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Quinta Emenda

Tenho o direito de ficar calado. Mas não fico!

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Vuelta 2023 - Lições

Team Quick Step's Belgian rider Remco Evenepoel celebrates winning the stage 18 of the 2023 La Vuelta

A 18ª etapa da Vuelta, hoje corrida pelas montanhas das Astúrias, era a última de alta montanha. Das três que faltam apenas a de sábado, a penúltima, uma daquelas tipo montanha russa de que Rui Costa gosta, poderá alterar, e ainda assim muito pouco, do pouco que pode mudar na classificação.

Sendo uma etapa de elevado grau de dificuldade, e tendo praticamente decidido a Vuelta, foi mais que uma etapa de confirmação da classe de Evenepoel, que entrou em fuga 12 quilómetros depois da partida, correu na frente os restantes 167, deixou para trás quem quis, e quando quis, ganhou as três classificações de montanha e garantiu a  respectiva camisola, e chegou isolado à meta, com quase 5 minutos de vantagem para o segundo (Caruso) e 10 para os principais da classificação geral. Foi uma lição de vida!

Foi, antes de mais, uma lição de ciclismo de Evenepoel. Mas também uma lição de vida. Esteve para abandonar depois da "catástrofe" do Tourmalet. Disse que foi a mulher que lhe pediu que não o fizesse e, por ela, continuou. E voltou a dar espectáculo como nenhum outro, e a ganhar. Ontem parecia ter desaparecido, depois de ter entrado em mais um fuga. Não desapareceu, apenas percebeu que não valia a pena investir nela. Que não era a certa, e mais valia resguardar-se para hoje. Para ganhar pela terceira vez, e demonstrar que é, física e mentalmente, um campeão.

Mas foi acima de tudo uma lição de vida de Vingegaard. A novela da Jumbo, com Kuss, Vingegaard e Roglic como personagens, tem aqui sido bastamente relatada. Quando, ontem, a juntar ao que já se passara na véspera, depois de deixar a liderança de Kuss presa apenas por 8 segundos, Vingegaard disse que gostaria que o seu companheiro ganhasse a Vuelta, a declaração soou ao mais vil da hipocrisia. Kuss só não acabara de perder a "vermelha" por ter tido a ajuda de Mikel Landa, e por em cima da meta o ter passado para assegurar os pontos da bonificação pelo terceiro lugar. Pediu desculpa ao corredor espanhol, disse-lhe que tinha vergonha do que acabara de lhe fazer, mas que a isso tinha sido obrigado pelos colegas de equipa.

É difícil intrepretar de outra forma aquela declaração do vencedor do Tour. Mas é possível acreditar que se arrependeu. Mas também que a direcção da equipa, porventura com receios de danos de imagem, tenha sido obrigada a reconhecer que os ataques de Roglic e Vingegaard a Kus passavam a ser intoleráveis.

Fosse pelo que fosse, a verdade é que, hoje, o campeão dinamarquês redimiu-se. A apenas 8 segundos do seu colega de equipa, hoje teve tudo para lhe ganhar essa diferença e até muito mais. E renunciou sempre. Na última subida, nos últimos 4 quilómetros, a mais de 10 minutos de Evenepoel, o grupo dos primeiros estava reduzido a seis corredores. Eles os três, e ainda os espanhóis Ayuso,  Mikel Landa e Enric Mas, os três a disputar o quarto lugar da geral, separados por 30 segundos. 

Todos atacaram, para se atacarem. A cada ataque de cada um deles, bastaria a Vingegaard responder para deixar Kuss para trás. Nunca o fez. Pelo contrário manteve o ritmo, impediu as tentações de Roglic, segurou sempre Kuss e acabou sempre a anular as tentativas dos espanhóis. Mas fez mais: nos últimos metros abrandou e deixou que os outros cinco se fizessem à meta, entregando 9 segundos ao seu colega. Para lhe dar a tranquilidade de 17 segundos de vantagem na liderança!

Não tenho a certeza que tenha sido bonito, mas foi o final feliz de uma novela que não estava a ser bonita. E Kuss vai certamente ganhar a Vuelta. Como merece. Como é justo. Não é o ciclista mais forte desta Vuelta, onde só faltou Pogacar para estarem todos os melhores do mundo. Evenepoel - traído pela súbita quebra no Tourmalet, mas isso é ciclismo -, Roglic e Vinguegaard, são mais fortes. Sem dúvida. Mas, por tudo o que tem feito por eles ao longo de anos, Kuss merecia a gratidão que tardou em ser demonstrada.

