Cristiano Ronaldo e Lionel Messi têm pouco em comum. Só que é muito, o pouco que têm em comum - o génio que os colocou no topo do futebol mundial durante década e meia, somando 12 bolas de ouro nesse período, com vantagem (7-5) para o génio argentino. Entre 2008 e a actualidade, só por três vezes um deles não foi "o melhor do mundo": em 2018 (Modric, em ano de mundial), em 2020 (Lewandowsky, no tributo ao golo) e neste ano (Benzema, no tributo à persistência). Durante 11 anos consecutivos ninguém se intrometeu entre eles!
Tinham, até ontem, também o insucesso comum de, ambos com o recorde de cinco presenças em fases finais, nunca terem sido campeões do mundo. O título que faz a diferença entre os melhores de sempre. Faltando o título de campeão do mundo falta sempre qualquer coisa a uma grande carreira. Faltando uma presença marcante numa fase final de um mundial, fica ainda mais a faltar. Messi já tinha sido o melhor do mundial do Brasil, em 2014. Mas não era suficiente. A Cristiano Ronaldo até isso faltava. Ambos contavam apenas com um título continental de selecções.
Este Campeonato do Mundo do Catar era a última oportunidade para ambos.O argentino já tinha avisado que seria o seu último. Ronaldo, sem tal pronúncio, terá 41 anos no próximo...
Nada mais têm em comum. São personagens e personalidades completamente diferentes, fisicamente diametralmente opostos, e jogadores totalmente distintos na sua relação com a bola e com o jogo. Messi levita no campo, Ronaldo é tracção total. Ronaldo é um atleta que ataca o espaço e a bola, Messi é um artista no espaço que pisa com uma bola colada aos pés. Ronaldo é explosão a atacar o espaço, e rapidez e potência a atacar a bola. E isso exige condições físicas e atléticas no máximo. Messi, inventa espaço onde ele não existe através do drible e do passe. Para isso Messi não precisa, nem nunca precisou, até porque nunca teve, condição atlética de topo.
Os anos pesam de forma completamente diferente nos atributos de um, e de outro. E, depois, na confiança. Como se viu. Messi continua a fazer o que sempre fez. E a marcar golos que só ele consegue. Ronaldo já não marca os golos que só ele conseguia. E, sem confiança, nem os que qualquer um marca. Para Messi, o parágrafo anterior continua a conjugar-se no presente do indicativo. Para Ronaldo tem que utilizar o pretérito perfeito.
Só por isso, dificilmente Cristiano Ronaldo poderia chegar a este Mundial em condições para fazer o que não fez nos anteriores, no apogeu do seu ciclo bio-desportivo. Não é por acaso que já passaram cinco anos sobre a sua última bola de ouro, a quinta. Então, tantas quanto Messi, que depois disso venceu mais duas e, pelo que se viu, poderá ainda voltar a ganhar a próxima.
Ao natural ciclo da vida. e às características do desempenho desportivo acrescem, depois, os traços de personalidade de cada um. Ambos terão à sua volta uma estrutura de gestão das suas carreiras pessoais e desportivas. Pouco se sabe da do discreto Messi - apenas mais um distinto traço de personalidade. Da de Ronaldo sabe-se que funcionou na perfeição durante anos, mas que não funciona mais. Tudo o que constitui a desastrosa gestão de carreira dos últimos meses, que liquidou qualquer possibilidade de sucesso na participação neste mundial, mostra que não já não funciona.
Não é nada de inédito. É da dinâmica das organizações que equipas de sucesso acabem esgotadas. Mas, e mais uma vez por traços de personalidade, não será de excluir que o "ego" de Ronaldo tenha transformado a sua estrutura, na sua corte. Que, em vez de aconselhamento lúcido e sensato, passar a dizer ao soberano apenas o que ele quer ouvir. E garantir as mordomias cortesãs.
Daqui sai a última peça do puzzle que fecha a história de dois génios da bola que chegaram ao Catar à procura do título que lhes faltava. Messi com toda a equipa ao seu lado, e com 46 milhões de argentinos atrás de si. E a encher estádios. Da Argentina saíram 45 mil. De outros pontos do mundo terão chegado mais de uma dezena de milhar. E Ronaldo a dividir a equipa, dentro e fora de campo. E a dividir o país!
