Trump pretende transformar a Faixa de Gaza - um território de “localização fenomenal, junto ao mar ... com o melhor clima” - na "Riviera do Médio Oriente". E para explorar ao máximo o potencial imobiliário da região pretende deslocar para países vizinhos os mais de dois milhões de pessoas que lá vivem, actualmente sob os escombros da guerra.
A expulsão de um grupo de uma determinada região ou território pela via da força com o objectivo de homogeneização populacional constitui limpeza étnica. Trump está a declarar a limpeza étnica da Palestina, que não só se enquadra no âmbito dos crimes contra a humanidade, como constitui crime de genocídio, tipificado pela Convenção de Genebra como acções que visam destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.
Até aqui os Estados Unidos foram cúmplices dos crimes de Netanyahu. Com Trump passam de cúmplices a criminosos activos ... à procura de novos cúmplices.
Esperemos que a decência encontre formas de sobrevivência, e consiga erguer-se para barrar o caminho para a institucionalização da barbárie. Não é fácil, pelo menos a ver por quem nos governa.
Será que custa assim tanto dizer que isto é intolerável e de todo inaceitável?
Pelos vistos, para quem nos governa, custa. Tanto que já nem há MNE. Tanto que Paulo Rangel, que tem sempre tudo a dizer sobre tudo, desapareceu de cena.
Passam hoje 80 anos sobre a entrada das tropas soviéticas no campo de concentração de Auschwitz, que os nazis construíram apenas nove meses depois de tomarem a Polónia, e para onde deportaram mais de 1,3 milhões de pessoas.
Dessas, 1,1 milhões morreram. Dessas, 900 mil eram judeus.
A 26 de Janeiro de 1945, quando as portas foram abertas, restavam lá 7 mil presos. Em absoluta debilidade física, incapazes para aguentar a marcha da morte imposta e organizada pelos comandantes nazis na retirada em fuga.
Hoje, muita gente vai estar em Auschwitz a assinalar a data, no mais perverso cenário dos mais hediondos crimes contra a humanidade. Ironia da História: lá estará Netanyahu, apesar do mandado de captura emitido pelo Tribunal Penal Internacional - o governo polaco decidiu incumprir o mandato -, também por crimes contra a humanidade.
O conflito Israel-Palestina entrou decisivamente na sua fase mais brutal e constitui, hoje, apesar da guerra na Ucrânia - entretanto já em segundo plano -, a maior ameaça para o Mundo.
Sobre o ataque terrorista do Hamas desencadeado há uma semana - completa-se precisamente amanhã - já aqui escrevi, condenando-o sem reservas. Mas relevando também a responsabilidade israelita, e particularmente a do tenebroso Netanyahu na formação do Hamas e do Hezbollah, com o objectivo central de aniquilar toda e qualquer contra-parte de diálogo (acabando com a laica e moderada OLP) e para um conflito que é um somatório de 78 anos de guerras, massacres e atentados ao Direito Internacional.
Todas as guerras tem as suas narrativas, e a sua História é sempre escrita pelos vencedores. Integra a narrativa actual que Israel é a única democracia daquela região, e o único regime em que é possível viver à luz dos valores civilizacionais de um mundo decente, como se isso bastasse para legitimar uma História de 78 anos de atropelos a grande parte desses valores.
Foi por deliberação da ONU que, em 1948, foi criado o Estado de Israel, ocupando praticamente 80% do território da Palestina, até aí ocupado praticamente apenas por palestinianos. 78 anos depois, contrariando todas as deliberações da Organização que o criou, todas as resoluções do Conselho de Segurança, o Estado de Israel ocupa 90% desse mesmo território, depois de ocupar com colonos ilegais a Cisjordânia, e reduzir a população palestiniana a 21%, fechada e cercada por um muro na faixa de Gaza, a que agora acaba de de cortar a água, a alimentação, a electricidade e a energia a mais de 2 milhões de civis. E ocupou totalmente Jerusalém, de que fez capital.
Onde está a legitimidade?
E a democracia?
É certo que que há eleições, tantas vezes quantas as necessárias para manter Netanyahu no poder, apesar de tão cercado de crimes e corrupção, como cercados estão os palestinianos na prisão de Gaza. É certo que é permitida (até quando?) voz aos poucos israelitas que se opõem aos crimes do Estado. É certo que Michael Sfard ainda não está preso. Mas não é menos certo que o aumento sucessivo da influência dos ortodoxos, e a liderança política de Netanyahu, hoje pouco distingue o fanatismo religioso do poder israelita do dos radicais islâmicos.
Como pouco distingue a "democracia" de Netanyahu e a do seu aliado Putin!
O dia 7 de Outubro de 2023 constituir-se-á certamente como uma data Histórica. Na História "já escrita" do século XXI só terá paralelo no 11 de Setembro, de 2001.
