Carla Alves, seja lá quem for, tomou ontem posse como Secretária de Estado da Agricultura. Hoje, está nas primeiras páginas dos jornais, e no topo da actualidade nacional, como mais um caso. Ou casinho. Ou melro ...
Diz que as contas bancárias arrestadas, e os processos judiciais por a bota (aquelas contas) não bater com a perdigota (dos rendimentos declarados), não são assunto seu. Mas do marido, por acaso também metido nas lides. Foi presidente de câmara. É isso. Nestes caso há sempre o marido. Ou a mulher. Ou o filho. Ou a filha. Ou o primo. Ou a prima. Ou o gato ... E o melro!
Já não dá para perceber o que é maior - se a trafulhice, se a incompetência. No meio disto tudo até já tenho pena do Costa. Mesmo que ele não ma mereça!
Não há dúvida - António Costa está tão desligado da realidade, que nem a realidade do partido atinge.
A surpreendente - absolutamente inesperada - maioria absoluta do PS nas eleições de ontem prova como as narrativas, em política como em muitos outros aspectos da vida, podem ganhar vida própria, com a criatura a sobrepor-se ao criador.
A estratégica de António Costa resultou em pleno. Nem tudo correu como era suposto, mas também não fugiu muito disso. Apenas pareceu que fugira, em determinados momentos. Especialmente quando o PSD reagiu a antecipar os seu calendário interno, e Rui Rio pareceu ganhar um novo fôlego e sugerir uma dinâmica de vitória.
A maioria social de esquerda é estrutural na sociedade portuguesa. Não é fácil de alterar. Por isso Costa sabia que só tinha de ir "roubar votos" à sua esquerda, para o que lhe bastaria explorar a narrativa criada sobre o chumbo do orçamento, contando com toda a máquina do main stream.
Este era guião, o resto teria de ser ajustado no percurso. Aí começou por fazer de "maioria absoluta" expressão proíbida, para depois a tornar palavra chave. Pareceu não correr bem, e introduziu o diálogo. Com todos, excepto com aquele que era óbvio. Tanto ziguezague poderia correr mal, mas a chegada do empate técnico às sondagens resolveu o problema.
Diz-se que as sondagens falham. Não é verdade. As sondagens são a fotografia de cada momento. E no momento de depositar o seu voto muitos eleitores de esquerda, perante o espectro do empate técnico que, ou abria perspectivas da reedição da fórmula parlamentar da geringonça, inviável por tanta diabolização, ou abria um horizonte à direita, evidentemente com o Chega como protagonista, entenderam votar pelo seguro - o voto útil no PS. Que arrecadou mais 380 mil votos, 350 mil dos quais perdidos pela CDU e pelo Bloco. O PAN perdeu ainda 85 mil votos, bem mais que os 30 mil que compõem os ganhos dos socialistas que sobraram da conquista à esquerda.
A abstenção caiu significativamente, e isso saúda-se. Parece ter sido a direita que mais ganhou com a redução da abstenção, o que também não surpreende. Na realidade nada é mais surpreendente que a maioria absoluta, dada como uma impossibilidade para qualquer partido isolado por todos os analistas, e apenas explicada pela dinâmica do voto útil.
Poderá ser-se levado a admitir que tudo mudou no xadrez político nacional. Não terá sido bem assim, e provavelmente só a morte política do CDS, de resto sobejamente anunciada, e sem exagero, tem contornos decisivos. O Chega, preocupantemente como terceiro partido, é certo, dificilmente deixará de constituir o epifenómeno que efectivamente é. Ao contrário da Iniciativa Liberal que, com os quadros que já tem, e com os que irá buscar às cinzas do CDS, mas também a um PSD que continuará à espera de um Messias, tem tudo para continuar a crescer.