Entre quem acha que Ronaldo está a arruinar uma carreira brilhante, e quem acha que quem acha isso é ingrato. E invejoso. Entre quem gostaria que Ronaldo soubesse sair dignamente de cena, e quem quer reduzi-lo à simples expressão da clubite. Entre quem lamenta que um grande jogador de futebol de expressão mundial se recuse a aceitar a lei da vida, e quem lhe exalta o ego à dimensão do fanatismo religioso.
Depois de, ontem, a Croácia ter conquistado o terceiro lugar frente à surpreendente selecção de Marrocos, num jogo típico dessa disputa, hoje foi o dia da final. Inédita, num jogo épico que foi futebol na sua expressão máxima.
Uma final de duas por três. Em que houve duas sem três e, às três, foi de vez.
França e Argentina procuravam o seu terceiro título mundial. Os sul americanos à terceira, depois de duas finais perdidas (1990 e 2014) após o último título, em 1986. O de Maradona,de quem deveria também ter sido o de 90, em Itália.
Hoje, por duas vezes, a Argentina teve a mão na Taça dourada, e por duas vezes a França lha retirou. À terceira, foi de vez, e não a largou mais.
O jogo começou dentro das expectativas, com os franceses expectantes, dentro do seu registo calculista, e os argentinos com mais iniciativa. A Argentina dava mais nas vistas com o seu futebol sólido, mas também mais entusiasmante, com Messi, Enzo Fernandez e Mac Allister (sim, é escocês de origem) a mexerem os cordelinhos, e Di Maria a partir a loiça toda. Do lado francês não se via Mbappé, nem Grizmann. Via-se Dembelé, mas no pior.
Estava o jogo nisto, com Di Maria - precisamente - a dar cabo da cabeça a Koundé e a Dembelé quando, depois de levar mais um nó do ainda mágico argentino, o extremo do Barcelona cometeu infantilmente um penálti. Messi bateu naturalmente Lloris e, na altura, pensou-se que, com a primeira parte a meio, isso era o que melhor podia acontecer ao jogo.
A França teria que abandonar a sua convencionada - e convencida - atitude expectante e começar a jogar a bola. E, com aqueles jogadores todos de enorme qualidade, era o que todos queríamos ver.
Pura ilusão. O que aconteceu foi exactamente o contrário, e foi a Argentina que, em vantagem, partiu para o domínio do jogo, e para o seu melhor período em toda a partida. E pouco mais de 10 minutos depois, numa saída rápida de compêndio, com tudo bem feito e ao primeiro toque, do primeiro passe de Messi à assistência de Mac Allister e ao remate final de Di Maria, chegou ao 2-0. E tudo parecia resolvido.
Deschamps mexeu de imediato na equipa, sem esperar sequer pelo intervalo, tirando Giroud e Dembelé. Mas o jogo não mudava de sentido. À entrada do segundo quarto de hora da segunda parte Scaloni trocou o desiquilibrador mor, Di Maria, então já esgotado, por Acuña, convencido que o jogo estava ganho e que bastaria controlá-lo.
Tinha as duas mãos na Taça do Campeonato do Mundo!
Tudo parecia dar-lhe razão, até porque os franceses nem sequer um remate à baliza tinham feito. O primeiro só surgiu aos 70 minutos, de Mbappé, e totalmente desenquadrado da baliza de Emiliano Martinez, apenas mais um espectador da final, quando Deschamps tirava do campo Grizmann, trocando o organizador e pensador de jogo por mais uma "moto" - Coman, o ala do Bayern.
Mas nada mudava. Até que, às duas por três, já o ponteiro ia nos 80 minutos, Otamendi teve um dos seus deslizes. Não tem muitos, mas como já cá anda há muitos anos, às vezes até parece. Deixou a bola bater, e acabou antecipado por Kolo Muani - a primeira das "motos" a entrar -, com o polaco Szymon Marciniako a assinalar penálti.
Mbappé converteu o penálti e nem deu tempo para imaginar o que aí vinha porque, no minuto seguinte, ao terceiro remate do jogo, num golo de efeito estético digno de uma final de um campeonato do mundo, empatou o jogo.
Pensou-se então que a germanização da França, que Pétain não conseguira há 80 anos sob Vichy, era agora consumada pelo futebol. E que Gary Lineker teria que alterar o seu axioma para ... "e no fim ganha a França"!
Dificilmente a Argentina resistiria a um golpe destes. Oitenta minutos por cima do jogo para, em dois minutos, ver desaparecer uma vantagem de dois golos. À França só podia sobrar motivação para o vitorioso ataque final a um título que há bem pouco parecia completamente irrecuperável.
