A mensagem de Natal do primeiro-ministro foi mais um exercício de optimismo. Do já conhecido irritante.
Mesmo irritante, diria que optimismo é eufemismo para afastamento da realidade. Irritante e duro.
Dir-se-á que o Natal é aquele período de dias em que tudo se pinta de cor de rosa, mesmo que o vermelho seja a cor dominante. E que as mensagens da quadra devem esquecer a dura realidade para dar espaço à utopia. Ainda há pouco, ao publicar o "Há 10 anos", confirmava que Passos Coelho fazia o mesmo. Que Sócrates fizera o mesmo, e por aí diante. Ou por aí atrás, vendendo-nos sempre um "país imaginário", em vez da realidade, sempre dura. Cavaco chegou até a chamar-lhe "oásis".
Nesse sentido para os governantes deste "país imaginário" Natal é todos dias. E António Costa nem é assim tão inovador...
Porém, para este governo, não é só Natal todos os dias. Todos os dias são também dias de mais casos e casinhos. Até no Natal. Desta vez é o da secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis que, soube-se agora, recebeu uma indemnização de 500 mil euros para abandonar o cargo de administradora executiva da TAP antes do final do mandato para, quatro meses depois, ser nomeada para a presidência da Navegação Aérea de Portugal (NAV).
Num "país imaginário" é bem possível que isto se ache normal. Foi destituída, e por isso indemnizada, da administração da TAP porque lá representava o então accionista Humberto Pedrosa, e por isso não podia representar o Estado. Que passou a poder representar na presidência da NAV, por acaso exactamente com a mesma tutela, a do Ministério das Infraestruturas. E até, mais apenas uns poucos meses depois, a integrar o governo.
Com muita saúde. Para todos, Para os que lêm e comentam, para os que lêm e não comentam, para os que comentam mas não lêm... E para os que insultam.Também são gente, mesmo que às vezes não pareça.
António Costa puxou dos óculos da política que tem sempre à mão, olhou com atenção, falou com Marcelo, e decidiu que os portugueses podiam festejar o Natal. Foi avisando, foi fazendo até uns trocadilhos com a partilha própria desta época, mas preferiu ser popular a prudente.
Ou, visto de outra forma, confiar no sentido de responsabildade dos portugueses, tratar-nos como adultos responsáveis, em vez de crianças inconscientes.
Para nós, é mais fácil apostar na primeira hipótese. Embora mais bonito acreditar na segunda. Para os esgotados profissionais de saúde que vivem no inferno dos hospitais, em guerra com um vírus que continua a trocar-lhes as voltas, que não têm pontes, nem férias, nem a maioria deles Natal, é igual. Sabem que é para eles que sempre acaba por sobrar...
E parece que a RTP também já garantiu que há Natal dos Hospitais...
Em cima da passadeira da caixa do supermercado duas garrafas de óleo alimentar, um garrafão de água e dois sacos de pão. No chão ficara o cesto, com mais dois sacos de pão.
Ao ver que a operadora registara já tudo o que estava à boca da caixa, o cliente que a seguia na fila chamou-lhe a atenção: olhe que ainda está isto no cesto. Segurando na mão um cartão multibanco e uma fita de papel donde não desviava o olhar, a mulher respondeu com um simples "deixe estar, é para ficar".
Três euros e noventa e seis - ouviu-se da operadora da caixa. A mulher voltou a olhar para a fita de papel: "então tire este saco de pão". Contrariada a funcionária retirou o saco, teclou, e de novo, nom mesmo tom de voz: "três euros e cinquenta e cinco".
A fila, que não parava de crescer, começava a dar sinais de impaciência. Já sem necessidade de voltar a olhar para a tira de papel de poucas linhas, ouve-se: "só pode ser três euros e trinta e três". E de seguida pede à operadora para retirar uma carcaça, ou duas, se fosse preciso, do último dos quatro sacos de pão que havia recolhido para o seu cesto de compras.
A operadora fechou por fim a conta, e a mulher passou o cartão na máquina, introduziu-lhe o código e recolheu as suas compras, enquanto a funcionária explodia: já viu o pão que se estragou por sua causa?