A esquerda do PS tinha o destino destas eleições traçado. Só que foi mais cruel do que o que esperaria. O Bloco foi o grande derrotado destas eleições, mas sabe-se que foi derrotado pelo voto útil. E o voto útil são votos emprestados, são resgatáveis. Mas é preciso fazer por isso, e esse é o desafio que o Bloco tem agora entre mãos. O PC é menos vulnerável ao voto útil, e não terá sequer essa miragem de resgate, pelo que terá de se enquadrar esta derrota no cenário de perda constante de eleitorado. Para já ficou sem o PEV, o partido parasita que nunca teve vida própria. Não virá agora a tê-la, certamente.
O PAN e o Livre são agora os dois partidos de um deputado só. O PAN perdeu, mais deputados ainda que votos, sem surpresa. O que trouxe de novidade, não conseguiu segurar. Não tem substância para mais. E o Livre .... é Rui Tavares. E esse merece ser deputado!
Os portugueses não gostam de maiorias absolutas .... mas com óleo de fígado de bacalhau, engolem-nas.
Os mais novos não saberão o que é o óleo de fígado de bacalhau, era coisa dos meus tempos de meninice. Nunca me calhou, mas sei que era uma coisa intragável que nesses tempos se obrigava os miúdos a meter pela goela abaixo para lhes abrir o apetite. Não sei se abria, mas bastava os miúdos ouvirem falar dele para engolirem a sopa de uma só vez.
Depois veio o papão. Mas não tinha o mesmo efeito, os miúdos começaram a perceber que não vinha papão nenhum se não comessem a sopa. Já aquela xaropada existia mesmo, e era horrível enfiada pela boca dentro.
O empate técnico das sondagens foi o óleo de fígado de bacalhau servido aos portugueses para correrem a engolir esta maioria absoluta. Ninguém imaginaria que tantas gerações depois ainda funcionasse. António Costa, que ainda é do tempo dessa xaropada intragável, preferiu recorrer ao papão. As sondagens trataram de lhe dizer que a "estória" do papão não funcionava. Que óleo de fígado de bacalhau é que dava. E que o Fernando Medina até devia ter um frasco daquilo ainda dentro da validade.
O PS, que há poucos dias tinha nas sondagens uma vantagem de 10 pontos percentuais sobre o PSD, tem agora, na última, de ontem mesmo, apenas quatro. Tecnicamente, tendo em conta a margem de erro, significa empate.
Não há volta a dar. Pode especular-se sobre muitas razões, mas a única objectiva é a introdução sa maioria absoluta no discurso de António Costa. Os debates não correram assim tão bem a Rui Rio, nem assim tão mal a Costa. O desgaste deste não acelerou assim tanto nos últimos dias, como não acelerou assim tanto o élan de Rio. A pandemia acelerou, mas também já passou por drama maior, apesar de tudo.
E poderíamos continuar a desfilar razões de pormenor para procurar justificação para tão pronunciada inversão da tendência das sondagens. Não me parece que encontremos explicação para, de um resultado à beira da maioria absoluta, o PS cair para um que coloca em causa a simples vitória eleitoral, que não a menção clara e inequívoca à própria maioria absoluta.
"Os portugueses não gostam de maiorias absolutas" - era a convicção de António Costa. Em 2019, nestas mesmas circunstância de campanha eleitoral, afirmava, alto e bom som: "Eu não tenho dúvidas nenhumas que os portugueses não gostam de maiorias absolutas e têm más memórias das maiorias absolutas, seja do PSD, seja do PS".
Porquê, então, este tiro no pé?
Porque não tem memória, e julga que os portugueses também a perderam? Porque a soberba lhe toldou a razão? Por desrespeito a si próprio e aos eleitores?
Não creio, mesmo que qualquer desta hipóteses não possam, de todo, ser descartadas. Creio que é simplesmente o subconsciente a funcionar. Como Freud demonstrou nos ensinou, o subconsciente é uma zona intermédia do nosso processo psíquico, onde armazenamos tudo o que a consciência não aceita.