Nos quase 20 minutos que o jogo ainda durou nem a Argentina afundou, nem a França avassalou. E o jogo foi para prolongamento, acrescentando mais trinta e tal minutos aos 105 que já tinha tido. E a Argentina volta pôr a mão na Taça, com novo golo de Messi, logo no arranque da segunda parte do prolongamento. Para ter que a tirar de novo, a dois minutos do fim, com novo penálti convertido por Mbappé, com a notável marca de três golos na final do campeonato do mundo - provavelmente a melhor de todas as finais - e sagrar-se melhor marcador, com 8 golos, mais um que Messi.
Chegou então a vez de Emiliano Martinez se tornar no melhor guarda-redes do mundial. Primeiro com uma defesa notável, a negar o golo a Kolo Muani, no último minuto do prolongamento - ainda assim, antes da última oportunidade da Argentina, desperdiçada por Lautaro Martínez - e, depois, no desempate nos penáltis, ao defender o remate de Coman, o segundo da série, que lançaria os franceses para novo falhanço (Tchouaméni rematou ao lado).
Pela terceira vez os argentinos tinham a mão na taça. Às três foi de vez, e os argentinos nem precisaram do quinto penálti para segurar definitivamente o terceiro título mundial. Este de Messi (melhor jogador), de Martinez (melhor guarda-redes) e de Enzo Fernandez (melhor jovem)!
Dois dos campeões do mundo são do Benfica, tantos quanto o Atlético de Madrid. Nenhum outro clube tem mais!
À luz do que hoje se viu nesta surpreendente meia-final entre as selecções de França e de Marrocos, a surpresa não esteve não esteve no extraordinário percurso dos marroquinos até aqui, neste mundial do Catar.
Não esteve no apuramento no primeiro lugar do seu grupo, à frente da Croácia, e da Bélgica e do Canadá. Não esteve na surpreendente eliminação da favorita Espanha. Nem esteve na então já menos surpreendente forma como mandaram a selecção portuguesa para casa, já nos quartos de final do nosso descontentamento.
A surpresa, a grande surpresa, esteve na forma como os marroquinos disputaram esta semi-final. Desde logo porque tiveram que a disputar em condições completamente diferentes daquelas com que tinham lidado ao longo de todo o percurso. Com três baixas importantes na equipa, duas logo na dupla de centrais, e com um golo - o primeiro marcado por um adversário - sofrido logo nos primeiros cinco minutos a equipa marroquina teve de se virar do avesso.
E, virada do avesso, vimos uma equipa que tinha provado que sabia defender, saber atacar. Que tinha em média pouco mais de 20% de posse de bola, passar a ser a dona da bola. Surpresa foi que não ser o seu extraordinário guarda redes a figura do jogo, que não fez uma única defesa, mas ser Lloris a ter que brilhar. Surpresa foi ser quase sempre melhor que a melhor, e a mais qualificada, selecção da competição. Que a campeã do mundo em título, e favorita à revalidação.
Não há surpresa na vitória feliz da França - em três oportunidades, marcou dois golos felizes, a abrir e a fechar o jogo; enquanto, na sua baliza, não havia forma da bola entrar. Porque é isso - é melhor! Não há injustiça, porque no futebol a justiça faz-se de resultados. Mas a grande surpresa desta selecção de Marrocos aconteceu neste jogo!
Começou a desenhar-se logo no início do jogo, e durou até mesmo ao fim. Quando, aos cinco minutos de jogo, olhamos para o desenho do jogo e vimos três jogadores franceses no meio da linha de defesa marroquina, e mais três entre linhas, percebemos que estava ali a chave do jogo. Quando Griezmann escapou e conseguiu entregar a bola atrasada para Mbappé rematar contra Hakimi, levando-a a sobrar para Theo Hernandez, sozinho no espaço que pertencia o lateral direito do PSG, acrobaticamente a enfiar na baliza, o destino parecia traçado. E não era outro que, a ganhar, a melhor equipa, passaria a mandar no jogo. E, a perder, a equipa que só defendia, sem nada já para defender, afundar-se-ia.
