De gravata preta, depois da festa do Pontal e das férias, Luís Montenegro apareceu nas televisões a pedir desculpa por alguma coisa que pudesse ter corrido mal. Não é que tivesse essa percepção, mas admitia que algumas pessoas a tivessem. Pelo caminho, e para trocar as voltas às percepções, propagandeou uma quantidade de medidas de apoio às populações assoladas pelos incêndios, com destaque para aisenção de taxas moderadoras no SNS, que já não existem desde maio de 2022.
De mal, a pior!
Para as televisões tudo se resume a um problema de comunicação do governo. Afinal, Montenegro queria referir-se às taxas moderadoras sem referenciação prévia.
Mas não. Se calhar o único problema que o governo não tem é o da comunicação. Está entregue ao António Cunha Vaz e, ao contrário da grande maioria do governo, esse é um profissional competente. Claro que também tem férias, e certamente também em Agosto...
O problema do governo é a competência. O problema do governo são as baratas tontas que por lá andam. Já o problema de nos tomar por parvos é nosso. Não é do governo!
No mundo de percepções em que decidiu fingir governar, Montenegro deixou ontem, na festa do Pontal, que toda a gente percebesse que ele não percebe que o país está perceber que ele não percebe nada do que está a acontecer.
Aí está o Luís a trabalhar... O Luís a trabalhar é dizer uma coisa, e fazer outra. Exactamente o contrário. É anunciar bons princípios, para os destruir por completo ao implementá-los.
Fez isso na imigração e na atribuição da nacionalidade. Anunciando que iria criar condições para a integração dos imigrantes, acabou a impedir a reunião de famílias. Como se o mais decisivo factor de integração não fosse a estabilidade familiar, a vida normal em família, os pais e os filhos, e estes nas escolas. Definiu condições que dificultam a atribuição da nacionalidade a imigrantes a trabalhar no país, que não faz aplicar quando, sem qualquer condição ou limitação, atribui a nacionalidade a gente que nem sequer vive no país.
Na proposta de legislação laboral - a reforma que Passos Coelho lamentou ter deixado por fazer - dada hoje (último dia de Julho, à porta das férias, a que se seguirá de imediato a campanha eleitoral para as autárquicas) a conhecer, repete a dose. Anuncia o que subverte por completo na proposta.
Começa por lhe chamar "Trabalho XXI", quando toda ela cheira a "Trabalho XIX".
Diz ter por objectivo “a dinamização da contratação colectiva, o combate à precariedade laboral e uma conciliação equilibrada entre a vida pessoal e a vida profissional”. Mas coloca a caducidade das convenções colectivas nas mãos do empregador. Reintroduz a “remissão abdicativa”, eliminada na "Agenda do Trabalho Digno", em 2023. Elimina outra mudança introduzida na Agenda do Trabalho Digno, a proibição de recorrer ao outsourcing, nos doze meses seguintes, para substituir trabalhadores que tivessem sido afastados por despedimento colectivo ou extinção de posto de trabalho. Introduz os bancos de horas individuais, por acordo directo entre trabalhador e empregador, que estavam eliminados desde 2019 (apenas podiam ser acordados por negociação colectiva, ou com um carácter grupal se aplicado a um grupo de trabalhadores de uma empresa). O conceito de “trabalhadores independentes economicamente dependentes”, que visa esbater a precaridade, antes aplicado quando metade do rendimento em (falsos) recibos verdes era proveniente da mesma empresa, passa agora para 80%. No mesmo sentido revoga as regras de presunção de laboralidade para os trabalhadores das plataformas digitais, estabelecidas em 2023 na "Agenda do Trabalho Digno".
É isto, o Luís a trabalhar. A fazer o trabalho. Cheio de boas intenções, mas lesto a mandá-las para o inferno!
Há um ano, Passos entrou para, sob a bandeira da AD, fazer a campanha do Chega. Desta vez parece que já não é preciso.
Cavaco, das acções do BPN, da casa da Coelha, do aumento de capital do BES, não precisa de muito para sair do formol. Aprecia - e precisa - cada vez mais a bajulação e, ser declarado mentor e mestre de Montenegro é, por esta altura, o máximo a que pode aspirar. Por isso ainda ontem escrevia no "Observador" que não encontrou ninguém com qualquer "superioridade em relação ao actual Primeiro-Ministro na dimensão ética e moral na vida política".
