Acabei de ver o último "Isto é gozar com quem trabalha" que, "por razões óbvias" não vi em directo, no domingo. Não "papo" muita televisão, há um ou outro programa - contam-se pelos dedos de uma mão, e ainda sobram - que tento não perder. Esse é um deles.
Foi aí que tomei conhecimento de mais um espalhanço do José Gomes Ferreira, dito "jornalista" que se acha muito frontal e ainda mais esperto. Que já publicou uma "História de Portugal" criada por ele próprio, e que até já apresentou um programa de governo. Que tem soluções para tudo, e que é uma referência ... do populismo barato. Citado frequentemente em táxis e conversas de café. Que, agora que quase já não há cafés, têm lugar nas redes sociais.
Às vezes é apanhado mas como, falando muito de vergonha, não tem nenhuma na cara, é sempre como se nunca fosse. Desta, em directo, interrompeu o colega que usava a palavra porque tinha algo de importante, e em primeira mão, para anunciar. Era um tweetque acabara de receber. E começou a ler. Os disparates sem nexo sucediam-se, e ele continuava. Sem parar para pensar. Sem nada na cabeça, nem sequer uma campainha de alerta, até ter que ser mandado calar pelos colegas de painel, e de trabalho.
Não tivesse o jornalismo chegado à miséria que chegou, e não fosse o negócio da comunicação o bordel que é, e este senhor já não era jornalista. E muito menos director-adjunto de informação de um dos principais canais de informação da televisão portuguesa!
"Vamos esquecer" - sentenciou o apresentador.
Se foi uma reprimenda, não lhe servirá de muito. Já levou muitas, e nunca aprendeu nada com elas.
Se foi uma sugestão para passar ao esquecimento, foi pedir-nos que esqueçamos o que é o jornalismo. E também não vale de muito. Já toda a gente esqueceu!
Um menino morreu, depois de mais de quatro dias de resistência ao sofrimento no fundo de um poço, no norte de Marrocos, onde caíra na passada terça-feira. No sábado, ao final do dia, depois de dias e noites de escavações para o resgatar do fundo, quando finalmente foi possível chegar-lhe, era já tarde para lhe salvar a vida.
A essa mesma hora milhares de outros meninos morreram pelo mundo fora sem ser notícia. Durante aqueles quatro dias, milhões de meninos sofreram de frio, fome, doença e guerra sem que o mundo se quisesse aperceber disso. Muitos morreram, e muitos virão a morrer nos próximos dias. com a Humanidade na mesma indiferença.
O drama do pequeno Rayan e dos seus pais não passou despercebido, e tocou fundo em milhões de pessoas neste mundo desumanizado. Mas não ajudou a humanizá-lo, pelo contrário. Pelo menos por cá, entre nós. Não sei se foi assim por todo o lado, mas não me custa nada a admitir que sim, porque hoje tudo corre igual por todo o lado. Com os mesmos objectivos e as mesmas fórmulas!
As televisões sabem como instrumentalizar as emoções mais primárias e irracionais para conquistar audiências, e fazer negócio. A heróica resistência do pequeno Rayan, o drama dos pais, a épica tentativa de salvamento e a incerteza do desfecho eram garantias de produto de sucesso. Bastava-lhes repetir a fórmula, a receita infalível mais que testada: horas e horas de directos, sem acrescentar coisa nenhuma, e o desfile em estúdio de dezenas de "especialistas", a não dizerem mais que banalidades. Mas a encher o chouriço!
Mas resulta. Resulta sempre!
Tanto que a Sandra Felgueiras, elevada a figura de proa do jornalismo populista, agora encaixada no sítio certo, depois de mártir na televisão pública, correu para o FB a cantar vitória: " Uma emissão talentosa em torno da top story do dia ... pela primeira vez na sua história a CMTV registou mais audiência que a RTP 1..."
Sem escrúpulos. Não é apenas a Sandra Felgueiras que os não tem. Nem a CMTV que os não teve; a CNNP também não lhe ficou atrás!
