Tudo aponta para que desta é que seja. Que desta vez a União Europeia faça prova de vida, e se relance como projecto de futuro. Ou, pelo menos, para já com futuro.
O plano de financiamento à economia europeia de 500 mil milhões de euros, que ontem Macron e Merkel apresentaram, confirma isso mesmo; que desta vez é que é. Porque, em cima de todas as esperanças que têm vindo a ser semeadas pelo BCE, e especialmente pela nova líder da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, sai agora directamente das duas maiores potências da União.
Não sei se é o dinheiro suficiente, mesmo que seja muito. Mas o compromisso da Alemanha com um financiamento desta ordem, obtido por mutualização de dívida e a distribuir a fundo perdido pelas economias mais profundamente atingidas pela pandemia, é verdadeiramente revolucionário. É a própria revolução: "de cada um conforme as suas possibilidades, a cada um conforme as suas necessidades"!
Macron e Merkel não falaram de mutualização, nem de fundo perdido. É certo que não, sabem que essas são ainda palavras proibidas. São palavras que chocam os suspeitos do costume, e que requerem por isso certos cuidados. Mas as coisas são o que são, independentemente das palavras utilizadas para as descrever.
Tal como a Alemanha é o que é. E, sem ela, os suspeitos do costume não são o que são!
Trump vem a Portugal. Só não tem ainda data marcada, diz o presidente Marcelo. É o que se chama matar o assunto à nascença. Não tem importância nenhuma. Pronto, não se fala mais nisso.
Entretanto vai a Paris e canta a marselhesa ao lado de Macron, na parada militar do dia da tomada da Bastilha... Como se não estivesse a cantar o hino oficial de um país estrangeiro, no seu dia nacional...
Os movimentos populares de protesto, caracterizadamente inorgânicos, estão a espalhar-se por todo mundo, em resultado da progressiva falência dos mecanismos políticos de representação e da crescente influência das redes sociais no papel da comunicação.
A França tem, no entanto, bastante tradição em movimentos sociais inorgânicos. Do nada, surgem frequentemente grandes fenómenos de contestação, movimentos de massas espontâneos à margem de mecanismos de organização, que acabam normalmente em grandes expressões de violência.
Os chamados "gilets jaunes" que, ao que parece, acabam de obter ganhos de causa perante Macron, não são por isso grande novidade. Mas não deixa de ser surpreendente que um movimento desta natureza e dimensão tenha surgido tão cedo no mandato de Macron, cuja eleição não é, ela própria, alheia ao último suspiro dos mais convencionais mecanismos de representação da sociedade e da democracia francesas.
Recorde-se que Macron foi eleito há apenas ano e meio, depois de um terramoto político que reduziu a pó os partidos políticos convencionais, e de poder. Que veio de fora do sistema, e que é, também ele, uma emanação do esgotamento dos velhos instrumentos de representação, que entregou o eleitorado a Marine Le Pen. Que, em última instância, acabou em factor crítico de sucesso da sua eleição.
O que me parece que isto quer dizer é que desengane-se quem achar que o sistema é reconvertível através de uma nova geração de políticos mais ou menos assépticos, pragmáticos e ideologicamente virgens.
Ficamos todos muito impressionados com aquele ministro francês que se demitiu do governo de Macron numa entrevista, em directo, surpreendendo tudo e todos. Desde logo o próprio entrevistador, atónito.
Mas também o chefe do governo e o presidente Macron. Que o tinha convidado, percebe-se agora como se teria percebido na altura, para o papel de jarra decorativa. Ou daquela peça que fica sempre bem na parede, na mesa, na estante, ou até num governo…
NIcolas Hulot, o ministro que teve esta ousadia, é um conhecido ambientalista, um dos mais reputados activistas europeus da causa ecológica, jornalista e produtor de televisão. Uma daquelas personalidades mediáticas, com prestígio em nichos de modernidade normalmente descurados pelo poder, frequentemente até franjas activas de contra-poder.
Aceitou o convite de Macron, provavelmente convencido que o jovem acabado de eleger presidente francês era a pedrada no charco que decididamente agitaria as águas poluídas da política francesa. Se não de deixou seduzir pelo poder, pelo menos deixou-se seduzir por Macron.
