milhões de euros, a que vão acrescentar os 121 milhões de Enzo).
Claro que nem todos foram contratados para dar a ilusão de terem desistido do negócio, mas a fúria contratadora teve esse objectivo. E é provável que até a venda de Jorginho para o Arsenal, também guardada para as últimas horas de ontem, tenha servido o mesmo objectivo.
Assim criou Jorge Mendes para o golpe de última de hora. Porque o Chelsea simplesmente não podia (pelas regras do fair play financeiro, que contorna com os pagamentos faseados) pagar a pronto a chamada cláusula de rescisão, com que o Benfica tem imensa dificuldade em lidar.
Com estas revelações do último episódio, fica impossível de compreender como é que o Benfica tem de pagar as comissões a Jorge Mendes. Como é que tem de pagar um serviço que não requisitou e que não lhe foi prestado, porquanto, como ficou evidente, foi um serviço prestado ao Chelsea, e ao jogador. E nem sequer conta para nada a "estória" do desconto na comissão, para levar "a crédito" de Domingos Soares de Oliveira, viciado do antigamente nestas coisas.
Mas fica fácil de compreender a decisão de Rui Costa, "entalado". Manter a palavra (cláusula de rescisão a pronto e sem descontos de qualquer ordem) seria correr riscos de ter de mandar o jogador para a equipa B, e assumir a sua desvalorização acelerada, e a consequente responsabilidade por esse acto de gestão. Ceder só lhe traria danos de reputação, já que os riscos desportivos seriam os mesmos. Em ambos as opções teria de deixar de contar com o jogador.
A menos surpreendente das revelações deste último episódio foi a dimensão de Roger Schemidt, como treinador e como Homem.
Já todos sabíamos bem que é um grande treinador. A forma como ele - e foi sempre só ele a dar a cara em todo o processo, inclusivamente ontem, no desfecho - geriu este caso no início do ano também já tinha mostrado o Homem que é. Mas faltavam os dados ontem revelados.
Em 6 meses, Roger Schemidt foi mais que pai de Enzo. Foi ele que o transformou no grande jogador mundial que hoje é. Foi ele que o protegeu, e depois o reabilitou, nos primeiros dias de Janeiro. E foi ele que lhe devolveu o papel de figura principal da equipa. Em troca, recebeu do jogador a promessa de que ficaria até ao final da época.
Foi traído. Mas não se vitimizou. Preparou a equipa para a grande resposta no jogo de Arouca e, no fim do jogo, encerrou o assunto de forma lapidar: "O Benfica é muito maior do que apenas um jogador, e só precisamos de jogadores que se sintam apaixonados por jogar no clube".
É isso - "quem ama o futebol, ama o Benfica"! E quem ama o Benfica, e tem a competência técnica e humana deste senhor, vai fazer desta ameaça a oportunidade para reforçar a união do grupo, e o espírito ganhador desta equipa. Como já ontem se viu em Arouca!
O Benfica ganhou, finalmente. Depois de quatro jogos sem ganhar, que valeram o afastamento da luta pelo título, ganhou. Ao Famalicão, penúltimo classificado, com a pior defesa do campeonato.
Ganhou, mas não foi melhor do que tem sido. Não ganhou por ter sido melhor do que tem sido; ganhou por ter tido a pontinha de sorte que lhe tem faltado. Ganhou porque nos dois primeiros ataques fez três remates e dois golos, o segundo na recarga ao segundo remate, depois de uma grande defesa do guarda-redes do Famalicão. Tudo isto com pouco mais de um minuto de jogo jogado.
Aos seis minutos o Benfica ganhava por dois a zero, mas cinco desses seis minutos foram gastos pelo VAR a validar os golos. Nunca me tinha passado pela cabeça que o VAR também pudesse servir para isso, para uma espécie de pausa técnica a que os treinadores do futebol não podem recorrer. O que pareceu foi que Hugo Miguel, um árbitro com currículo, quis quebrar a avalanche do Benfica e dar oxigénio ao Famalicão.
Não se sabe o que teria acontecido se com aqueles dois golos tivesse acontecido o que seria normal acontecer - bola ao centro, e segue jogo. Sabe-se o que aconteceu. E o que aconteceu foi que os golos não empolgaram os jogadores. Fosse pelo gelo que VAR lhes despejou em cima, fosse porque já nada os empolga.
Porque o jogo acabou por ser o que foi, e não o que eventualmente poderia ter sido sem o saco de gelo despejado pelo VAR, acabam por não ficar grandes dúvidas que o Benfica ganhou porque teve a sorte que não tem tido. Desde logo a sorte de fazer os dois golos do jogo nos três primeiros remates. Ou, na prática, nos dois primeiros remates, dos dois primeiros ataques, nos dois primeiros minutos de jogo jogado.