O ataque do Hamas a Israel, numa das datas mais importantes para Israel - dia do 50º aniversário da guerra do Yom Kippur, dia do Shabbat e do feriado religioso mais importante do país - o maior, e mais mortal, de sempre por parte dos palestinianos, surpreendeu o mundo. Mas na realidade não tem muito de surpreendente.
Bem mais surpreendente que o ataque - "um ataque terrorista comandado e planeado como uma operação militar", como bem o descreve a Clara Ferreira Alves, no Expresso - é que os hiper-qualificados e insuperáveis serviços secretos israelitas tenham sido apanhados de surpresa. Isso, sim, é verdadeiramente surpreendente. E, já agora, isso sim, é que pode verdadeiramente correr mal a Netanyahu.
Tudo o resto, incluindo a dimensão da brutalidade terrorista que vimos nas imagens que correm mundo - e, também já agora, que não devem ser muito diferentes das que não vimos no passado, nem veremos, da parte de Israel - era, não só previsível, como o desfecho lógico do que Netanyahu vem fazendo há muitos anos.
O Hamas é uma criação de Netanyahu. É o "monstro" - como diz o Daniel Oliveira - que criou para acabar com as forças palestinianas moderadas e empenhadas durante décadas na negociação da paz e da convivência entre israelitas e palestinianos. Para minar por dentro a nação palestina, e acabar de vez com a sua aspiração ao legítimo direito a ter um Estado.
Primeiro, Netanyahu criou o Hamas. Depois avançou pelo território palestino dentro, até confinar mais de dois milhões de pessoas numa pequena e isolada faixa de com pouco mais de 300 quilómetros quadrados, fechada a arame farpado e electrificado, entregue aos terroristas do Hamas e do Hezbollah que formou e financiou a partir do Líbano.
Não é a primeira vez que acontece na História. Nem será a última. O "monstro" talibã instalado no Afeganistão é apenas um dos últimos exemplos...
Mas o mundo está entregue a quem não quer saber nada de História!
Durante muito tempo a estratégia do país para o Turismo, sempre uma das mais fortes componentes da nossa economia, a par das remessas dos emigrantes, assentava no "Sol e Praia". Muitos entendidos da matéria alertavam para os perigos de uma espécie de mono-produto, e avisavam que era preciso alargar a oferta.
Não sei se foi feita muita coisa para atingir esse desiderato, mas sei o que o terrorismo, e principalmente a instabilidade que se seguiu à Primavera Árabe, de há meia dúzia de anos a esta parte, fizeram por isso. Hoje o turismo português faz gala de apresentar mais um produto - a "Segurança", a acrescentar ao "Sol e Praia". Hoje Portugal é "Sol, Praia e Segurança". Que não é bem a mesma coisa que "sol e praia em segurança", como se sol e praia fosse sexo. Que às vezes também é!
Não. Segurança é, hoje, o mais determinante produto do pacote turístico que temos para oferecer. E valeu-nos mesmo dois dos mais disputados turistas da actualidade. Temos desde ontem em Lisboa dois turistas à procura do que de melhor temos para oferecer - "segurança"!
Os senhores Pompeo e Nethanyahu precisavam de conversar um bocadinho - talvez até uma partidinha de xadrez, quem sabe? (dominó? - não acredito!) - e escolheram Portugal. Claro que, sendo quem são, precisam mais de segurança que de sol. Que também aí está, de mãos dadas com a tradicional hospitalidade portuguesa, também central no rótulo do nosso pacote turístico.
Um cartoon de António, onde Trump, cego, é conduzido por um cão-guia com rosto de Netanyahu, que também é Benjamim mas conhecido por Bibi, que bem podia ser nome de cão, foi publicado, sem sua autorização e sem sequer disso ter sido informado, pelo New York Times.
Até aqui a única anormalidade é um jornal desta dimensão publicar um trabalho de um autor à sua completa revelia. Mas nenhum problema, a não ser que Trump use quipá, e que na extremidade da coleira esteja a estrela de David. Aí... alto lá!
Aí, o jornal foi acusado de anti-semitismo, e imediatamente tratou de retirar o cartoon, pedir desculpas e lamentar a falta.
Teria sido mais um grande jeito a Netanyahu, que já não tinha como articular o horror do holocausto com os horrores da sua governação. A partir de agora, e graças a esse grande vulto da civilização mundial chamado Jair Bolsonaro, Netanyahu não teria por onde sentir qualquer constrangimento...
Sabe-se que Netanyahu massacra a Faixa de Gaza apenas por duas razões: por tudo, e por nada. Desta vez bastou-lhe que Trump reconhecesse, contra o consenso internacional há muito estabelecido, a soberania israelita sobre os Montes Golã. E a campanha eleitoral em curso em Israel, onde as coisas lhe não estão a correr de feição.
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