Nem será tanto esta bênção a dizer muito da ética e dos princípios de Montenegro. Diz bem mais que estes dois, nas mesmas circunstâncias, nem sequer se tenham querido aproximar de outros. Como, por exemplo, de Rui Rio.
Há apoios de peso. Mas há também o peso dos apoios!
- O primeiro-ministro, como de resto todos os titulares de cargos políticos, e de altos cargos públicos, está obrigado, pela Lei nº 52-2019, a apresentar a "declaração de registo de interesses";
- Conforme estipulado no número 2 do artigo 15º dessa Lei, a “ Assembleia da República e o Governo publicam obrigatoriamente nos respectivos sítios da Internet os elementos da declaração única relativos ao registo de interesses dos respectivos titulares”;
- Luís Montenegro não cumpriu a Lei, como contornou outras, com a desmultiplicação de contas bancárias por forma a não atingir os saldos que tinham que obrigatoriamente de ser declarados;
- O Registo de Interesses que, por lei, como acima se viu, tem obrigatoriamente que ser publicado no site do governo, foi tornado público por outra forma no dia seguinte;
- Ou seja, foi tornada pública uma coisa que, por lei, teria de ser tornada pública;
É isto, não é?
É. E, para os talibãs, é este o problema!
O problema não é Luís Montenegro não ter cumprido com as obrigações legais a que estava obrigado.
O problema não é que, por se recusar a cumprir com essas obrigações, Luís Montenegro tenha mandado o país para eleições.
O problema não é Luís Montenegro ter começado por apresentar uma empresa de gestão de património familiar, ter depois passado a especialista em protecção de dados, para - até ver, aconselha a prudência - acabar especialista em reestruturação de empresas, e em consultadoria de gestão.
O problema não é o jurista Luís Montenegro, a meias com três pessoas, uma das quais educadora de infância, e dois estudantes, numa empresa sediada na sua sala de jantar, prestar serviços de consultadoria de gestão a empresas que facturam dezenas ou centenas de milhões de euros.
O problema não é por que empresas de grande dimensão, e com negócios de milhões com o Estado, recorrem aos serviços de Luís Montenegro, e não às consultores de nomeada que operam no país.
O problema - querem eles que seja - é a Declaração de Interesses de Montenegro ter sido tornada pública, quando era mesmo obrigatório que fosse pública.
Não! O problema é que tudo isto tresanda a esquemas manhosos. Tão fétido que já não se aguenta.
Primeiro o povo correu aos supermercados e às bombas de gasolina. Depois passou a tarde nas filas e, por fim, bateu palmas à janela, ou nas ruas, à medida que a luz vinha regressando.
O povo não percebe nada de política energética, nem sabe que são os chineses que mandam na rede eléctrica. Mas ouviu Montenegro dizer que o problema nasceu em Espanha, e que foi com ele ao comando, a estabelecer prioridades, a garantir que a Saúde funcionava e que os hospitais tinham geradores e gasóleo, que o país resistiu incólume ao apagão.
Com as dispensas cheias de conservas e papel higiénico, o povo ouviu e gostou. E vai amanhã ouvir, e gostar de ouvir, Toni Carreira nos jardins de S. Bento, a festejar o 25 de Abril de Montenegro, empurrado pelo luto para a um salto no calendário.
O povo não sabe, nem quer saber, que a Protecção Civil andou à nora, que o governo ficou atarantado, que o Presidente da República esteve desaparecido, que o SIRESP voltou a não funcionar, que as estruturas estratégicas para a segurança e para a soberania estão à mercê do acaso, ou que o país não tem sequer um plano para uma coisa que corra mal em Espanha. E Montenegro sabe disso...
Se há coisa que Montenegro conhece bem, é o povo. E por isso lhe é tão fácil "montenegrisar" o país!
Ontem foi notícia - em primeira mão no Observador, e depois replicada em toda a comunicação social - que o Ministério Público tinha aberto uma "averiguação preventiva" a Pedro Nuno Santos, pela compra de uma casa em Lisboa, e outra em Montemor-o-Novo.
O procedimento, idêntico ao utilizado para Luís Montenegro, decorreu de uma denúncia anónima. O objecto da denúncia - a compra das duas casas - já tinha sido notícia em 2023, e nessa altura esclarecido. Não é por isso muito difícil perceber a motivação dessa denúncia anónima, e não será especulação ilegítima afirmar que se pretendeu meter no mesmo saco as casas de Montenegro e as de Pedro Nuno Santos.
