Às manchetes dos jornais requer-se imaginação. Em nome da criatividade e da imaginação pode perdoar-se algum deslise na sua construção, de léxico ou até de gramática.
Não é o caso desta do DN de hoje: "Mais médicos do SNS pediram, até Setembro, a reforma que em 2021".
Sem nada a dever à imaginação, nem à criatividade, não há perdão para coisa tão mal parida.
Mas é disto que se fazem os jornais que vamos tendo. Sem respeito pelo leitor. Nem pela sua própria História!
Parece que vai para aí uma onda de roubos de produtos alimentares nos supermercados, a crer na primeira página de hoje no jornal de referência da nossa tão pobre praça jornalística.
A notícia que faz primeira página é depois desenvolvida na secção "Sociedade". E aí começamos por ver que, da participação deste roubos à PSP, "só há dados até Junho", mas que " o crescimento de casos acelerou neste segundo semestre". Sem dados, e que ainda vai a meio...
Sem dados mas com um - um, repito - testemunho de um segurança de um supermercado. Pungente. Relata que "tem apanhado muitos idosos a tentar levar pão, salsichas ou atum". Que "há mulheres com filhos que dizem que já não têm como lhes dar de comer. E conta: "Prefiro que me peçam. Não sou rico, mas posso oferecer alguma coisa. E eu próprio vou à caixa pagar”.
No entanto, quando passa à informação que os supermercados estão a instalar alarmes em alimentos, a peça recorre ao testemunho de dois funcionários de uma cadeia onde isso está a acontecer, que o justificam por haver "quem os leve em mochilas para depois os vender a preço mais baixo no mercado negro.”
Escrevendo em manchete que a "crise faz disparar roubo de comida" este jornalismo de referência fala de roubo de comida para matar a fome para, depois, se formos ler, misturar com o roubo de comida para alimentar expedientes.
É tudo resultado da crise. Até da crise do jornalismo que por cá vai engordando!
Numa viagem pelos jornais do dia encontramos o Benfica e Luís Filipe Vieira em praticamente todas as primeiras páginas. Com duas únicas excepções: o Jornal de Negócios, e o jornal i, este particularmente interessado em continuar a bater no Costa e a promover o Ventura.
É impressionante. Sobre a inconsistência e a propaganda das declarações de Vieira, nada. Sobre a sessão de campanha eleitoral para as eleições que vai antecipar, para retirar tempo a quaisquer novas iniciativas, e fixar a concorrência na que já é conhecida, coisa nenhuma. Nem uma palavra.
E no entanto tudo está tão à vista... Tristes jornais, triste jornalismo!
Não é a primeira vez que aqui trago capas do i, que é, para mim, sem qualquer dúvida, o líder destacado do campeonato das primeiras páginas dos jornais portugueses. Hoje, esta das laranjas, mesmo com muitas muito azedas, é deliciosa!
Os valores recorde da produção de laranjas podem nem casar muito bem com a agitação laranja que por aí anda, e que, pelo menos até à próxima terça-feira, vai continuar a dar mais batatada que laranjada. Mas que é uma capa cheia de sumo, lá isso é!
Os jornais de hoje saíram para as bancas traídos pela realidade. Todos optaram por encher a primeira página - dividida com o grave acidente na Madeira - com a greve dos motoristas de transportes de matérias perigosas ... Que já acabou.
Olhar para as capas dos jornais com os piores cenários de qualquer coisa que já não existe soa a estranho. E não prestigia nada a imprensa, que deixa a ideia de dar tudo por uma má notícia. Por uma certa ânsia do quanto pior, melhor.
Não fosse isso e talvez tivessem levado em conta que quando o governo saca Pedro Nuno Santos da manga para negociar não há nada que não se resolva. E depressa!