E só não consigo dizer que foi bonito porque Jonas Vingegaard deu, mas quis mostrar que estava a dar. Bonito é dar sem exibir. Já Roglic, nem isso.

João Almeida hoje não esteve nos melhores dias. Descolou do grupo dos primeiros ainda na penúltima subida, para depois fazer o que já é habitual - ir recuperando lugares. Perdeu cerca de 1 minuto, um pouco menos, para os seis primeiros. E manteve naturalmente o 9º lugar na geral, de onde dificilmente sairá.

 

 

 

Vuelta 2023 - Liberdade na ditadura da Jumbo

Roglic no cree que el Tour vaya a ser un duelo entre Pogacar y él

Tinha aqui escrito que Vingegaard e Roglic aguardariam ansiosamente um ataque de Ayuso, o quarto da geral e o primeiro fora da Jumbo para, nas últimas altas montanhas desta semana final, atacarem a liderança de Kuss.  Queria com isso dizer que tinha por certo que ambos queriam ganhar a Vuelta, mas que, nem eles, nem a direcção da Jumbo, teriam "lata" para atacar directamente o colega. O fiel escudeiro que tanto tem trabalhado para as suas vitórias, e que inesperadamente vira chegar a sua vez de ganhar. 

Estava enganado. Nem Ayuso, nem qualquer outro adversário, lhes deram essa oportunidade, e precisaram de outros pretextos. E até de pretexto nenhum.

Ontem, na 16ª etapa, entre Liencres Playa e Bejes lá no alto de La Hermida, bastou a Vingegaard o pretexto de  homenagear o colega Van Hooydonck, vítima nesse mesmo dia de um ataque cardíaco, seguido de despiste, quando seguia ao volante do seu carro, na Bélgica, e em crítico estado de saúde. Ganha-la-ia de qualquer forma, sem necessitar de deixar Kuss em dificuldades. Mas não. Atacou a sério, para ganhar a etapa e atacar a liderança. Ganhou mais de um minuto a Kuss e a Roglic, ficando a apenas 29 segundos da vermelha, e retirando o segundo lugar ao esloveno.

Hoje, na etapa mais dura da Vuelta, com a meta no mítico L`Angliru, já nem precisaram de pretexto algum. Simplesmente seguiam os três na frente, e iriam repetir o inédito feito do Tourmalet. Mas não. E desta vez foi Roglic. Atacou e Vinguegaard seguiu-o, deixando Kuss para trás. Era o dia do aniversário do americano, mas nem isso lhe valeu. 

Valeu-lhe o espanhol Mikel Landa, um adversário da Bahrein, que se lhe juntou e o levou na roda até à meta, onde Roglic fora primeiro, sem discussão com Vingegaard (também era só o que faltava). kuss até acabou por ser terceiro, repetindo o feito da equipa no Tourmalet. Mas foi um adversário que lhe deu a prenda de anos que os colegas lhe negaram, e que lhe permitiu até manter a camisola vermelha, agora presa por apenas 8 segundos. Para Vingegaard. Para Roglic, é mais um minuto. Nada que não resolvam certamente amanhã, o último dia de alta montanha.

Dizem, da equipa, que os três gozam de liberdade total para fazerem o que quiserem na corrida. Afinal há liberdade na ditadura que a Jumbo instalou nesta Vuelta. Não há é gratidão. Nem sequer respeito.

Também na UAE não funciona essa coisa a que se chama equipa. Já se tinha visto noutras ocasiões, em muitas delas com João Almeida com razões de queixa. Hoje foi ao contrário. Foi o português, com mais uma excelente prestação - sexto na etapa, a 58 segundos de Roglic - que se esteve nas tintas para Ayuso e para Soler. O jovem espanhol ainda se aguentou. Foi nono na etapa e segurou o quarto lugar da geral, se bem que já muito apertado por Landa, a apenas 16 segundos. Soler afundou-se, e caiu de sexto, a apenas 3 minutos de Kuss, para 13º, a 22. E foi justamente à sua conta que João Almeida, a acabar a Vuelta ao seu melhor nível (Kuss deve-lhe a ele não ter perdido já ontem a liderança, pois foi ele a "dar sapatada" que reduziu a vantagem de Vingegaard) subiu a nono, e praticamente garantiu um lugar no top 10. 

Ah... E Evenepoel já não é notícia. Mas ainda tem que defender amanhã o primeiro lugar da classificação da montanha.

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