Mas também porque, depois, a equipa voltou a cair na mediocridade do seu futebol, onde se foi afundando à medida que o tempo ia passando. Passes falhados, incapacidade de ligar as jogadas, perdas de bola, faltas...
Foi sendo assim, e foi mais gritantemente assim na segunda parte. O Famalicão começou a subir no terreno e a discutir o jogo a partir dos vinte minutos no relógio do jogo, e na segunda parte passou mesmo a estar por cima do jogo. E foi então, como já tinha sido nos últimos jogos, que se viu a mediocridade do futebol desta equipa do Benfica.
Jogando no campo todo, o Famalicão - penúltimo classificado e a pior defesa do campeonato, repito - deixava espaço para os jogadores do Benfica imporem a sua suposta superioridade técnica. Mas o que se viu foi uma completa incapacidade para aproveitar esses espaços, falhando sucessivamente as transições ofensivas. Uma, apenas uma, foi concluída. Mas mais valia que o não tivesse sido - Darwin, numa chocante falta de classe (ou será apenas de confiança?), a dois metros da baliza, completamente escancarada, atirou para as nuvens.
E só não foi a única oportunidade de golo do Benfica na segunda parte porque, já mesmo no fim, o guarda-redes famalicense fez uma grande defesa, a remate de Everton. O cheiro a golo morou sempre na baliza de Vlachodimos, onde o golo não surgiu porque - lá está - a sorte desta vez, ao contrário das outras, não virou costas. Foram cinco as oportunidades que o Famalicão construiu. Quatro na segunda parte. A primeira tinha levado a bola ao poste, ainda antes da meia hora de jogo.
Cinco oportunidades. Cinco! Ainda se não tinha visto tal coisa na Luz .
Jorge Jesus resume tudo isto ao covid. Claro que não se pode ignorar o seu efeito devastador na equipa. E menos se pode ignorar que aconteceu, e a dimensão com que aconteceu, depois do jogo no Dragão. É um facto, e factos são factos. Não se pode é justificar o estado a que o futebol do Benfica chegou dessa maneira, até porque o eclipse da equipa já vinha de trás.
Já Otamendi, o capitão e que até marcou hoje o seu primeiro golo de águia ao peito, tem outra opinião. E falou de compromisso, de empenho e de partir para outra, mudar de rumo.
Não, mister. Não é tudo culpa da covid. A catástrofe que se abateu dobre o Benfica é mais da sua responsabilidade do que da covid. E mais ainda de Vieira e de Rui Costa do que sua.
Ontem estava a ver o banho de bola do City ao Liverpool e, extasiado com a classe de João Cancelo e Bernardo Silva, com a imponência de Rúben Dias e com a categoria e segurança de Ederson, via que, ali, numa das duas ou três melhores equipas do mundo, estavam quatro que saíram do Seixal. Quase meia equipa. Daí o pensamento saltou-me para a selecção nacional, e numa das melhores selecções do mundo, conto mais três ou quatro - João Felix, Gonçalo Guedes, Nelson Semedo, André Gomes... Espreitou para grandes equipas europeias - nisto do futebol a Europa é o mundo, o resto é paisagem - e lá estavam Oblak, Witsel, Cristante, Lindelof, Matic, Raúl Jimenez, Di Maria...
Só aqui estão quinze. só nos últimos anos. Dir-me-ão: pois, mas era impossível segurá-los. Não seria possível segurá-los todos, admito, mas não era impossível segurar boa parte deles. Não ter jogadores deste nível, nem os largos milhares de milhões de euros que eles renderam, é que não deveria ser possível. Mas é a realidade.
Pior só olhar para essa realidade e perceber que disso já não há mais. Já não há no Seixal, nem há já departamento de scouting para os ir buscar fora.
Sim, é esta a obra feita de Vieira. É este o legado de Vieira, Rui Costa, Jesus e Jorge Mendes... Sem jogadores, sem dinheiro, sem rumo. E sem honra!
Depois, muito depois, dois meses depois, da escandalosa participação no campeonato do mundo do Brasil, Fernando Gomes concluiu que houve incompetência sem incompetentes. Quando descobriu que não há incompetência sem incompetentes enterrou-se no ridículo e afastou o médico dos índices de suspeição lesional. Agora é bem capaz de encontrar outro incompetente, sem perceber que a incompetência é tanto maior quanto mais forem os incompetentes. E que a incompetência é máxima quando todos são incompetentes…
Perder em casa o primeiro jogo de uma fase de apuramento com a Albânia, que até agora apenas tinha ganho dois jogos – a selecção de Jorge Mendes e Paulo Bento, sob a bênção de Fernando Gomes, foi a terceira a cometer a proeza de perder com a Albânia – é incompetência máxima!
