Está empossado o novo governo e aprovado, em Conselho de Ministros, o seu programa. Falta a sua discussão e aprovação no Parlamento, lá mais para o final da semana, que desta vez é até um bocadinho mais curta.
Esgotados os temas da constituição do governo, da (falta de) novidade à sua dimensão (é mesmo grande, houve até dificuldade em encaixá-los todos na fotografia), a opinião e a crítica viram-se agora para o seu programa, um campo bem mais aberto, onde cabe de tudo. Da opinião mais fundamentada à crítica mais corrosiva, ou ao mais simples disparate, dito com a convicção de maior certeza absoluta. O mais extraordinário que ouvi veio da boca de uma conhecida e mediática jornalista especializada em economonia, com lugar cativo nas rádios e televisões que, no meio de inúmeros anúncios e considerações, descortinou uma baixa de IRS para famílias com mais filhos, daí concluindo para um programa do governo a promover a natalidade, um dos mais dramáticos problemas do país.
Dito assim, sem mais nem menos, com a convicção de quem não tinha dúvida nenhuma sobre o que estava a afirmar. Como se o problema da natalidade se resolva com menos meio ponto na taxa de IRS, de que grande parte da população está infelizmente isenta, Ou como se as taxas de IRS, e a fiscalidade em geral, não estivessem sempre a mudar.
Se as taxas de IRS fossem instrumento de política de natalidade corria-se o risco de fazer disparar as taxas de interrupção voluntária de gravidez. Os casais que tomassem a decisão de ter mais um filho no momento em que fosse anunciado um benefício na taxa de IRS, corriam grandes riscos de se arrependerem ainda antes do seu nascimento...
Mas há quem ache que não, e que a malta vai toda desatar a fazer filhos para aproveitar um descontozinho na taxa de IRS. É extraordinário!
Para não falar de fogos, falemos de ricos. A revista Exame apresenta-os ao quarteirão, mas fica-se pelo primeiro. É a lista dos 25 mais ricos, e é uma agitação por esses jornais fora...
"Os mais ricos estão mais ricos" é a notícia.mais repetida. Só que, por definição, não é notícia. É tão natural os ricos estarem mais ricos como o cão morder o homem...
Talvez por isso o Diário de Notícias tenha entrado por outra porta, e descobriu que as "maiores fortunas do país valem tanto como dívidas dos portugueses ao fisco". Pode até ser o homem a morder o cão. Pode até ser verdade, pode até ser que a soma dessas fortunas coincida com o valor das dívidas ao fisco. Não se percebe é o que é que uma coisa tem a ver com a outra...
Bem se podiam ficar pelas banalidades habituais. Não que façam mais sentido, mas têm a vantagem de já estarmos habituados. E, mesmo sem notícias e com banalidades, bem podiam ter mais um bocadinho de rigor no que escrevem. Escrever no mesmo texto, com o intervalo de meia dúzia de caracteres, que "as 25 maiores fortunas do país cresceram 3,8 mil milhões de euros no espaço de um ano" e que "no total, os milionários do top 25 amealharam ao longo do último ano 18,8 mil milhões de euros", diz bem do que por aí vai.
Havia uma antiga tradição (baseada no respeitado Finantial Times) da cor salmão para os jornais (ou os suplementos) que se dedicavam aos temas da economia. Agora mudaram de cor, e tornaram-se autênticas revistas cor de rosa.
Na manchete da sua última edição, à esquerda - edição de fim de semana, para que não restem dúvidas - o Jornal de Negócios diz-nos que a economia da geringonça já deu o que tinha a dar. "Não dá mais"!
Na seguinte, na edição de hoje, no mesmo Jornal de Negócios, no mesmo espaço de manchete, diz-nos que a "Economia acelera para máximo de sete anos".
O que um fim de semana faz!
Todos sabemos que este foi o fim de semana de 13 de Maio. Como foi extraordinário e provavelmente irrepetível. Mas ninguém imaginaria que tivesse virado do avesso as perspectivas da economia portuguesa. Mas é para isso que temos jornais como o Jornal de Negócios: é para nos mostrar com tanta clareza aquilo que nem nos passa pela imaginação.
E se agora vos disser que a manchete de hoje não tem nada a ver com o fim de semana? Que tem apenas e só a ver com o que o INE vai hoje anunciar, que o crescimento económico do primeiro trimestre é o maior dos últimos sete anos?
Desconfio que me dirão que é ainda mais extraordinário que o extraordinário fim de semana que acabamos de viver...
Ricardo Salgado enche as primeiras páginas de todos os jornais de hoje, incluindo as do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias, que num primeiro momento ignoraram o que foi o acontecimento do dia. Da semana, do mês ou do ano...
Mais curioso que isso é reparar como os jornalistas económicos dão ao acontecimento uma dimensão revolucionária. Para eles, foi um velho regime que caiu e entramos numa nova ordem. Económica, mas também política... Logo eles, que só agora vêm e qualificam o velho regime com que, mais que conviver nas paz dos anjos e dos espíritos santos, promoveram e defenderam com unhas e dentes.
É realmente muito estranho ver as mesmas caras nas televisões, e os mesmos nomes nos jornais, a desfiar pecados que há bem pouco eram virtudes!
Acompanhe-nos
Pesquisar
Subscrever por e-mail
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.