Mais do que um país dado a mitos, somos um país marcado por mitos. Os mitos são como as fadas: há os bons e os maus, como nos revela a nossa História. Camões mostrou-nos o melhor dos nossos mitos - o Adamastor. Um mito desafiador, que despertou o que de melhor temos escondido para nos lançar no mais empreendedor dos feitos históricos da humanidade. Ironicamente, pouco depois da sua morte, surgia o pior dos nossos mitos - o sebastianismo - nas antípodas, a puxar-nos para baixo, virados para trás.
O juiz Carlos Alexandre é provavelmente um dos nossos mais recentes mitos. Rapidamente se instalou a ideia que seria o nosso Baltasar Garzon, ou o nosso Giovane Falconi, o único magistrado capaz de enfrentar os poderosos e o crime de alto nível. Foi até criada uma página do facebook de "apoio ao juiz Carlos Alexandre". Se o título não enganasse, seria uma vaga de fundo, como se todo um país se transformasse na sua claque de apoio. Como o título engana, é apenas uma página de fake news, pejada do mais abjecto populismo.
Ontem, numa coisa que não é uma entrevista nem se sabe bem o que é, que passou na RTP, o Sr Juiz voltou a mostrar pés de barro. Pode até ter granjeado mais umas centenas de apoiantes para essa página do facebook, mas cavou mais uns metros na sepultura da transparência, da credibilidade e até da dignidade. Da sua própria, mas também do sistema judiciário que integra.
Só não matou o mito, porque o mito virou fantasma. E esses não se conseguem matar...
Criado o mito da credibilidade externa, e voltando a recorrer à táctica da mentira repetida e à memória curta dos portugueses, o governo passou a criar e a alimentar outro, o mito número dois: que está a fechar o programa de resgate encomendado e assinado por outros.
À medida que se foi deixando encurralar pelos seus sucessivos falhanços o governo começou a lançar a ideia de que nada tinha a ver com a troika e com o seu programa. Que simplesmente lhe tinha calhado em sorte a missão patriótica - quiçá divina - de salvar o país, que está a levar a cabo com grande constrangimento mas não menor determinação. Começou pelo discurso da pesada herança - a que tinha começado por tentar resistir- e rapidamente passou para o papel de quem não tem nada a ver com isto.
Hoje, na Assembleia da República, ao primeiro momento de aperto, Passos Coelho voltou a sacar do seu mito número dois, pouco preocupado se um dia jurara ir para além da troika. Nada incomodado por ter anunciado que o programa de resgate era o seu programa de governo. Rigorosamente nada constrangido pelas imagens de Catroga nas televisões e no seu próprio telemóvel, na assinatura do memorando da troika. Que, com Portas, usou como escadote para subir ao pote...
E, claro, sem sombra de preocupação em dizer que está tão à beira (um ano, precisamente) de fechar um resgate como de abrir outro. Bem mais difícil, infelizmente!
Pois é. Há três anos Teixeira dos Santos declarava que a taxa de juro de 7% seria o limiar a partir do qual o país teria de chamar o FMI. O país não conseguia suportar taxas de juro dessa ordem. Foi imprudência, claro. Os mercados especulativos ficavam na altura a saber que poderiam esticar até aí ...
Este governo tem falhado tudo o que havia para falhar, como estamos fartos de saber e já ninguém consegue negar. Temos no entanto visto que aquele pequeno grupo de pessoas que, na esfera dos dois partidos que suportam o governo, ainda defende esta governação socorre-se, para isso, de um único argumento: o da credibilidade externa. Esse escasso número de apoiantes deste governo agarra-se ao único mérito que lhe reconhece: a recuperação da credibilidade junto dos credores. E invariavelmente recorrem logo a seguir a um argumento que, por muito repetido, dão por certo e verdadeiro:"como se prova pela descida dos juros"!
É verdade: a taxa de juro que há pouco mais de dois anos era dramaticamente insustentável é hoje a única coisa que os apoiantes deste governo têm para lhe creditar!
O resgate da credibilidade internacional não passa de um mito. É sabido que uma mentira muitas vezes repetida passa a verdade. Mas a máquina de propaganda do governo faz mais: mais do que uma simples verdade, faz da mentira muitas vezes repetidas um mito!
A fotografia correu mundo e virou símbolo. Um símbolo forte, capaz - quem sabe - de concorrer com o cravo vermelho a sair do cano da espingarda…
O imediatismo da sociedade que construímos, a cultura do sucesso fácil, dos Big Brothers, Casas dos Segredos e afins, trataram da sua rápida destruição…
Somos especialistas em revoluções românticas. Mas, mesmo assim, eu sempre tive alguma dificuldade em ver ali o que quer que fosse de revolução… Nem sequer romantismo! Parecia-me mais outras coisas…
Acompanhe-nos
Pesquisar
Subscrever por e-mail
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.