Claro que vai haver recurso para a Relação. Que, se as penas aí forem confirmadas haverá, depois, novo recuros para o Supremo, e por aí adiante. O mais provável é que, quando transitar em julgado, já ninguém cá esteja para cumprir pena que eventualmente venha a subsistir.
Até aqui nada a que não estejamos habituados. É a Justiça a funcionar, dizem... Que seja!
Também não poderemos dizer que não estejamos habituados a que advogados de defesa nestes processos venham ao espaço público fazer aquilo que apenas lhes compete fazer na barra do Tribunal. De uma maneira ou de outra, todos eles - famosos, mediáticos e por isso altamente bem pagos - tratam de não deixar os seus créditos de notoriedade pública por mãos alheias. Mas aquilo a que pudemos assistir ontem à noite, na CNN Portugal, nunca tinha sido visto.
Num dos seus sucessivos espaços noticiosos, em "braking news", ou seja lá o que lhe chamem, depois de dar a notícia da sentença do Tribunal, a CNN Portugal convidou para entrevista em estúdio precisamente o advogado de defesa de Manuel Pinho, Ricardo Sá Fernandes. Precisamente o mais useiro e vezeiro em utilizar as televisões para vender "o seu produto".
Sem contraditório, dispôs de cerca de 10 minutos a seu bel-prazer para convencer a opinião pública do que não tinha conseguido convencer o Tribunal. Não tenho conhecimento de qualquer indignação. Fica aqui a minha!
Indignado me confesso com tamanho despudor. Da estação, da direcção aos jornalistas, e do próprio Ricardo Sá Fernandes, advogado, político e suposto activista. Que tem bem a noção do seu inaceitável comportamento. E da sua impunidade!
Foi ontem conhecida a acusação de Manuel Pinho. Os traços gerais dessa acusação já eram do conhecimento público, e os factos já conhecidos que, aos olhos da opinião pública, transformam o ministro da Economia de José Sócrates num dos mais corruptos governantes da História recente de Portugal, lá estão. Incontornáveis, e indesmentidos.
Entre eles, que, durante 18 anos, entre 1994 e 2012, Manuel Pinho recebeu - ele e a mulher, que por isso é também acusada - do "saco azul" do BES 15 mil euros por mês, e ainda meio milhão de euros de uma só vez em Maio de 2005, numa conta "off shore", que nunca declarou à entidade fiscal. Desses, cerca de cinco milhões de euros, recebidos quando já era ministro da Economia do primeiro Governo de José Sócrates.
Manuel Pinho, como qualquer cidadão num Estado de Direito, tem direito a defesa. Que compete a um advogado. Aos indigentes são disponibilizados os serviços de um advogado oficioso; os outros contratam-nos nas medidas das suas capacidades financeiras. Os poderosos contratam advogados famosos, numa lógica de espiral mediática.
A todos compete exercer a defesa dos seus constituintes, sendo normalmente a eficácia desse exercício directamente proporcional aos respectivos honorários. E à respectiva relevância mediática. Acreditando ou não na inocência do seu constituinte, defendem-na. Quando isso se torna de forma mais óbvia impossível, focam-se nos atenuantes que permitam reduzir ao mínimo os crimes provados e as penas previsíveis.
É este o trabalho dos advogados, procurando todos os argumentos, e na lei todas as vias para, em Tribunal, o exercer com total legitimidade. No entanto, sempre que dispõem de tribunas mediáticas, e os seus clientes de grande exposição pública, não o fazem apenas nos Tribunais. Fazem-no no espaço público mediático.
São as regras do jogo, podemos não concordar, mas é assim. Quando os advogados actuam no espaço mediático a jogar esse jogo, estão dentro do jogo. Já se actuam nesse espaço a jogar outros jogos, designadamente o jogo do comentário político, ou o da cidadania, dando a cara por causas, o caso muda de figura.
Ricardo Sá Fernandes, o advogado de Manuel Pinho, é um destes casos. É um advogado mediático, mas a sua exposição mediática é muito associada a causas da cidadania. Tanto que lhe cobre até a rectaguarda sempre que cruza a porta política, circunstância de resto frequente. Para além das causas da cidadania em geral, Ricardo Sá Fernandes, é particularmente interventivo na causa da luta contra a corrupção.