Não aconteceu nada disso. Aconteceu tudo ao contrário. Quem era suposta mandar, passou a ter que obedecer. Quem tinha como destino afundar-se, levantou a cabeça e passou a mandar. Não ganhou o jogo, acabando até por voltar a sofrer novo golo a dez minutos do fim, de novo com um remate de Mbappé a ser desviado por um adversário, com a bola sobrar para Kolo Muani, o avançado do Eintracht que acabara de entrar, empurrar, junto ao poste, a bola para a baliza na primeira vez que lhe tocou. Mas ganhou o respeito que todas as surpresas anteriores não tinham sido suficientes para ganhar.
É costume dizer-se nessas surpresas, que a equipa tida por mais fraca ganhou o único jogo que ganharia em dez. Admito que muitos o tenham dito da vitória de Marrocos sobre a selecção portuguesa, no passado sábado. Mas, a jogar como então jogou a nossa selecção, e a fazê-lo como hoje fez a marroquina, fico com a ideia que, ao contrário, em dez jogos, seria a portuguesa a ganhar um.
Depois de uma entrada a raiar o escândalo, coma derrota perante a Arábia Saudita, a selecção da Argentina é a primeira a garantir lugar na final deste mundial do Catar.
Da decepção à partida, ao sucesso à chegada, foi um curto caminho de cinco jogos com uma história em três etapas. E quatro nomes. Primeiro o do treinador, Lionel Scaloni, que soube fazer fácil - emendar a mão - o que para grande parte dos treinadores é difícil. Depois os de dois jovens - Enzo Fernandez, primeiro; e Julien Alvarez, logo a seguir. O quarto é incontornavelmente o de Lionel Messi.
Ao estrear o benfiquista Enzo a titular logo no segundo jogo, Sacaloni mudou o rumo do futebol da equipa. Quando, ao terceiro, lhe acrescentou Alvarez, consolidou-o. O resto está em Messi, o génio que se solta da lâmpada para iluminar aquele futebol, e emprestar-lhe o brilho que sem essa luz se não consegue ver.
Foi este futebol consolidado, iluminado pelo brilho de Messi, que hoje foi suficiente para afastar a Croácia da sua segunda final consecutiva. Numa vitória clara, mas ainda mais expressiva!
Não há golos de primeira e de segunda. Mas a verdade é que, num jogo que seguia sem balizas, o resultado se decidiu já perto do intervalo, em apenas cinco minutos, em dois lances atípicos, estranhos mesmo. No primeiro, dois toques verticais, o primeiro de Otamendi e o segundo de Enzo, deixaram Alvarez sozinho na cara - e no corpo todo - do guarda redes Livakovic (uma das maiores revelações da competição) donde seria difícil sair sem penálti.
Que Messi converteu de forma a não poder ser defendido.
No segundo, não foi muito diferente o comportamento defensivo dos croatas, apanhados em contra-pé num canto a favor. Diferente foi que, em vez dos passes, foi com ressaltos sucessivos que o jovem do City chegou, e passou, pelo guarda-redes adversário.
Foram dois lances de KO para os croatas. Depois chegou Messi, e aquele espectáculo da criação do terceiro golo, que entregou em bandeja para Alvarez bisar. E acabar, com a segunda parte ainda a meio, por trazer ao jogo, e à própria exibição, a luz que os golos "sujos" não deixava brilhar.
Vai ser a segunda final de Messi. E a última - já anunciou ser este o seu último mundial - oportunidade para se juntar a Maradona.
Se, em ambos os jogos de ontem, as coisas só se resolveram no desempate por penáltis, nos hoje tudo se decidiu nos 90 minutos, sem sequer necessidade de prolongamento.
No França - Inglaterra, um grande, grande jogo de futebol, porque Harry Kane falhou o penálti. Que foi o segundo a favor dos ingleses - assinalado porque, naquela que foi uma das piores arbitragem deste mundial, houve mais dois por assinalar, e ainda outro a favor dos franceses -, e restabeleceria a igualdade a dois golos, se tivesse sido convertido. Não foi assim, e a França acabou por ganhar um jogo em que não foi superior, e prosseguir a caminho para a revalidação do título mundial.
No jogo de Portugal porque Marrocos marcou um golo e não sofreu nenhum. Ainda ninguém lhe conseguiu marcar um golo, e percebeu-se que também não seria hoje a selecção portuguesa a consegui-lo.
A equipa marroquina não fez nada que não se esperasse. E nem o facto de vir de um jogo com prolongamento, nem de ter perdido para este jogo dois dos defesas titulares, alteraram o que quer que fosse. Por isso a selecção portuguesa não teve motivos para qualquer surpresa, e teria que saber o que tinha a fazer.