Sim, Sr Dr Fernando Gomes, nós sabemos que foi com muito engenho e arte que chegou a essa que é uma das mais apetecíveis cadeiras que por aí andam, mas isso não é competência. São habilidades, são teias que se tecem à volta de interesses instalados, esses sim, competentes em auto-defesa. Não se engane, porque a nós não nos engana…
Em tempo de pré-época mais um termo apropriado: titular!
Titular, em futebolês, não é o proprietário de qualquer título. Mas é proprietário, há também aqui uma relação de propriedade. De posse!
O titular é precisamente o proprietário, o dono: o dono do lugar! O lugar, a posição ocupada no xadrez da equipa, é um bem escasso. Só há 11 disponíveis!
Se a ambição faz parte da condição humana aspirar à condição de proprietário cobre uma das mais comuns ambições humanas. No caso do futebol, sendo um lugar na equipa um bem escasso, essa ambição toma outra dimensão: não há jogador que não ambicione ser o dono do lugar. Seja ele qual for!
Conforme já vimos, nesta altura de preparação da época começa por se construir o plantel: à volta de 25 jogadores, como vimos. Idealmente três guarda-redes, mais dois jogadores para cada lugar - um o titular e o outro o suplente - e mais dois jogadores polivalentes (se bem que haja polivalentes que são titulares), que possam cobrir certos imponderáveis. Todos ambicionam ser os donos do lugar mas nem todos o conseguem. Apenas alguns são titulares indiscutíveis, isto é, têm um estatuto de dono absoluto do lugar, sem deixar qualquer tipo de dúvida! Como há os que são eternos suplentes. E ainda os suplentes que são armas secretas!
Nesta altura de aquisições – a época irá durar até 31 de Agosto e, pelo que temos visto em Portugal, até ao lavar dos cestos é vindima – procura-se reforçar o plantel, mas acima de tudo a equipa. Exigem-se contratações de titulares indiscutíveis, daqueles que entram de caras na equipa! Mas nem sempre assim acontece…
Já ninguém sabe muito bem quantos jogadores já contratou o Benfica. Muitos e com pouco critério, como facilmente se constata: dispõe no plantel 20 (!!!) jogadores para o meio campo – no sistema de Jesus, em 4-4-2, dá para cinco (!!!) meios campos – , não tem jogadores para construir uma linha defensiva e não tem um ponta de lança de alternativa a Cardozo que, ao que se diz, até será para vender. E, sabendo há muito da óbvia e inevitável saída de Fábio Coentrão, é muito difícil entender como é que, entre tanta contratação, não há um único para o substituir.
Com este critério – ou, melhor, com esta falta de critério – é evidente que está fora de causa aquele requisito básico da entrada de caras na equipa. À excepção do guarda-redes Artur, e não é exactamente mérito seu ou da sua contratação, é porque o Moreira foi posto a andar e ficou lá o Roberto, nenhuma contratação vem com o estatuto de titular indiscutível.
Estatuto que têm indiscutivelmente o brasileiro Luisão – o capitão e agora o jogador com mais tempo de casa – e o uruguaio Maxi Pereira, pedras absolutamente basilares da equipa. Ambos ao serviço das respectivas selecções nacionais na Copa América e, ao que por aí se diz, pouco interessados em regressar. Luisão apontado ao PSG e Maxi (quem é consegue entender por que não foi o seu contrato renovado atempadamente?) a dizer – e só acredita quem for anjinho - que quer ficar por lá, pela sua terra natal.
É com enorme preocupação que vejo, sistematicamente, os jogadores de referência da equipa a sair ou a pretenderem sair. Foram saindo todos, mandados embora na maioria dos casos, e, agora, os dois únicos jogadores com mais de três anos no clube querem sair. Acredito que seja uma circunstância que agrade a Jorge Jesus - poderá, assim, ser ele o rei absoluto do balneário, condição sine qua non para o exercício da sua rudimentar liderança - mas será catastrófica para o Benfica!
E isto é tão mais preocupante quanto olhamos um pouco lá para Norte e continuamos a vê-los apanhar as lebres levantadas pelo Benfica e, pasme-se, a renovar o contrato com o Falcão – que também está na Copa América, com todos os grandes clubes europeus atrás dele, e que podia estar muito bem a tratar da sua vida com o Chelsea ou com o Real Madrid – fazendo passar a cláusula de rescisão de 30 para 45 milhões de euros. Esta sim, uma verdadeira jogada de mestre, mesmo que sobeje muita coisa por explicar!
Ah! E o agente do Falcão é o Jorge Mendes: o mesmo que levou o Fábio Coentrão para Madrid, lembram-se? Então lembram-se como foi diferente, como aí ele estava do outro lado…
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