Quando ontem o vimos nas televisões a defender o seu cliente percebemos como o caso muda de figura. Poderá até não ter de Manuel Pinho a visão que, neste caso, a opinião pública dele tem. Poderá não comungar da ideia instalada que se trata de um dos governantes mais corruptos da nossa História recente. Não pode é dizer nas televisões que o único "erro" - nem crime lhe chamou - de Manuel Pinho é de natureza fiscal. Que apenas falhou por não ter declarado aqueles dinheiros à Administração Fiscal. E não pode, de maneira nenhuma, dizer que esses dinheiros recebidos através de "off shores", sem qualquer ligação contratual conhecida, e já enquanto ministro, eram simples pagamentos de valores em dívida por serviços prestados antes da cessação da antiga ligação contratual ao BES.
Porque, nisso, nem ele, nem ninguém pode acreditar. Nem ele, nem ninguém, pode acreditar que, terminado o contrato de trabalho de Manuel Pinho, e feitas as respectivas contas, Ricardo Salgado lhe tenha dito que não lhe dava muito jeito pagar-lhe o que lhe devia, e negociar com ele o pagamento em "N" prestações mensais durante meia dúzia de anos, através de uma "off shore", para a sua conta e para a da mulher.
Ricardo Sá Fernandes poderia até defender isso no Tribunal. Não o fará, estou certo. Saberá naturalmente que será difícil fazer prova dos indícios de corrupção, mas também sabe que não há um único juiz que consiga convencer dessa tese de pagamento diferido.
Sempre se falou da porta giratória entre os governos do país e o Grupo Espírito Santo (GES). Uns atrás dos outros saíam do GES para o governo para, depois, fazerem o trajecto inverso. Toda a gente sabia disto, toda a gente falava disto mas, enquanto durou o GES e Ricardo Salgado continuva "dono disto tudo", era como se nada se passasse.
Manuel Pinho era um - entre uma multidão - desses. Chegou ao governo de Sócrates vindo, claro, do GES. Saiu - com aquela cena dos corninhos no Parlamento - e logo voltou. Foi para uma universidade americana, a expensas da EDP. E descobre-se-lhe um apartamento de luxo em Nova Iorque. Foi mais tarde investigado por isso. E pelo que isso poderia ter a ver com as rendas excessivas da EDP, depois entregue por Passos e Portas aos chineses. Nessa investigação percebe-se agora que Ricardo Salgado pagava a Manuel Pinho, directamente para uma conta offshore, 15 mil euros por mês, mesmo enquanto estava no governo. Ao todo mais de 1 milhão de euros...
Não deixa de ser curioso que a primeira notícia de uma acção em tribunal na esfera do BES e do Novo Banco seja de Manuel Pinho. Reclama 1,8 milhões de euros. Tem a ver com o direito deste cavalheiro a uma reforma antecipada do BES, e com um vencimento mensal de 39 mil euros que recebia por não fazer nada...
Está tudo dito. É o regime em todo o seu explendor!
Manuel Pinho, o antigo ministro da economia de José Sócrates traído por aquele gesto aqui de cima - lembram-se? - e exemplar dessa espécie nada rara e longe da extinção que corria do BES para o governo e vice-versa, exige agora, nessa mesma condição, qualquer coisa como 2 milhões de euros por conta de uma reforma antecipada prometida por Ricardo Salgado. Tudo isto porque, no início do ano, foi interrompido o pagamento de um salário mensal (14 meses por ano) bruto de 39 mil euros. Que recebia por contrapartida de nada, de trabalho nenhum, pago por uma holding sem actividade - BES África, que detinha o BES Angola, donde voaram os tais 6 mil milhões de euros.
Não se sabe se com ou sem o conhecimento de Pinho, que há uns anos está a dar aulas de energias renováveis nos EUA!
O que se sabe é que vai processar o banco para receber esse valor. Não se sabe bem qual, mas desconfio que seja o bom... O novo, aquele que nós pagamos!
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