Não cabem no mesmo saco. Parece até que, para as de Montenegro, nem há saco em que caibam. Mas a reacção dos dois visados, essa, não tem mesmo comparação.
É que, enquanto Luís Montenegro continua a gaguejar, a responder ao que não lhe perguntam e a deixar sem resposta o que lhe perguntam, à espera que o tempo, e as eleições, tudo resolvam por esquecimento, Pedro Nuno Santos disponibilizou de imediato toda a documentação. E toda, é toda mesmo!
Chama-se a isto ir buscar lã e sair tosquiado. Ah ... e esta é bem apanhada: "as denúncias são anónimas, mas a verdade é pública"!
A Lili Caneças disse que Pedro Nuno Santos parecia que estava sempre a ralhar com toda a gente, e o líder do PS, não só lhe respondeu de imediato, como - é já visível - alterou alguns padrões de imagem.
Pedro Nuno Santos já não aparece como se estivesse zangado com toda a gente, e está a sair beneficiado, com uma imagem de cordialidade, de pessoa cordata e dialogante.
A Lili Caneças prestou um bom serviço ao Pedro Nuno mas, sob pena de ser acusada de parcialidade, ficou com a responsabilidade de um gesto idêntico a favor Luís Montenegro. Que já tarda.
Custa-me a perceber como é que a senhora ainda não disse que, naquele sorrizinho, Montenegro parece que está sempre a gozar com os portugueses ... Vá, Lili. Diga-lhe isso. Já não vai a tempo de evitar a tolerância de ponto da quinta-feira santa, mas vai ver que o Luís não volta a obrigar mais ministro nenhum a fazer piruetas, mortais, carpados e flic-flacs quando falar em défice para os próximos anos. E que ainda acaba a dizer que ... realmente ... aquele hino ... pronto, não é para levar a sério...
Admitia-se que a ideia que Montenegro tinha por certa que, indo para eleições, resolvia todos os seus problemas, pudesse estar errada. As notícias não se vão limitando a confirmar que era mesmo errada, vão-se encarregando de destruir pela base os argumentos de Montenegro.
A de hoje, no Expresso, por exemplo, destrói o argumento "não posso ser culpado por ter trabalhado quando não estava em funções políticas". Ao revelar que a família Barros Rodrigues, dona da gasolineira em Braga a quem a Spinumviva facturou 200 mil euros em 2022, pelo dito trabalho de reestruturação financeira, não só é o principal doador do partido, como entregou a maior parte dos donativos depois de Luís Montenegro ter anunciado a sua candidatura à liderança, confirma a contaminação entre a actividade profissional e as funções políticas. Que Luís Montenegro sempre tem negado!
O António Leitão Amaro é ministro da presidência e figura de proa da entourage de Montenegro, onde fez vida como conspirador-mor. É o tipo que, no governo e no partido, Montenegro escalou para trauliteiro de serviço. No Parlamento tem outro, mas em regime de chefe de orquestra.
Com aquela pose de "enfant terrible", que não consegue terminar uma frase sem um sorriso entre o cínico e o auto-contemplativo, presta-se a isso. Mas não sabe fazer outra coisa!
Com as sondagens de feição, a confirmarem que em Portugal o incumbente é invencível (só por duas vezes o primeiro-ministro em exercício não ganhou - Santana Lopes, em 2005 e Sócrates, em 2011, nas condições extremas que são conhecidas), e que Pedro Nuno Santos não consegue convencer ninguém, não se percebe que raio de necessidade teria Leitão Amaro para alegar que nunca viabilizaria um governo minoritário do PS, no tal critério de reciprocidade, porque os portugueses não o querem, por o PS ter derrubado o governo.
Leitão Amaro sabe bem que os mesmos estudos de opinião que lhe dizem que Montenegro vai ganhar as eleições, também lhe dizem que sabem que não foi o PS a derrubar o governo. Que sabem que foi o governo que se atirou para o chão, que foi Montenegro que mergulhou para o penálti. E também dizem que ele não é exactamente "flor que se cheire", mas que é quem lá está...
O "puto" sabe isso tudo. Não sabe é fazer de outra maneira.
Mas isso não é problema é dele. É de Montenegro!
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