Escrevi aqui há dias sobre a inversão na tendência das sondagens, para responsabilizar a mal disfarçada obsessão de António Costa pela maioria absoluta por esse rumo. O rumo das sondagens indicava então a erosão da vantagem do PS sobre o PSD, confirmando a miragem da maioria absoluta.
Poucos dias depois estamos a ver passar para a opinião pública uma outra coisa completamente diferente. O que a partir do fim de semana vemos é dizer-se que o PSD já está à frente nas intenções de voto, e que a direita irá ser maioritária na Assembleia da República. É uma mudança brusca de mais para não nos levar a torcer o nariz. Há aqui qualquer coisa que não joga bem, a começar pelos números. Nos números que são soltados, com o PS a descer e o PSD a subir, o resultado da soma de ambos desce. Pode acontecer, mas não é normal!
O que está a acontecer é outra coisa. O que está a acontecer é que deixamos de seguir sondagens para passarmos a seguir essa coisa do tracking poll, que a CNN Portugal - é cada vez mais evidente que, de CNN, só tem a taxa de franchising - nos oferece, com um universo de 180 eleitores. Fazer da consulta de 180 pessoas uma sondagem não é sério.
Mas temos que levar a sério. Porque é uma manipulação grosseira dos eleitores, e porque resulta. E o jornalismo, em vez de denunciar, segue na festa. E faz parte dela!
Miguel Sousa Tavares anunciou há dias, numa entrevista à Visão, que iria abandonar o jornalismo.
Não li na altura essa entrevista, nem nunca senti, mais tarde, qualquer curiosidade em lê-la. Mas vi a capa, que a revista escolheu para encher com a sua fotografia, ilustrada com o título "Nunca mais faço uma entrevista", como acima se reproduz. Dela não se percebia o abandono da actividade jornalística, mas apenas que deixaria de fazer entrevistas. Desabafei para os meus botões: "faz bem; é um um bom serviço que presta ao jornalismo"! Na maior parte das vezes não eram entrevistas o que fazia, eram simplesmente debates de que retirava a vantagem de ser entrevistador, e onde o rigor era substituído pelo "achismo" e pelo preconceito, como há poucos dias aqui dei um exemplo.
Mas li a sua coluna semanal no Expresso, na edição deste último fim de semana, toda ela à volta dessa entrevista, e da sua decisão. E aí fiquei a saber que a decisão não se limitava a deixar de fazer entrevistas, e muito menos que essa decisão tivesse sido marcada por qualquer processo de auto-crítica. Não, era mesmo a de entregar a carteira de jornalista. E não resultava de qualquer introspecção crítica, mas antes de um dos seus habituais processos de auto-vitimação. Sente-se simplesmente perseguido e injustiçado, e por isso, quanto a jornais, vai ficar-se por aquela sua coluna semanal no Expresso. Não o disse, mas deverá também manter a de "A Bola", se é que ainda se mantém, porque há já mais de 10 anos que, justamente por causa dela, deixei de ler esse jornal desportivo. Porque para isso não precisa de carteira de jornalista.
Nesse roteiro de vitimização passou pela "entrevista" ao primeiro-ministro, António Costa, na TVI, para trazer o caso do "tal jovem que ganha 2.700 euros" e tem de entregar bem mais de metade ao Estado. Para chegar a esta conclusão MST faz uma coisa simples, como sempre: vai à taxa de incidência de IRS e vê lá 45%, e depois soma-lhe os 11% da Segurança Social. Mas não diz o que faz, precipita-se pela conclusão que lhe dá jeito à narrativa. Nem imagina - porque é sempre assim: pelo que acha, pelo que melhor se adapta ao seu preconceito, e pelo que é mais fácil e dá menos trabalho - que aquela é uma taxa marginal, e não é nem uma taxa média e, muito menos, absoluta.