Terceiro da fila, senti uma raiva irreprimível a subir-me pelo corpo acima. Uma raiva que se tornou insuportável quando me dei conta que acabara de assistir a tudo aquilo sem sair da fila, e sem me chegar à frente e pedir à funcionária que repusesse todo o pão retirado.
É Natal, dizem... Sim, já senti raiva neste Natal!
A notícia é desta semana de Natal: uma senhora, funcionária de um lar de idosos da Santa Casa da Misericórdia de Aveiro, viu decretada a penhora do subsídio de alimentação para liquidação de uma dívida de 8500 euros, como tanta outra gente vê penhorados os seus rendimentos pelas mesmas razões. Até aqui, nada de novo. Todos sabemos que circunstâncias destas são infelizmente cada vez mais frequentes. Sabemos que o endividamento é um dos maiores problemas do país. E das pessoas que o fazem… E sabemos que os credores têm direito a receber os seus créditos, mesmo que também saibamos que, muitas das vezes, a sua responsabilidade no crédito não é menor que a do devedor.
O que é novidade, insólito e mesmo surreal, é que, não recebendo a senhora subsídio de alimentação porque toma as refeições no lar de idosos onde trabalha, o agente de execução penhorou a refeição em espécie.
Não se sabe se o zeloso agente de execução tenciona ir diariamente à instituição de marmita na mão a tempo de retirar da boca da executada a sopa, o pão, o arroz, as batatas, o naco de carne ou a posta de peixe. Nem se tenciona depois ir a correr entregá-la ao credor, para que não arrefeça. Porque, requentada, perderá certamente valor, tornando mais difícil a recuperação da dívida.
Nesta semana de Natal já tínhamos imagens de fome, dor, terror e morte a cruzarem-se com imagens de felicidade, beleza e sonho, que nos impingem tudo e o crédito para o comprar. Faltava mesmo era qualquer coisa que cruzasse a mais alta imbecilidade com o mas baixo sentido de dignidade humana. É este o nosso mundo hipócrita, que nem uma pausa para Natal tem!
Em Ancara, na Turquia de Erdogan, um polícia supostamente em folga mata e exibe a morte do embaixador russo numa pacata exposição de fotografia. Em Zurique, um indivíduo ainda não identificado entrou numa mesquita, onde gente rezava, e disparou a matar. Em Berlim, um terrorista que também é jovem refugiado - a ordem é arbitária - tomou de assalto um camion, matando o camionista, para o usar como arma de terror e morte por um espaço comercial dentro. Matou doze pessoas, e deixou largas dezenas feridas, muitas ainda em perigo de vida.
Há mesma hora, em Alepo, gente, muita gente, continua a morrer enquanto foge sem saber donde e muito menos para onde. Apenas perdidos no meios de escombros e bolas de fogo em que ditadores, assassinos, e diplomatas transformaram a outrora maior e mais cosmopolita cidade Síria.
No mesmo dia, mais hora menos hora de todas estas horas, em Paris, um tribunal provava que a conduta negligente de Christine Lagarde, enquanto ministra das finanças de Sarkozy, num processo com essa figura acima de toda a suspeita chamada Bernard Tapie, custara aos cofres franceses 404 milhões de euros. Mas que isso não tinha importãncia nenhuma... Já não tinha grande importância para a lei, que previa uma moldura penal de um ano de prisão, e uma multa simbólica de 15 mil euros. Teve ainda menos para o Tribunal que a aplica, que entendeu que tão destinta personagem, mesmo que culpada, não poderia sujeitar-se a qualquer tipo de sanção.
Pode ser que nada tenha nada a ver com coisa nenhuma. Mas a mim parece-me que tudo tem um bom bocado a ver com tudo...
Não tem é nada a ver com o Natal!
PS: O jovem refugiado paquistanês suspeito de ter tomado o volante do camion, e nessa qualidade detido, foi já posto em liberdade por não ter sido provada essa suspeita. As minhas desculpas pela imprudência de ter assumido por notícia o que não passava de uma suspeita.