Mais do que a dúvida, campanha está lançada. Denunciante, ou criminoso?
Criminoso? Certamente!
Denunciante? Poderá ser que sim, poderá provavelmente vir a sê-lo, mas não o é!
O Luanda Leaks é, para já, a onda que os advogados de Rui Pinto estão a cavalgar para lançar a dúvida e a campanha. Uma coisa é certa: Rui Pinto não ficou a ser conhecido por ser denunciante. Ficou a ser conhecido, saltou para as primeiras páginas dos jornais e para os ecrans das televisões pela prática de actos criminosos. Não fez uma única denúncia, nem em qualquer circunstância entregou o que quer que fosse à Justiça!
Esta semana não se falou de outra coisa. As revelações do Luanda Leaks, Isabel dos Santos e as suas empresas, os seus investimentos e os seus amigos em Portugal, dominaram completamente a agenda mediática.
E no entanto ninguém abriu a boa de espanto quando, mesmo no fim do fim-de-semana, se começou a ouvir falar do que saltava do Luanda Leaks.
Que a filha de José Eduardo dos Santos utilizou o poder do pai, velho de 40 anos, para canalizar dinheiro do Estado Angolano para os seus próprios negócios era um dado mais do que adquirido. E conhecido de toda a gente. Desde os que a acompanhavam aos que lhe foram estendendo as passadeiras.
Mas em Portugal nunca ninguém deu importância a isso. Importante foi sempre o dinheiro que Isabel dos Santos trazia. De onde vinha e com aqui chegara não interessava a ninguém. Nem aos parceiros de negócios, nem aos reguladores, nem ao poder político, nem à Justiça.
Não se pode dizer que, de repente, na segunda-feira, tudo mudou. É verdade que vimos de imediato muita da nossa melhor gente a saltar fora, como ratos a abandonar o navio. Mas já tudo vinha mudando desde que o poder mudou de mãos em Angola, e se percebeu que Isabel dos Santos ficara do lado de fora.
Porque é sempre disso que se trata. Da posição relativa face ao poder em Angola. Em Portugal, governos, elites e instituições serviram reverencialmente José Eduardo dos Santos, o seu regime e a sua gente, exactamente como agora fazem com o poder instalado em Luanda.
Tudo que não seja assim, é “irritante”. Como lhe chamou o próprio primeiro-ministro quando, há ano e meio, ou por aí, resumiu a isso a insistência da Justiça portuguesa em julgar Manuel Vicente, em contramão com o poder de Luanda, que o mantinha no lado de dentro.
Não deixa de ser curioso que tenha acabado de aterrar em Lisboa Hélder Pitta Grós, o general que é Procurador-Geral da República de Angola, justamente o rosto do finca-pé do “irritante”. Vem agora pedir a colaboração das autoridades portuguesas na investigação a Isabel dos Santos.
Irritante, irritante mesmo, será se não aproveitarem para lhe perguntar como é que vai por lá o tão requisitado processo de Manuel Vicente…
Sem surpresa, o Luanda Leaks volta a mostrar-nos a verdadeira face das nossas elites e das nossas instituições. De repente, percebemos que tudo o que todos nós, simples cidadãos comuns, há muito tínhamos percebido, é uma enorme surpresa para quem tem por responsabilidade tomar conta disto.
Portugal constituiu uma plataforma decisiva no processo de enriquecimento ilícito e despudorado de Isabel dos Santos. Lavando-lhe, por um lado, o dinheiro e dando-lhe, por outro, credibilidade internacional. Todos sabemos como o país se pôs de cócoras perante o dinheiro da elite corrupta angolana, é coisa tão recente que nem é preciso apelar à memória. O país precisava de dinheiro, e sabe-se como, em Portugal, a necessidade de dinheiro corre em sentido contrário ao da vergonha. Quanto maior é a necessidade de dinheiro menor é a vergonha!
Por isso, os que ajudaram Isabel dos Santos a lavar o dinheiro e a imagem, e que foram os facilitadores da sua projecção internacional, vendendo uma história de sucesso em vez de mais uma história de corrupção num país africano pobre, são os mesmos que hoje suspiram ais de preocupação ou anunciam aos sete ventos o corte de relações comerciais.
Curioso é que, por exemplo, o Banco de Portugal (sempre o Banco de Portugal!), para além de nunca se ter preocupado com a origem dos capitais que cá chegavam, nunca tenha encontrado qualquer problema no facto do banco de Isabel dos Santos ser presidido pelo ministro das finanças que lho entregou nas condições que todos nos lembramos. Ex-ministro que ontem foi dos primeiros a anunciar o corte de relações com a patroa, sem que ninguém saiba muito bem o que isso quer dizer...
Num fim de semana cheio e intenso - também desportivamente, mas esse não é para aqui chamado -, que parecia ter o seu ponto alto nas directas do PSD, onde a confirmação de Rui Rio não parece nada acabar com o clima de guerrilha interna há muito instalado no partido, o melhor estava reservado para o fim. É normalmente assim!
A divulgação dos dados encontrados pela investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas, já conhecida por Luanda Leaks, acabou por fechar o fim de semana lá bem em cima. Não é que nunca tenhamos ouvido falar em qualquer das situações agora reveladas; a maior parte do que acaba de ser revelado não é novidade, e muito menos surpresa. Mas uma coisa é a percepção pelo rumor, outra é a revelação de dados investigados e confirmados, com nomes, números e datas. Mesmo que, como já vimos noutras investigações do mesmo Consórcio, e noutros Leaks, muita coisa acabe por dar em pouco mais que nada.
Para já, Isabel dos Santos já não vai a Davos. Foi-lhe retirado o convite. E provavelmente terá que rapidamente se afastar de todos investimentos em que o seu nome não esteja escondido atrás de complexas e espessas teias de holdings e off-shores.
Até porque não foi apanhada desprevenida. Percebe-se isso quando, uma mulher que sempre fugiu da exposição mediática, que nunca se deixou aproximar de jornalistas, e que fez de fotógrafos verdadeiros inimigos, reage de imediato no Twitter, mesmo que recorrendo a velhas e gastas acusações de racismo e colonialismo. Como já se tinha percebido pela entrevista à RTP, a primeira de toda a sua vida, difundida na passada quarta-feira, onde nos deixara com uma ideia de fuga para a frente com o alto patrocínio da televisão pública portuguesa.
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