Embalada pelo canto da sereia da globalização a Europa desindustrializou-se, crente que a sua superioridade tecnológica, e as suas capacidades de investigação e inovação, seriam suficientes para continuarem a garantir às suas marcas confortáveis posições dominantes nos mercados mundiais. E às suas principais economias lugares destacados à cabeça do produto mundial.
Sem darmos conta - se não tivesse sido a pandemia a mostrar-nos como já não conseguíamos fabricar máscaras e ventiladores, o estado a que chegou a indústria europeia seria provavelmente ainda escamoteado - a Europa, que em 1990 detinha 44% da produção mundial de semicondutores, não passa hoje dos 9%. E a China, transformada na fábrica do mundo, deixou de copiar e passou a liderar, como demonstra o novo paradigma da indústria automóvel, da era do eléctrico.
Sem darmos conta, a Europa da superioridade tecnológica de há 30 anos não tem hoje uma única empresa entre os líderes tecnológicos globais. E está claramente a ficar para trás, muito longe do que acontece na América, na "revolução" da inteligência artificial.
É desta perda de competitividade que trata o "Relatório para a Competitividade da Europa” que Mario Draghi apresentou há dias. O diagnóstico é certeiro. Reconheçamos que acertar também não era muito difícil. As soluções é que, agora, são bem mais difíceis.
Há uma década, quando a União Europeia andava convencida que a "crise do euro" (chamaram-lhe crise das dívidas soberanas, mas era mesmo do euro) se resolvia com austeridade, e com bons alunos um pouco por todo o lado, Draghi viu que não era assim, e fez o que tinha de ser feito para salvar o euro. Mas era então Presidente do BCE; tinha o poder. Tomara ele próprio a decisão e dispunha ele próprio dos meios para a executar.
Hoje, não tem nada disso. E provavelmente as suas propostas - algumas ainda muito vagas - irão acabar enroladas nas indefinições estruturais da União Europeia. Na sua falta de decisão política e nos seus dogmas!
Durão Barroso referiu-se pela primeira vez, por viva voz e em francês, à reacção da Comissão Europeia à sua contratação pelo Goldman Sachs. E disse, em bom francês que eu bem ouvi, que não tinha feito nada de irregular, e que não compreendia tanto barulho à volta do seu nome, quando Mario Draghi, que foi vice-presidente executivo do mesmo Goldman Sachs, preside ao Banco Central Europeu sem qualquer problema.
Sempre habilidoso, este Durão Barroso... Veja-se bem a destreza com que maneja a ventoínha ...
São os Moscovici, os Dijsselbloem, os Juncker e os Schauble deste mundo que obrigam Draghi a gastar os trunfos todos. Está aqui, está teso... Daqui a pouco não há mais trunfos. Mas também já não há mais jogo...
Há quem destrunfe para ganhar. Mas também há quem o faça por mero desepero, já quando o jogo está perdido. Às vezes é só mesmo arrear os trunfos.
Primeiro foi Mme Lagarde. E logo os do costume saltaram a dizer que a senhora só falava assim porque colocava o FMI de fora. A senhora continuou a insisitir que agora vê claramente visto o que antes não conseguia enxergar... E que até já vê os credores a aproximarem-se, e a verem como ela vê.
Na imagem - a imagem do dia, do mês ou até do ano - da jovem a saltar para a mesa de Draghi o que é aterrador é o medo do patrão do BCE, face á aparente tranquilidade da expressão de Vitor Constâncio. Sabendo nós do tradicional medinho do português, imagine-se o estado emque terá ficado, no italiano, aquela coisa que tem quem tem medo...
Em Frankfurt, Draghi anunciou o euromilhões, a basuca ou, mais prosaicamente, simplesmente lançou mão da última arma de estímulo monetário. Tarde, depois de já não ter por onde mexer nas taxas de juro, mas também superando as expectativas, anunciou um programa de compra mensal de 60 mil milhões de euros de dívida soberana (88%) e privada (12%), durante, pelo menos, 19 meses.
Em Lisboa, a Oi (e os outros grandes accionistas) levou a melhor sobre o país, os pequenos accionistas e até o Presidente da Assembleia Geral, na decisão de vender a PT à Altice.
Hoje sentem-se as primeiras consequências. Que não deixam de ser curiosas: as acções da PT valorizaram mais 20% (40% em dois dias) e, a contar já com a desvalorização do euro, anunciam-se aumentos dos combustíveis já para a próxima segunda-feira!
O BCE decidiu, não diria baixar ainda mais as taxas de juro, que já estavam nos incríveis 0,15%, mas acabar praticamente com os juros. Mário Draghi fixou a taxa de juro em 0,05% – zero, na prática –, decidiu ainda cobrar sobre depósitos dos bancos centrais e avisa que não vai parar nos estímulos ao investimento.