Não há muitas coisas em que estejamos todos de acordo. Mas há algumas. Uma delas é que os impostos são altos, e que o IRS mete fundo demais a mão no nosso bolso. Outra será que jornalistas que fazem as coisas assim talvez não façam grande falta!
Ainda bem. É mesmo melhor ir escrever romances. Isso faz bem. E a gente gosta de ler!
Segunda feira é dia de Miguel Sousa Tavares (MST) na TVI. Comenta no telejornal e, depois, entrevista uma personalidade que por qualquer motivo esteja no centro da actualidade, já no canal de notícias daquela televisão. À boa maneira da TVI ( e não só), de forma a prender o espectador, a entrevista é sucessiva e amplamente anunciada durante a emissão do telejornal.
Ontem voltou a ser assim, e a entrevista de MST a Inês Sousa Real, a nova líder do PAN, foi anunciada ao longo de mais de uma hora. Num zaping caí exactamente num desses momentos e ... claro, funcionou - deixei-me esperar pela entrevista. Não por qualquer entusiasmo especial pelas personagens; apenas, conhecendo-se as posições do entrevistador, pela curiosiade de ver até que ponto aquilo poderia ser uma entrevista.
MST é um opinador, um profissional pago mais que, para "vender" comentário, para defender as suas próprias opiniões. É assim sobre tudo o que são as suas opções pessoais, do clubismo ao estilo de vida: jornais e televisões pagam-lhe para as defender.
Mas, uma coisa é um texto publicado num jornal ou opinião prestada numa televisão. Outra é, jornalisticamente, uma entrevista. Era por isso duvidoso que MST fosse capaz de conduzir uma entrevista contra um dos seus maiores ódios de estimação, e daí a minha curiosidade.
Não foi. E, em vez da anunciada entrevista, foi-nos servido um debate. Aceso, como poucos, e pouco sério como quase todos. Uma fraude televisiva com o ponto alto na última intervenção do entrevistador, quando calou a entrevistada com "essa não é a minha pergunta", como se aquilo tivesse sido uma entrevista.
Numa viagem pelos jornais do dia encontramos o Benfica e Luís Filipe Vieira em praticamente todas as primeiras páginas. Com duas únicas excepções: o Jornal de Negócios, e o jornal i, este particularmente interessado em continuar a bater no Costa e a promover o Ventura.
É impressionante. Sobre a inconsistência e a propaganda das declarações de Vieira, nada. Sobre a sessão de campanha eleitoral para as eleições que vai antecipar, para retirar tempo a quaisquer novas iniciativas, e fixar a concorrência na que já é conhecida, coisa nenhuma. Nem uma palavra.
E no entanto tudo está tão à vista... Tristes jornais, triste jornalismo!
A polémica à volta da Direcção Informação da RTP culminou esta semana na demissão da directora e da respectiva equipa. Tudo começou com a emissão de uma reportagem da equipa do “Sexta às Nove” sobre a exploração de lítio em Montalegre que, pronta desde o início do Verão, apenas acabaria no ar depois das eleições. Para se agravar com uma investigação a supostas irregularidades no Instituto Superior de Comunicação Empresarial (ISCEM) e acabar num confronto entre Maria Flor Pedroso, a directora de Informação, e a jornalista Sandra Felgueiras. Que reabriria a velha "guerra" entre o chamado jornalismo de referência e o sensacionalista, ou de tablóide.
Confesso que me surpreendeu a oportunidade da abertura desta “guerra” – que existe e é saudável -, que começou com perto de centena e meia de jornalistas, maioritariamente pesos-pesados, a subscreverem uma declaração de apoio à até aqui directora de informação da RTP, que alegara neste processo questões de honra. Em resposta surgiram os defensores da jornalista, e das teses do Conselho de Redacção da RTP, que alegavam questões de facto.
E aqui está a razão da minha surpresa: princípios jornalísticos, ética e deontologia, debatem-se. E é todo um debate que faz sentido nesta dialéctica entre duas formas quase antagónicas de fazer jornalismo. Questões de honra, em oposição a questões de facto, é que não.