Depois de mais de um ano à espera de dar tempo ao tempo, percebeu que não passava de figura decorativa, e que as convicções ambientalistas de Macron e do seu governo se ficavam pelo discurso. Bateu com a porta e disse basta! Com todas as letras de uma frase que tem tudo para ficar histórica: “Não quero continuar a mentir a mim próprio”!
Pode não ficar na História, mas fica a lição. Uma lição que vem lá de fora, mesmo que não sirva de nada cá dentro…
Na crista da onda que o levou ao poder, e fazendo dos grandes temas da actualidade bandeira e alavanca, Macron convidou para a pasta do ambiente um conhecido ambientalista - NIcolas Hulot - activista da causa, jornalista e apresentador de televisão.
Até aqui, tudo normal. É frequente que os políticos se socorram de personalidades mediáticas, e/ou com prestígio em nichos de modernidade normalmente descurados pelo poder, ou mesmo próprios de franjas de contra-poder. Da mesma forma que também não é raro que activistas de certas áreas se deixem seduzir pelo poder, por puro deslumbramento, umas vezes, por convicção nos resultados da sua contribuição, noutras.
Quando isso acontece por deslumbramento, como quase sempre sucede por cá, não há grande volta a dar. Acomodam-se, esquecem rapidamente as causas que lhe deram notoriedade e, mandando os princípios às malvas, não incomodam nem afrontam o poder que integram. Quando isso é suportado na convicção e na crença em mudar o poder, se os resultados falham, resta apenas a frustração e o incontornável bater com a porta. Com mais ou menos estrondo...
Nicolas Hulot escolheu bater com a porta com uma força nunca vista. Em directo, numa entrevista numa televisão, apresentou a sua demissão. Publicamente, dando conta de toda a sua frustração pela sistemática irrelevância a que o governo e o presidente condenaram a sua acção e as suas propostas: “Não quero continuar a mentir a mim próprio. Não quero dar a ilusão de que a minha presença no Governo significa que estamos a avançar”!
A isto, não estamos habituados. Disto nunca vimos por cá.
Quando é de questões ambientais que se trata, quando vemos e sentimos tudo o que já está a acontecer, bater com a porta desta maneira é um murro na mesa que tem de se ouvir muito para além das fronteiras francesas.
Como já se sabia - só o Presidente Marcelo é que não sabia, mas isso é lá com ele... - Mário Centeno foi eleito por ... - não; isso de votos é que não se sabe - não interessa quantos votos, à segunda volta, presidente do eurogrupo. Mas que já se sabia, sabia. E não é por aqui termos dado previamente conta, ontem de manhã; nem pelo lapsus linguae do outrora irascível mas agora simpático Sr Dijsselbloem (ainda bem que vamos poder deixar de escrever este nome, espero...), quando à hora de almoço disse que sairia no dia 12 de Janeiro e que o Mário Centeno entraria a 13. De nada lhe valeu pedir para não o citarem...
Claro que hoje estamos todos contentes porque é prestigiante para ele próprio (e nós somos mauzinhos uns para os outros, mas gostamos que haja portugueses a mostrar aos outros "como é que é") e para o país e, se calhar e acima de tudo, porque é uma tareia do caraças naquela malta que, depois de nos esmifrar até à humilhação, passou a profeta do diabo que, por tabela, também mete o rabinho entre as pernas. Mas sabemos bem que quem manda nisto tudo é a Srª Merkel e o Sr Macron. E também sabemos bem quem manda neles, mas isso, agora, não vem para o caso.
Por isso é que, a partir do momento em que se soube que aqueles dois "se tinham deixado conquistar", se sabia que nada mais havia para decidir. Isto até o Marques Mendes (obrigado pelo título!) sabia, veja-se bem o artista em que Marcelo se transformou... Agora fala-se num enorme trabalho diplomático e numa esgotante correria de António Costa, em Abidjan, à volta de Merkel mas, na realidade, quem manda no euro dificilmente encontraria melhor que Centeno. E, melhor que o actual ministro das finanças do governo de Portugal, não encontraria de todo. Nisso tem Marcelo razão, mesmo que não fosse nisso que estivesse a pensar naquela recomendação mal amanhada (que Centeno não esquecesse que primeiro tinha sido ministro das finanças de Portugal) com cheiro a azia.
