Já há novo ministro da saúde. A Marta Temido sucede Manuel Pizarro. Não será mais do mesmo, se atendermos às duas personalidades. Mas é mais do mesmo se falarmos de campo de recrutamento: António Costa não recruta fora do "aparelho".
E isto é uma mau sinal. Seja porque não quer, seja porque não consegue, é sempre um mau sinal!
Valha que a Ordem dos Médicos saúda a escolha, e a dos Enfermeiros não a contesta. Mas esses são outros sinais...
Depois do lufa-lufa de segunda-feira, Marta Temido passou dois dias a matutar no problema das urgências. Ontem, ao final do dia, anunciava as soluções que tinha encontrado. Mais ou menos isto: criar uma comissão de acompanhamento e rever as condições de remuneração dos médicos.
A primeira ficou logo resolvida. Tudo o que resolve com a criação de comissões fica resolvido com o seu anúncio. A segunda ficou para resolver hoje, e ficou hoje resolvida: reuniu com os sindicatos dos médicos, e nem deu para começar a conversa. Saíram todos como entraram. Agora é só esperar que passem mais uns dias e que não se volte a falar no assunto.
Mais eficiente não se pode ser. E ainda dizem que o governo é só tangas ...
Os problemas na Saúde, velhos e conhecidos há muito, mas sempre escamoteados, são finalmente um problema. Reconheceu-o o primeiro-ministro e confirmou-o o lufa-lufa da ministra da saúde durante todo o dia de ontem. Problema, temos. Não é de ontem, nem do fim de semana seco que agitou as águas; é de há muito. Não temos é solução. E esse é o problema maior.
Não "temos um problema". Temos muitos problemas. E não temos soluções, como há muito não temos, e como ontem ficou mais claro que não temos.
Para a ministra da saúde a solução é a abertura de novos concursos. Para "quem quiser", acrescentou, sabendo que ficam sem concorrentes. Para a Ordem dos Médicos a solução passa pela revogação de um despacho qualquer, que impede os médicos do SNS de prestarem serviços ao SNS.
Para a ministra da saúde o problema não está na gestão que o ministério faz dos recursos (humanos, mas não só), em não planear a substituição dos médicos que atingem a idade de reforma e, acima de tudo, em evitar o desencanto que leva os outros a partir. Para a Ordem não há qualquer problema de falta de médicos, há médicos suficientes, e há que continuar a limitar o acesso aos cursos de medicina; é preciso é somar prestações de serviços às horas extraordinárias. No espaços mediático, político e "lobístico" é preciso é mais "privado", e retomar as PPP, como se a fatia privada do negócio da saúde não fosse a maior de sempre. Como se o SNS não fosse o porto de confiança dos portugueses, ricos e pobres, todos no mesmo barco, quando o problema é complicado. E como se os hospitais privados se não apressassem a enxotar os doentes para o SNS logo que as coisas se complicam, ou o "plafond" do seguro se torna insuficiente.
Ontem, para quem ainda não o tinha percebido, ficou claro que estes problemas não têm solução nem a curto nem a médio prazo. E que, para que o governo a encontre até ao fim do mandato, é preciso que António Costa retire o ministério da saúde da dependência do das finanças e entregue a pasta a alguém que não seja apenas o seu porta-voz.
Os médicos abandonam funções de direcção clínica e operacional nos seus hospitais por falta de condições para o exercício dessas funções. Mas abandonam também os hospitais do SNS, que trocam pelo estrangeiro e pelo sector privado, igualmente por falta de condições para exercerem a sua profissão. Porque são mal "geridos", porque vivem em organizações disfuncionais, porque lhes faltam meios, porque não se sentem motivados, porque não sentem reconhecimento e porque são mal pagos. Porque o sistema não premeia o mérito, e varre tudo pela mesma bitola. E certamente por mais uma dezena de razões que cabem no flagrante desinvestimento no SNS na última década, incluindo aquele que os dois últimos governos esconderam atrás das cativações com que fintaram os Orçamentos (e os que os ajudaram a aprovar) e o investimento público.
Confrontada na Comissão Parlamentar de Saúde com a demissão em massa de médicos em cada vez mais hospitais, Marta Temido resumiu o problema a falta de resiliência. Para a ministra da Saúde não importa resolver qualquer daqueles problemas. Tudo se resolve passando a recrutar médicos com capacidade para lhes resistir. É o "ai aguenta, aguenta" de há anos. É um estado de espírito!