O BCE, que tem existido para se preocupar com a inflação, só está preocupado com o investimento porque tem, agora, de preocupar-se com a deflação, que é bem pior. Que resulta da austeridade imposta pelo fundamentalismo europeu, que destruiu o consumo e o investimento. Que se deslocou para outras partes do mundo, especialmente para Ásia que entretanto começou a crescer e … a consumir.
A Europa precisa, e há muito, de incentivos à procura, e não à oferta. É, como toda a gente sabe, e os neo-liberais melhor deviam saber, a procura que motiva a oferta, e não o contrário. Estimular a oferta quando não há procura não faz simplesmente sentido. O Senhor Draghi sabe isso perfeitamente, e como sabe que tem que fazer qualquer coisa, faz o que pode. E isso, baixar as taxas de juro, ele pode. No lado da procura é que não!
Porque não tem instrumentos para isso e, mesmo que tivesse, a Senhora Merkel e o Senhor Schauble não o permitiriam. Repare-se como estes jihadistas da austeridade lhe puxaram publicamente as orelhas quando, na semana passada em Jackson Hole (EUA), ousou falar na necessidade de "impulso da procura agregada". Ou como reagem sempre que se fala na necessidade de subir os salários alemães…
A deflação está aí, e com ela nova e mais complicada recessão. O estranho é que aquele par alemão não perceba que, desta, nem a Alemanha escapará!
Ficamos ontem a saber, já sem qualquer dúvida, pela própria boca do Sr Mario Drahgi, que as pantominices e o relógio de count down de Portas não são mais que isso mesmo: pantominices.
A troika não vai embora coisíssima nenhuma e o segundo resgate aí está, travestido de uma coisa qualquer, chame-se-lhe programa cautelar - como o governo gosta -, contrato de seguro - como a ministra das finanças acabou de inventar – ou programa de assistência para a transição, como o número 1 do BCE lhe chamou.
Não há nisto qualquer novidade, há muito que se sabe que assim teria de ser. Vale simplesmente a pena salientar que, ao dizer o que disse agora, Mario Draghi, dilui o álibi do Tribunal Constitucional. O governo – e a troika e tutti quanti, incluindo as últimas imbecilidades e pantominices de Braga de Macedo – tudo tem feito para pressionar e culpar o Tribunal Constitucional. Se ainda há pouco o responsabilizava por um ameaçado segundo resgate, melhor agora o responsabilizaria.
O governo da Irlanda recusou assinar qualquer espécie de programa de transição porque, estando em condições de arriscar directamente os mercados, entendeu que não poderia aceitar as exigências da troika. Não recusou esse programa apenas porque pôde, mas também porque quis. Mas esse é o governo que já negociara um programa com um ajustamento orçamental bem menos exigente e um bem menor poder de destruição social e económica.
Andaram sempre a dizer-nos que Portugal não era a Grécia. Que nos colaríamos à Irlanda para, na carruagem de trás, seguir o mesmo percurso e atingir o mesmo destino. Tretas!
A Irlanda tem, agora que justamente concluiu o programa, acesso aos mercados financeiros a taxas de juro sustentáveis, que rondam os 3%.
Para Portugal as taxas de juro não baixam do dobro disso, e são evidentemente incomportáveis. E não é nem por especulação dos mercados, nem por nenhum Tribunal Constitucional. É porque os mercados perceberam, quando Vítor Gaspar desistiu e reconheceu que falhara, que falhara ele e tudo o que representava, ele e o programa em que acreditara. Porque, ao contrário da Irlanda, a economia foi destruída e não tem condições de crescimento. E porque ninguém consegue pagar uma dívida que, mesmo privatizando tudo o que havia para privatizar – as receitas das privatizações são para abate directo na dívida -, não tem parado de crescer, e já ultrapassa os 130% do PIB. E porque só nestas condições de austeridade, à custa da procura interna - reduzindo importações e aumentando exportações à custa do excesso de produção (face à redução do consumo) de combustíveis - Portugal consegue controlar o défice externo. E porque o país está a envelhecer, sem natalidade e com os jovens a emigrar. E porque o país empobreceu dramaticamente, e perdeu a massa crítica da classe média. E porque tem uma política de redistribuição de rendimento terceiro-mundista…
António José Seguro, passa ao lado de tudo isto, e protesta que o governo está a negociar o programa nas costas e à revelia do PS. Programa que Passos, voltando a mentir, garante ser para um ano … Para que sinta dispensado de tudo e mais alguma coisa. Até de negociar, o que quer que seja, com quem quer que seja… Mesmo que seja o novo programa. E mesmo que seja com a troika, com os técnicos ou com o topo da hierarquia!
Dizer que Portugal está no caminho certo e a fazer progressos importantes, é de quem não faz a mínima ideia do que fala. O Senhor Mario Draghi deveria vir passar uns dias – mesmo de férias – a Portugal. Ajudaria um bocadinho o turismo e poderia perceber que esta não é a melhor altura para gozar connosco!
Gente extraordinária, esta que manda nisto!
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