De repente, no fim-de-semana, deparamo-nos com um gigantesco movimento social em França que trouxe para a rua centenas de milhares de franceses, dispostos a bloquear o país. Envergam coletes amarelos, o "gilet jaune", como que a assinalar o tom de emergência do protesto. Ou a sua espontaneidade: não precisa de qualquer forma de organização, e o simples colete de segurança que são obrigados a trazer no carro serve-lhes perfeitamente de traje de propósito.
É um movimento popular, espontâneo e inorgânico, como é próprio dos tempos que correm. Sem cadeia de comando, sem receber ordens de ninguém, e sem parceiro de diálogo. Apenas a polícia, para negociar um corredor aqui, ou outro ali.
Não me parece que seja surpreendente. Pelo contrário, é uma daquelas coisas que muita gente estava à espera que acontecesse. É daquelas coisas cujos contornos vislumbramos com grande frequência nas redes sociais, em esboços que percebemos que podem engrossar e ganhar forma.
Em causa estão os aumentos nos preços dos combustíveis, mas poderia estar outra coisa qualquer. Motivos não faltam. Os agentes do poder político tudo têm feito para que não faltem motivos de revolta às suas gentes. E têm-no até feito com arrogância, com muita arrogância para que a revolta seja ainda maior!
Numa reportagem que passou numa televisão, um sujeito já bem entrado na idade, com ar de quem estava ali a assistir aos acontecimentos na primeira fila, dizia com uma admirável tranquilidade: "sabe, quando eles não fazem as reformas que têm para fazer, terá que ser a revolução a fazer o que não foi feito".
Imaginei-o 50 anos mais novo. Imaginei-o naquele Maio de 68, a exigir razoavelmente o impossível e a proibir que fosse proibido. E imaginei-me a dizer-lhe que as revoluções já não são o que eram. Que já não se fazem revoluções como antigamente ...
A década de 60 terá sido das mais gloriosas – deixem-me chamar-lhe assim - do século passado, com uma rara concentração de factos e acontecimentos históricos decisivos. Se tivéssemos que escolher um ano para príncipe dessa década, provavelmente 1968 seria o escolhido: Martin Luther King e Robert Kennedy, depois do seu irmão, o presidente John Kennedy, cinco anos antes, foram assassinados; Nixon foi eleito presidente da América, onde o protesto contra a guerra no Vietname rompia com o “establishment” e abria portas a novas formas de activismo político, que atravessaria o Atlântico para se instalar e ganhar forma de revolução nas ruas empedradas de Paris.
Tudo começou na universidade, como então acontecia por todo o lado, ou não fossem os estudantes de 60 a vanguarda revolucionária do Ocidente, mas depressa atravessou a sociedade e chegou às fábricas, atropelando todas as estruturas orgânicas. Revolução tão curta mas tão profunda, que proibia que se proibisse e proclamava o realismo de exigir o impossível, nunca se vira. Nem nunca mais se viu!
Foi há 50 anos, o Maio de 68. Durou menos de um mês, a 30 de Maio De Gaule anunciou eleições para Junho, e tudo voltou ao seu lugar. Mas – não tenham dúvidas - nada ficou na mesma. Mesmo que De Gaule tenha voltado a ganhar nas eleições de 23 de Junho…
Tudo voltou ao seu lugar, mas o lugar que cada um encontrou de volta já não era, nem nunca mais foi, o mesmo.
Comemora-se hoje mais um cinquentenário. Faz hoje 50 anos que, em Paris, os estudantes ocuparam a universidade de Nanterre, abrindo um mês que prometeu mudar o mundo, quebrando tudo o que havia para quebrar e rompendo com tudo o que havia para romper.
Não durou muito, e foi por pouco tempo que foi "proibido proibir". A "imaginação não chegou ao poder", e De Gaule até foi mesmo reeleito. Mas foi bom enquanto durou. E bonito, muito bonito...
Acompanhe-nos
Pesquisar
Subscrever por e-mail
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.