Não sabia, e esse é o problema. Que não é de agora, mas de sempre. Não tendo feito o trabalho de casa, começou por copiar o que a Espanha tinha feito. Se não tinha resultado para a Espanha, que até o faz melhor, era garantido que não resultaria!
Entusiasmei-me, como creio que toda a gente, com aquela exibição e aquela goleada do jogo com a Suíça. Mas comecei por dizer que os problemas da selecção não se esgotavam nos de Ronaldo. Que, antes, depois e durante, havia os que vinham da ideia de jogo do seleccionador.
Nesse jogo - aparentemente com o problema Ronaldo mitigado - o primeiro golo surgiu, mais que na primeira oportunidade, na primeira chegada à baliza. O adversário precisou de procurar o resultado e abriu espaços. Com espaço os jogadores portugueses jogam como na rua. É o tal futebol de rua, que não precisa de treinador.
No futebol de alta competição, e num campeonato do mundo, isso não existe. Aconteceu com a Suíça, e sabe-se lá se não poderia até ter voltado a acontecer hoje com Marrocos se, no arranque do jogo, aos 4 minutos, Bounou, a abrir logo com uma enorme defesa, não tivesse negado o golo a João Félix. Mas isso era se os milagres não habitassem também território de Alá!
Não falta à selecção portuguesa apenas ritmo, ideias de jogo trabalhadas e consolidadas, e mentalidade para enfrentar a adversidade. Falta tudo de que se faz uma equipa. Falta liderança. E falta estratégia. Para cada jogo, mas mais ainda para todo o edifício da selecção nacional, uma teia de interesses sempre em conflito com o objectivo desportivo. Que deveria ser o seu único e inegociável interesse.
Por isso esta eliminação aos pés de Marrocos só surpreende, e choca, porque se seguiu àquele jogo com a Suíça. Se olharmos bem para os outros três jogos - Gana, Uruguai e Coreia -, ou até mais para trás, nas derrotas, quando bastava o empate, com a Sérvia, para a fase se apuramento, ou com a Espanha, no afastamento da Liga das Nações, não há muito por onde surpreender.
E basta olharmos para três dados estatísticos do jogo para ser maior o choque pela exibição que pelo resultado: com 73% de posse bola, a selecção portuguesa rematou 12 vezes, apenas em 3 delas acertou na baliza; com apenas 27% de bola, os marroquinos remataram 9 vezes - pouco menos - e as mesmas 3 na baliza. O guarda-redes Bounou defendeu os três que lhe apareceram pela baliza, com três grandes defesas. O Diogo Costa sofreu o golo logo no primeiro remate.
Numa falha grave, a segunda, depois da do jogo com o Gana, porventura a deixar a nu a "verdura" escondida. Faltou-lhe determinação na saída ao cruzamento, mas acima de tudo avaliou mal toda a situação. Optou por tentar agarrar a bola com as duas mãos, em vez de a interceptar a punho e, o avançado marroquino En - Nesyri - a saltar sem oposição de Rúben Dias, que terá entendido que a sua intervenção na disputa da bola iria obstaculizar a acção do Diogo Costa, em condições de chegar primeiro à bola - chegou com a cabeça bem primeiro, e bem mais alto, que o guarda-redes com as mãos.
Mas apenas mais um incidente de jogo. Que pouca importância tem no meio de tudo o que envolve esta participação portuguesa. Do contrato com o seleccionador, que é uma empresa, lá por coisas de impostos, onde a FPF, que até tem "utilidade pública", se mete; às novelas da entourage de Cristiano Ronaldo. Da estrutura de comunicação da FPF, do que brifa e não brifa ao treinador, ou do que deixa ou não dizer; aos jogadores que não regressam todos a Lisboa, porque por lá ficam uns tantos de férias...
Os dois jogos do primeiro dia dos quartos de final deste Campeonato do Mundo tiveram de tudo - futebol de grande riqueza táctica, emoção até ao fim, golos mesmo no fim, do jogo ou do prolongamento e, por fim, tudo a decidir-se nos penáltis.
O Brasil foi surpreendentemente eliminado pela Croácia, uma selecção que tem vindo a crescer na competição, até chegar a este jogo em condições para o discutir. Pelo que mostravam estas selecções há pouco mais de uma semana, a Croácia estava destinada a não passar de um adversário cómodo para o super favorito Brasil. Hoje, foi o que se viu.
