Percebemos que há muito boa gente que não percebeu nada disto.
Maria de Belém, e boa parte do aparelho socialista, não percebeu nada disto. "Isto", no caso, é aquilo a muita gente chama "tempo novo". E, ao não perceberem nada disto, só mostraram como é fraca a poderosa ala direita do PS. E os equívocos do aparelhismo...
Para percebermos que também o PC, que costuma perceber tudo depressa, não percebeu nada disto, bastou uma frase. De Jerónimo de Sousa: "Podíamos arranjar uma candidata engraçadinha, mas não somos capazes de mudar". Pois não!
O PSD, não será o PSD profundo mas certamente o PSD mais papista que o Papa - que ainda é Pedro Passos Coelho - que se espalhou pelo comentário das televisões, também não percebeu nada disto. Não percebeu que não há vinganças, que a sociedade portuguesa já acomodou os resultados das legislativas, que Cavaco vai embora, e que Marcelo é outra coisa. Que não tem nada a ver...
Também não percebeu nada disto quem, onde voltam a estar este PSD e o seu permanente parceiro do lado, não percebeu ainda que António Costa nunca perde. O PS perdeu, mas o primeiro-ministro não. De maneira nenhuma, como se perceberia mesmo sem necessidade de o ouvir na noite de ontem.
Sem surpresa, a abstenção continua a crescer e a confirmar o divórcio dos portugueses com a coisa política. Nunca foi tão elevada em eleições (que não em reeleições) presidenciais, e só não se pode dizer que mais de metade dos portugueses desistiu já de participar com o seu voto, porque nestes mais de 50% de abstenção, uma boa parte - à volta de 17 - não é pessoas. É falta de decência técnica!
Sem surpresa, Marcelo ganhou à primeira volta e, sem surpresa, é o próximo Presidente da República. Sem supresa o resultado eleitoral de Sampaio da Nóvoa que, não fosse Marcelo, lhe daria para disputar a eleição à segunda volta. Sem surpresa, a não ser no grau, a severa derrota de Maria de Belém e da ala e dos equívocos que representa no PS. E ainda sem grande surpresa, Marisa Matias confirmou o resultado eleitoral do espaço político que representa, que inquestionavelmente se confirma como terceira força política do desgastado xadrez partidário do país.
Afinal, surpresas apenas duas: o desastre eleitoral do candidato do PC e o êxito eleitoral de uma figura como Tino de Rãs. Surpreendente, o primeiro, porque os comunistas costumam segurar bem os seus voltos. E parece que já não o conseguem... O segundo porque, apesar de fenómenos desta natureza acontecerem com frequência em muitas democracias, tem a surpresa de uma expressão ao nível das candidaturas de Edgar Sllva e de Maria de Belém. De outro campeonato!
Desta noite eleitoral fica sobretudo o insólito de, na RTP, terem sido os próprios candidatos a anunciar a vitória absoluta de Marcelo. Às oito da noite, com a pompa do count down, José Rodrigues dos Santos anunciava o resultado exclusivo da sondagem da Católica à boca das urnas, que, apregoava ele, acertava sempre ... Que afinal, com o seu intervalo de 49 a 52% dos votos para Marcelo, não acrescentava nada às sondagens todas das últimas semanas...
Depois, claro, já todos os candidatos davam os parabéns ao presidente eleito e ainda a RTP estava presa pelo limite inferior da sondagem.
Voltaram as aberrantes interpretações dos resultados eleitorais, em que a vontade expressa no voto de cada cidadão, ou de cada grupo de cidadãos, é transporada para um colectivo que só existe no imaginário de algumas mentes que se acham brilhantes.
Uma coisa é dizer-se que o eleitorado privilegia a estabilidade. Ou que há há franjas do eleitorado que se deslocam por isto ou por aquilo. Outra, diferente e completamente disparatada, é dizer-se que o elitorado disse isto ou disse aquilo. Que o eleitorado tem uma vontade colectiva própria, escondendo que qualquer decisão eleitoral representa o somatório das decisões individuais, cada uma com a sua motivação própria.
É de Miguel Sousa Tavares, e foi pronunciada na SIC Notícias, a mais abusiva e disparatada das interpretações que, a essse respeito, se pôde ouvir na noite eleitoral. Dizia ele - acompanhado mais tarde por António Lobo Xavier, mas nesse percebe-se o alcance, já a preparar o day after - que o eleitorado disse claramente e sem sombra de dúvidas: "Nós queremos que este governo se mantenha em funções mas não a governar como antigamente".
Isto pode ter o alcance político que quiserem. Pode servir os interesses políticos que quiserem, mas não altera nada do que foi o voto de cada um de nós. Que foi, para cada um dos portugueses que votou na coligação, simplesmente a manifestação da sua vontade em que ganhassem as eleições com quantos mais voltos melhor. Não é crível que alguém tenha votado na coligação para governar de maneira diferente do que governou. Nem que alguém tenha votado no PS, no Bloco, ou em quem quer que seja, para que o governo se mantivesse em funções. Foi exactamente para o contrário.
Cada um que votou no PS fê-lo para que António Costa ganhasse as eleições e fosse primeiro-ministro. E só não é exactamente o mesmo para cada um que vota nas restantes forças políticas porque ninguém, aí, tem a ilusão de ganhar as eleições. Mas quando vota quer que ao seu voto, de protesto ou de condicionamento, acresça o maior número possível de outros votantes.
Mas é com disparates destes e doutros que muita gente ganha a vida. Não há muito a fazer...
A tradição já não é o que era, e António Costa não se demite. Contrariamente a tudo o que seria previsível: obviamente não se demite!
O que não quer dizer que não possa vir a ser obrigado a rever essa decisão. Que não é irrevogável ... Falta saber se no PS há coragem para o obrigarem a isso. Vontade há, coragem é que talvez não.
Há quem acredite que, com a lição aprendida, daqui a pouco tempo chegue de novo a hora. Pode não ser assim, mas o pior mesmo é se a lição não ficou aprendida. É cedo para perceber isso, mas a ideia que fica é que a lição está longe de estar aprendida. O problema é que o problema do PS não se fica por uma lição. Nem por duas ou três lições, o problema é todo um programa. E quando assim é há muito mais voltas a dar...
O PS não precisa apenas de renovação. Não precisa apenas de gente nova, nem só de ideias novas. Precisa de um espaço novo!
Pedro Passos Coelho reconheceu que o partido que lidera - e que juntamente com o país conduz para o abismo - sofreu uma das piores derrotas da sua história.
Recusou, no entanto, qualquer leitura nacional dos resultados destas autárquicas e reafirmou o caminho que tem vindo a seguir. Se não for de todo compreensível - se calhar é este o verdadeiro significado do célebre "que se lixem as eleições"- é pelo menos aceitável que o faça. Nem todos têm capacidade de perceber o pântano!
O que não é de todo aceitável é que Passos Coelho diga, como disse, que os resultados eleitorais de hoje também têm a ver com a aposta do PSD em “candidaturas que não cederam ao populismo, e com os pés assentes na terra”. Poderia não deixar de passar de anedota, da anedota desta noite eleitoral. Mas dei por mim a chamar-lhe aldrabão... E a lembrar-me de Sócrates: está a ficar igualzinho!
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