Esta primeira página do Expresso de 1 Abril, onde Marques Mendes mais uma vez se estampou, há oito meses já era clara: Centeno era sondado, era sujeito passivo. Os elogios de Schauble - veja-se bem as voltas que estas coisas dão -, chamando-lhe Cristiano Ronaldo do ecofin, não queriam evidentemente dizer outra coisa.
Porque agora é que Portugal serve realmente de bom aluno. Fez sempre bem tudo o que lhe mandaram fazer: fez bem quando fez ainda mais do que lhe mandaram, e fez ainda melhor quando passou a fazer diferente. E ter à frente do eurogrupo o ministro das finanças do governo português que fez diferente, é garantir os limites da diferença. É assegurar, por exemplo, que as absurdas ideias sobre a reestruturação da dívida nunca passarão disso. De absurdas!
Já não há dúvidas: Macron é o furacão que destruiu o sistema partidário francês.
Em apenas um ano formou um novo partido, tornou-se Presidente da República e passou a dominar por completo a cena política francesa, destroçando socialistas e republicanos, até aqui donos e senhores da política francesa. Nem a extrema-direita de Le Pen escapou.
A França já abanou. Espera-se que o abanão atinja a Europa...
Um lamento: com tanta agitação, não se esperava que fossem tantos os franceses a virar as costas às urnas. Um voto: que emendem isso na segunda volta. O momento histórico por que a França está a passar merece mais, não deve ficar manchado por abstenções de mais de 50%.
Não surpreende, a vitória de Macron. Era esperada, agora que, passado não se sabe bem o quê, voltamos a confiar nas sondagens. Os números, a expressão dessa vitória - mais de 66% - também não.
Poderá não surpreender os 90% de Paris, mas é um resultado notável. É verdade, em Paris Le Pen não passou dos 10%. E isso é uma excelente notícia.
Poderá também haver quem não se surpreenda com os 12% de bancos e nulos. Mas é um resultado eleitoral relevantíssimo, que dá conta da expressão do eleitorado que resiste ao voto útil. Que não vota pelo que não quer, mas apenas e tão só no que quer. Se calhar porque sabe que outros o farão por si. Quem sabe?
Regresso hoje às eleições presidenciais francesas, a dois dias da decisão final. Na primeira volta tudo aconteceu como previsto… pelas sondagens. Já não era sem tempo…
E os franceses vão agora decidir entre Macron e Marine Le Pen.
Parecia uma escolha fácil, como já fora no passado. Saindo da primeira volta à frente da candidata da extrema-direita racista e xenófoba, Macron terá também pensado assim. Que seria fácil ir buscar os votos que lhe faltavam para chegar à maioria.Talvez por isso tenha negligenciado os primeiros dias que se seguiram à votação de há duas semanas. Primeiro festejou - inapropriadamente, no tempo e no espaço - e, depois, meteu férias...
Le Pen, experiente e sabida, não perdeu um segundo. Não só não abandonou o terreno, como pegou em tudo o que mexesse, desmultiplicando-se em acções e em espectacularidade.
Manteve o discurso simples, populista e binário, sem se preocupar em articular uma só ideia. Sem substância e sem conseguir sequer sustentar os factores críticos das palavras-chave do seu discurso. Usou de plágio, para captar os votos de François Fillon. E dos piores truques e manhas da política, como se viu no único, mas longo, debate televisivo desta segunda fase da campanha, há dois dias atrás. Onde Macron, goste-se ou não das ideias que defende, fez toda a diferença: na seriedade, na capacidade intelectual, e na competência política.
Marine Le Pen, mesmo beneficiando do debate da primeira volta, quando - estranhamente - dando por assegurada a sua passagem à segunda volta, todos os candidatos fizeram de Macron o adversário principal, aumentado o grau de dificuldade das piruetas que agora se exigem para o apoio que obrigatoriamente lhe terão de dar, não será eleita.
Desta vez, já passou. Esperemos que não volte a estar lá tão perto!
* Da minha crónica de hoje na Cister FM
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