E viu-se a selecção croata a anular os alas do Brasil, Vinicius e Rafinha, secando logo a maior fonte de futebol da equipa de Tite. Sem nada a brotar das alas, Richarlison secava, e Paquetá e Neymar batiam de frente com a defesa croata.
Depois, quando recuperavam a bola, lá estava o eterno Modric, a quem os 37 anos não pesam. O maestro que continua a comandar - e de que maneira! - todo o futebol croata.
Quando a balança desequilibrava em favor dos brasileiros, lá atrás, aparecia um tal Livakovic na baliza. Sempre no caminho da bola, sempre intransponível... como que a normalizar 0-0 no fim dos 90 minutos.
Prolongamento e penáltis é música para os croatas. A primeira oportunidade, como de resto já tinha sucedido no jogo, até pertenceu à selecção da Croácia, mas foi Neymar quem desembrulhou aquilo tudo. Pegou na bola lá atrás, entregue pelo Marquinhos, ali ao lado, e foi por aí fora. Escolheu o Rodrigo para uma primeira tabela, e o Paquetá para a segunda, e lá continuou direitinho ao Livakovic, para o deixar deitado no chão e meter a bola na baliza. Bem por alto, não fosse ainda alguma perna aparecer para estragar aquela obra de arte.
Estava esgotado o minuto extra de compensação da primeira parte do prolongamento quando Neymar quebrou o enguiço.
Pensar isso - que quebrado o enguiço, era só continuar que mais golos ainda viriam - foi provavelmente fatal para os brasileiros. Porque, acabar por sofrer o empate num contra-ataque a 3 minutos dos 120, não é a coisa fácil de entender num jogo destes.
E nos penáltis lá estava o tal Livakovic. Só não defendeu os de Casemiro e de Pedro, os únicos que converteram, e o de Marquinhos, que foi ao poste. Nem deu tempo para Neymar marcar o seu penálti...
É grande o mérito da Croácia neste apuramento para as meias-finais (pelo segundo campeonato consecutivo). O maior é que não teve medo. Nunca teve medo de jogar contra o Brasil, nem de o desafiar.
No jogo entre a Argentina e os Países Baixos não teve menos táctica, mas teve mais medo. Normalmente diz que um jogo é muito táctico quando as equipas têm medo uma da outra. Houve muito disso neste jogo.
Também a selecção de Van-Gaal, que tem andado sempre longe de maravilhar, e se valeu muito do factor sorte, como por aqui se tem dito, tem vindo a crescer. Mas está longe da qualidade, individual e colectiva da Argentina.
Que marcou pouco depois da meia hora - Messi inventou o golo para Molina marcar - mas, ainda assim, continuou com medo. E incapaz de assumir o jogo em consonância com a sua qualidade.
Chegou ao segundo já à entrada do último quarto de hora, num penálti "caído do céu" que Messi transformou facilmente em golo. Tudo aquilo mais lhes parecia uma dádiva celeste...
Que os deuses lhe cobrariam, com dois golos do recém entrado Weghorst: o primeiro, menos de dez minutos depois; e o segundo, no último lance da partida, no mais estranho livre alguma vez visto, que ficará para sempre na História dos Mundiais.
Só no prolongamento a Argentina, com medo - novamente medo - dos penáltis, procuraria finalmente afirmar a superioridade do seu futebol. Desperdiçou algumas oportunidades de ganhar então o jogo, a última no remate de Enzo Fernandez, no poste.
Nos penáltis, Emiliano Martínez, ao defender dois, resolveu. E deixou sem consequências o que o Enzo falhou!
Esta é a fotografia, dos fotógrafos. A fotografia é outra.
Com as equipas perfiladas no centro do terreno, na hora dos hinos, meia dúzia de fotógrafos, uma pequena minoria, aponta as objectivas para captar essas imagens. Dezenas de outros, a imensa maioria, viraram as costas e apontaram na direcção do banco da selecção portuguesa. Lá, estava Cristiano Ronaldo.
O centro de tudo não era o relvado, onde se iria disputar um jogo decisivo, de onde sairia a última das oito selecções apuradas para os quartos de final do Campeonato do Mundo de futebol. O centro de tudo era, indiscutivelmente, Cristiano Ronaldo no banco de suplentes.
Se aquela imensa maioria de fotógrafos apontou as câmaras fotográficas para o mais emblemático jogador de futebol, e uma das mais mediáticas figuras mundiais, ou se para uma presa abatida, ali atrás, é a dúvida.
Ou talvez uma questão de fama.