Abriu-se assim um debate enviesado que rapidamente se deslocou do eixo jornalismo de referência/jornalismo sensacionalista para um outro, que opõe jornalistas institucionais, instalados, de sorriso fácil para o poder, a jornalistas incómodos, capazes até de fazer cair banqueiros e ministros.
Sabemos como as notícias falsas, agora conhecidas por “fake news”, têm marcado a ascensão do populismo e como se têm constituído em arma eleitoral decisiva.
Foi assim com o Brexit, com a eleição de Trump na América, ou com a de Bolsonaro no Brasil.
Na Europa teme-se o que possa acontecer nas próximas eleições para o Parlamento Europeu, tendo as diversas instituições europeias dado já sinal do sério risco destas eleições serem contaminadas por “fake news”. E os gigantes digitais, particularmente Facebook, Google e Whatsapp, têm prometido todos os esforços para as expulsar das suas plataformas.
Antes da vaga digital ter tomado conta do mundo chamavam-se simplesmente boatos. Se já eram difíceis de controlar e de contrariar na altura, agora, com a velocidade e o alcance das redes sociais é de todo impossível.
Por mais centros de controlo que estes gigantes digitais anunciem, ou por mais modelos de validação de notícias que sejam testados, não é fácil acabar, ou sequer limitar os danos, dos boatos. O maior obstáculo ao seu desenvolvimento tem obviamente de vir do jornalismo, na sua nobre e insubstituível função de intermediar no circuito da informação que leva a notícia até ao público.
Cumpra o jornalismo a sua função, e mais curta será a perna do boato e da mentira.
O problema maior está aqui. O que o jornalismo tem vindo a mostrar é que, em vez de obedecer aos princípios por que tem de se reger, e assim se opor às “fake news”, obedece a lógicas insondáveis e replica-as.
Temos quase todos os dias exemplos disso. Ainda ontem, na simples notícia da morte do actor Amadeo Caronho, menos conhecido do grande público, um qualquer jornalista limitou-se a “googlar”. Foi enganado pelo Dr Google, que lhe deu fotografias e a biografia de um outro actor, mais conhecido e falecido há dois anos. E todos os jornais e televisões, mesmo aquelas em que os dois diferentes actores tinham trabalhado, foram atrás.
Pois é. Para que jornalismo seja o maior obstáculo ao boato, tem mesmo de se fazer jornalismo!
Foi devastadora a passagem do Leslie pelas televisões portuguesas, deixando atrás de si um rasto de destruição, com prejuízos incalculáveis e danos irrecuperáveis no jornalismo que se faz na televisão, em Portugal.
Tanto quanto se conseguiu apurar os prejuízos não estão cobertos pelo seguro, o que só faz aumentar a tragédia. Um mal nunca vem só!
Ou não tivesse sido dado ao furacão ... nome de estrela de televisão ...
A imprensa norte-americana junta-se hoje em uníssono contra os ataques de Trump e a sua miserável campanha de propaganda, que não tem outro fim que não seja eliminar quem a escrutine e denuncie.
Ao fazer dos jornalistas o inimigo, Trump quer esvaziar a capacidade de escrutínio, eliminar a crítica e deixar o populismo à solta, a salvo da denúnica. Quer fazer das redes sociais palcos de gigantescos comícios à escala global, enquanto convence as pessoas que são os mais limpos veículos de informação, numa comunicação sem filtros nem intermediação.
Os editoriais de hoje de mais de 350 jornais por todos os Estados Unidos são o grito da América que grita. Um gigantesco grito de protesto contra o populismo e a autrocracia, mas também a afirmação de um compromisso de defesa do jornalismo e da liberdade de imprensa, e um alerta para a importância da independência dos jornais. Que no chamado mundo livre nunca esteve tanto em causa como hoje.
A democracia precisa de uma imprensa forte, livre e independente. Hoje, como diz o título do editorial do New York Times, "A free press needs you"...
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