Conscientemente podemos mentir, e omitir. Mas o subconsciente não mente, tem sempre a verdade para mostrar!
Por muita má memória que tenhamos, e por muita lavagem cerebral que tenha sido feita, lembramo-nos bem de como a geringonça foi dinamitada. Lembramo-nos bem da inflexibilidade de Costa em todo o processo do Orçamento, o mesmo que agora mostra triunfalmente para as câmaras de televisão. Lembramo-nos daquele tempo. Tempo de PRR, e tempo de definhamento na oposição de direita, com o CDS em passo acelerado para a implosão, e com o PSD em guerra aberta e Rui Rio pelas ruas da amargura. O notório crescimento da extrema direita era só mais uma peça favorável do puzzle. Só ajudava.
Lembramo-nos que foi assim, por muito que toda a gente nos tenha vindo a dizer outra coisa. Foi com este cenário que Costa contou as favas contadas. Para completar o cenário perfeito bastava-lhe acusar os seus antigos parceiros de geringonça pela responsabilidade da crise política, e isso não lhe colocava qualquer dificuldade.
A estratégia parecia não ter por onde falhar. Mas tinha. Ele só tinha controlo sobre a parte que lhe cabia, a demonização da geringonça. A crise nos dois partidos à sua direita não estava nas suas mãos. E escapou-lhe, apesar da ajuda do líder do CDS!
Tudo arrumado no subconsciente. Até que, logo após o debate com Rui Rio, na flash interview, com o consciente a constatar que não tinha corrido lá muito bem, o subconsciente emergiu. Com a verdade, como sempre.
Quando a dúvida que paira sobre as eleições do próximo dia 6 é se o PS alcança ou não a maioria absoluta, e sabendo-se que alcançá-la é o objectivo maior do partido, é curioso que, em nenhuma ocasião, António Costa enuncie esse objectivo. Antes pelo contrário, como se viu nas declarações que provocaram mais um ataque de ira a Sócrates.
Depois de esgotados os debates a dois com os partidos com que poderá ter de se entender na eventualidade de não atingir a maioria absoluta, concluídos ontem com o líder do PAN, não fica qualquer dúvida que António Costa adoptou sempre um comportamento consistente com essa atitude. O debate com qualquer dos três opositores - mesmo com Catarina Martins, que era onde o risco de descambar era claramente maior - foi sempre uma conversa amena e nunca um confronto. A expressão mais marcante de todo esse ambiente é do próprio António Costa: "se fui eu que abri esta porta, não faz sentido que seja eu a fechá-la".
Mas isto é António Costa. Outras vozes no PS dizem coisas exactamente opostas. Nem é necessário ir lá mais atrás buscar declarações inflamadas do Carlos César; ainda ontem, no Parlamento, um desconhecido deputado da Madeira (coisas da insularidade, quem sabe?) proclamava que “o que precisamos mesmo é podermos governar sem empecilhos”.
Mas se nos lembrarmos que ainda há pouco tempo António Costa dava o braço ao PCP e empurrava o Bloco para longe: "o PCP é um verdadeiro partido de massas, enquanto que o Bloco é um partido de mass media"; ou anunciava - agora ele - o diabo, enrolado na bandeira da ingovernabilidade que se levantaria a partir de um bom resultado do Bloco, somos bem capazes de acabar a dar razão a um dos populistas-mor nesta disputa eleitoral que diz que António Costa não tem princípios, tem fins.
São, de resto, coisas destas que acabam sempre a baralhar as fronteiras do populismo.
Em entrevista à Rádio Renascença, citada pelo Público, o primeiro-ministro garante que nunca fará “chantagem aos portugueses”, e que nunca dirá que "que só governo nesta ou naquela condição.”
Ou António Costa tem um grande, um enormíssimo sentido de humor, ou acha que anda tudo muito, muito distraído!
Certas palavras, em certas bocas, são pouco certas...
Acompanhe-nos
Pesquisar
Subscrever por e-mail
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.