Da má fama que cobre grande parte da classe. E da fama de Ronaldo. Que faz romper os limites da crueldade!
Cristiano Ronaldo não é a fonte de onde brotam todos os problemas da selecção. Mas que de lá sai a maior parte deles, ficou hoje mais que demonstrado.
Os que não têm essa origem, têm-no, como tem sido dito e redito, por aqui e não só, no seleccionador. Na sua ideia de jogo que mata à nascença o talento e a alegria de jogar destes jogadores, mas também naquilo que tem sido a notória subserviência a Ronaldo.
Hoje Fernando Santos libertou-se dessa subserviência e, com isso, libertou os jogadores para uma exibição e um resultado que, agora sim, dá sentido às palavras que antes eram proferidas em vão. A proclamada aspiração de ser campeão do mundo, que antes era ridícula, é hoje ambição legítima.
Acredito, e creio que a maioria das pessoas que acompanham estas coisas também, que na origem de tudo o que hoje mudou na selecção portuguesa esteja o episódio do minuto 67 do jogo com a Coreia.
As palavras de Ronaldo no momento da sua substituição, foram uma óbvia traição a Fernando Santos. Traição de Ronaldo, porque o tem defendido, acima de tudo e de todos. E traição da estrutura da Federação porque, para defender o jogador do indefensável, o projectou, mais que para o ridículo, para a indignidade e o descrédito.
Ao fabricar aquela patética "concertação" de comunicação, escondendo-lhe o que tinha sido testemunhado por dezenas de câmaras de televisão, e impingindo-lhe um insulto de lana caprina a um coreano qualquer, a Federação atingiu-o na própria dignidade.
Traído, Fernando Santos, percebeu finalmente que, para sobreviver, teria de se libertar da teia de cumplicidades que o envolvia. E de mudar de paradigma.
E ganhou respeito. Dos adeptos, mas acima de tudo dos jogadores.
Ronaldo ficou no banco, como não poderia deixar de ser. Não ficavam resolvidos todos os problemas da selecção, como os primeiros 10 minutos do jogo demonstraram. Mas ficaram resolvidos quase todos.
Foi o tempo que os jogadores demoraram a soltar-se e a habituarem-se ao novo paradigma de liberdade, que lhes permite jogar o que sabem. A partir daí foi jogar à bola.
E isso todos sabem fazer. João Félix, Bernardo Silva, e Bruno Fernandes como poucos. E como jogaram ... E como jogou, e o que trouxe Gonçalo Ramos para o futebol da selecção. Com três golos - o primeiro hat-trik deste Mundial - e ainda uma assistência para Rafael Guerreiro, no quarto golo.
Foi "só" isso o rendimento do substituto de Ronaldo. Saiu a 20 minutos do fim, com o resultado em 5-1, para entrar Ronaldo, numa substituição que se entende perfeitamente. Que reforça a autoridade do seleccionador, protege a equipa e ... protege Ronaldo. Que continua a não saber proteger-se. Foi o primeiro a sair para o balneário, deixando os colegas no relvado a festejar o apuramento. Por ele, só festeja os seus êxitos pessoais!
A fechar uma grande exibição, e um resultado histórico, sem paralelo nestes oitavos de final, um grande golo de Rafael Leão, um dos últimos a entrar, mas ainda a tempo de deixar a sua marca num jogo onde a Suíça foi completamente atropelada, e vergada a - certamente - uma das derrotas mais pesadas da sua História.
Agora, nos quartos, segue-se a sensacional selecção de Marrocos. Com os novos horizontes abertos por este dia histórico para a selecção nacional é legítimo, agora sim, aspirar às meias finais. E, para já, repetir 1966 e 2006.
E aos oitavos a Espanha foi embora... empurrada por uma sensacional selecção de Marrocos.
Foi nos penáltis, mais uma vez, num escandaloso 3-0, depois do nulo dos 90 minutos regulamentares que os 30 de prolongamento não alterou.
Começando pelo fim, a Espanha não converteu nem um dos três penáltis que que teve em oportunidade. No primeiro, Sarábia - que entrara já no fim do jogo, com Luís Henrique a pensar nessa forma de desempate, e que, nos últimos segundos do prolongamento tivera um remate ao poste, na melhor oportunidade dos espanhóis em toda a partida - acertou no poste. Nos outros dois, Bounou, que é nome de guarda-redes que por pouco não é nome de músico, dançou. Dançou na baliza, e defendeu espectacularmente os pontapés de Soler e de Busquets.