A falta de vergonha dá nisto. Andaram meses a fio a publicar e a explorar dados e informação privados, que sabiam obtidos de forma não só ilegítima como criminosa. Durante todo esse tempo tudo ia bem, o que difundiam era insuspeito e a fonte era inatacável. Hoje, o que era informação insuspeita é um "assalto", e a fonte é o "pirata dos mails". Hoje, o que difundiram é um crime, e a fonte um criminoso. Como se nada se tivesse passado. Sem um acto de contrição. Sem uma desculpa. Sem vergonha!
É a notícia do dia: o Ministério Público procedeu à acusação dos arguídos (a Benfica SAD e um seu acessor jurídico, Paulo Gonçalves, e dois funcionários judiciais) no caso e-toupeira!
Segundo a acusação do Ministério Público, há fortes indícios que aqueles funcionários judiciais, a troco de favores no acesso aos jogos do Benfica (bilhetes VIP e estacionamento) tenham fraudulentamente violado o Citius (plataforma informática do Minsitério da Justiça) para obter, e fornecer ao acessor da Benfica SAD, informação sobre o estado de certos e determinados processos judiciais em curso. Daqui decorre - segmentando o que os jornais e as televisões dizem da notícia do dia - para os funcionários judiciais, a acusação da prática dos crimes de violação do segredo de justiça, violação de segredo por funcionário, peculato, acesso indevido e violação do dever de sigilo, recebimento indevido de vantagem, peculato, falsidade informática e corrupção passiva. Para Paulo Gonçalves, a acusação de oferta indevida de vantagem, favorecimento pessoal e corrupção activa. Presume-se, porque nenhuma das notícias que li ou ouvi o explicitava, que as acusações a Paulo Gonçalves sejam comuns à Benfica SAD, por sua entreposta pessoa.
A acusação é o que é, o processo segue para julgamento e as condenações serão as que forem. Antes de tudo isso, nada disto é bonito. Mas isso são outros quinhentos...
O que me surpreende - na verdade já nada me surpreende, quando aquele senhor do IPDJ dizia em 2017 que não havia qualquer problema com as claques do Benfica, e hoje diz, também nos jornais, que o senhor que agora lhe sucedeu é que reteve a punição que ele tornou pública depois de demitido, só há que esperar tudo, de tudo o que gira à volta da bola - é que os jornais e as televisões introduzam dois pormenores na notícia que não decorrem da acusação, a saber:
Os crimes aconteceram nas épocas de 2016/17 e 2017/18;
A Benfica SAD teve benefícios desportivos com a informação obtida, pelo que lhe acrescentam o crime de corrupção desportiva, que leva o Ministério Público a pedir a suspenção do Benfica em todas as competições entre seis meses a três anos.
É que eu não fazia ideia que, como na caça, nas diferentes modalidades desportivas, ou nas touradas, também há época de crime. Claro que não há. Claro que a referência à época serve apenas para introduzir a variável desportiva, que ninguém consegue descortinar nos crimes em acusação, mas que dá jeito para concluir que o Benfica beneficiou desportivamente com a informação obtida.
Por mais que recorra à minha imaginação - e tenho a impressão que não sou dos menos imaginativos - não consigo ver que raio de informação possa haver num processo judicial que vá influenciar o resultado desportivo de um jogo. Na época 2016/17, 2017/18 ou noutra qualquer... Sei - e vejo, continuo a ver todos os dias - do que se passa num jogo de futebol para influenciar o seu resultado. Já num processo judicial... Não consigo...
Esta, a de ontem, é a capa da última edição do Diário de Notícias em papel enquanto jornal diário, como foi durante 154 anos. Desde 1864!
Novos "sinais dos tempos" disfarçados de sinal do tempo. O velho DN vai passar a ser um novo diário digital que regressa ao papel ao domingo. Uma espécie de híbrido. Um diário/semanário no digital/papel de que ninguém espera grande coisa. Nem editorial nem economicamente. Custa até ver o notável Ferreira Fernandes, agora director, querer parecer entusiasmado com a ideia ...
Depois dos anéis, vão-se agora os dedos. É só isso, nada mais que agonia...
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