Antes, para trás, ficou mais uma grande exibição da selecção de Marrocos. Que, sem mais que dois ou três jogadores muitos bons, é uma verdadeira equipa, praticamente intransponível. Basta ver que sofreu apenas um golo - entre três jogos de 90 minutos, mais um de 120, e ainda três penáltis - e, mesmo esse, não foi consentido aos adversários. Foi um auto-golo, verdadeiramente infeliz, no jogo com o Canadá.
Só a espaços, e mesmo esses curtos, a Espanha conseguiu impor o seu futebol de cerco ao adversário. Aquele futebol que, em vez de snipers, ou de mísseis, liquida os adversários por exaustão.
Os jogadores marroquinos não só resistiram e essa exaustão - mesmo que exaustos no final do jogo - como tiveram ainda engenho, arte e alma para criar as melhores oportunidades do jogo, uma das quais na imagem. A Espanha pode queixar-se daquele remate ao poste de Sarábia, nos últimos momentos do prolongamento. Mas pouco, em boa verdade. Sem qualquer ângulo para atingir a baliza, aquilo não foi uma oportunidade desperdiçada, foi mesmo o melhor que o jogador que passou o ano passado em Alvalade dali poderia ter tirado.
Era impensável, mas aconteceu. A Espanha voltou a falhar, e é, depois da Alemanha, mais um candidato a ficar prematuramente de fora deste Mundial.
À entrada para a segunda metade dos oitavos de final, o primeiro empate, o primeiro prolongamento ... e a primeira decisão através dos pontapés da marca de penálti.
Foi assim, com o guarda-redes Livakovic a defender três dos quatro "penáltis" (mal) cobrados pelos jogadores japoneses, que a Croácia seguiu para os quartos de final, deixando o Japão de fora.
Depois de ganhar à Alemanha e à Espanha, deixando desde logo um os germânicos de fora, o Japão era a sensação do momento. A Croácia estava longe do desempenho que há quatro anos a levara à final, em Moscovo. A conjugação destas duas circunstâncias acabava até por, pasme-se, fazer pender o favoritismo para a selecção asiática.
Que confirmou durante primeira parte, onde jogou mais e melhor que os croatas, justificando claramente a vantagem com que chegou ao intervalo. Enquanto "teve pilhas" o Japão jogou o seu futebol rigoroso, que quer a bola apenas para chegar depressa à baliza adversária. A maioria das ideias de posse de bola parte do princípio - verdadeiro e indiscutível - que quando se tem a bola não se poder sofrer golo, e esgota-se muitas vezes no objectivo de evitar que o adversário a tenha. A ideia do Japão é diferente, quer apenas ter a bola para atingir a baliza adversária. Depois, é reconquistá-la depressa, para voltar, igualmente depressa, à outra baliza.
Mas ... lá está. Isto precisa de pilhas. Muitas pilhas, bem carregadas. E, à segunda parte do quarto jogo, elas começaram a faltar.
E como a Croácia empatou - e pareceu que era tudo o que queria -, num golo de Perisic, mais ou menos caído do céu, logo no início da segunda parte, o jogo acabou. E passou a simplesmente ser uma coisa qualquer entre uma equipa que não queria mais e outra que não podia mais.
E foi mais de uma hora - o que faltava da segunda parte, mais a meia hora do prolongamento - do mais enfadonho que viu deste o Catar. De sonolência absoluta!
Valha que logo a seguir deu para acordar com o Brasil. Que, já com Neymar recuperado e no onze, despachou "a nossa" Coreia em dez minutos. Depois ... foi show de bola, com quatro golos - sublimes, daqueles que já não imaginávamos possíveis, a que nem o penálti de Neymar escapa - em pouco mais de meia hora. Um regalo para a vista, na homenagem a Pelé.
Em matéria de golos o Brasil ficou por aí, fechou a loja aos 35 minutos. Porque o grau de eficácia baixou e porque à medida que o tempo ia passando levantou o pé. Golos - e apenas um - só para a Coreia. E dos bons. E bem merecido, até porque o Alisson evitou mais com quatro grandes defesas.
E um jogo que à meia hora parecia ir acabar num massacre acabou numa goleada, é certo, mas um resultado que não humilha ninguém. E com a selecção coreana a sair inteira. Como inteiro saiu Paulo Bento, a anunciar que deu por concluída a sua missão na Coreia do Sul.
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