Apesar da crise profunda, números recentes demonstram que há muita oferta de emprego por preencher, particularmente no sector agrícola, facto que me leva a rever e aqui transcrever o texto de Joaquim Vieira Natividade (1899-1968), ilustre cidadão de Alcobaça e do mundo, que, pela sua investigação científica de prestígio internacional, muito honrou a cultura portuguesa, particularmente a ciência florestal e agrícola, porque tinha o sentido de missão e a responsabilidade social de contribuir para o desenvolvimento do país.
Depois de 20 anos (1930 a 1950), como director da Estação Florestal do Sobreiro, deixou o seu nome em cerca de 320 publicações científicas e Instituições como a Estação Nacional de Fruticultura Vieira Natividade, que este governo de medíocres, ao desprezar o conhecimento científico, está a deixar ao abandono. O texto publicado no jornal “Diário Popular”, nº 8957, de 1967, revela também a qualidade literária de um Homem culto:
“Pessoas doutas e piedosas, para as quais as manhas de Belzebu não têm segredos, afirmam que para levar as almas à predição e abastecer de réprobos as fogueiras do Inferno, não hesita o demónio em vestir o hábito do frade, o burel da freira, a sotaina de clérigo, a toga do juiz ou de se ornamentar com a mitra de bispo e até com asas puras dos anjos. Ardilosamente, de mini-saia, desvia para ruins caminhos o pensamento dos justos… Disfarça-se de financeiro; mete-se na pele do político ou do mercador…Diz-se até que, depois de velho, Satanás se fez ermitão…
Não consta, porém, que o diabo se entregasse alguma vez às artes agrestes da Lavoura; nunca suas mãos imundas empunharam a rabiça do arado ou o nodoso cabo da enxada; jamais seu dorso peludo se curvou, sob o ardor da canícula, na faina dura de ceifar o grão; ninguém o viu na cava ou na poda dos vinhedos, no labor das eiras, no granjeio penoso da horta e do vergel. E isto dá que pensar.
Por que não quer o diabo ser lavrador? Como explicar tal desdém pelas honestas lides agrárias? Por que foge do arado como foge da cruz?
Será porque teme as durezas e amarguras do ofício e pensa que, para suplício das almas, já basta o seu próprio Inferno? Ou será porque no nosso enganoso mundo a voz do lavrador não é ouvida, e, se alguma vez se metesse na pele do agrícola, seria incapaz de desviar uma alma uma pobre alma que fosse, até das mais propensas ao pecado, do recto caminho da virtude?
Respeita o crente o hábito do frade, confessa-se ao clérigo, beija com humildade o anel do bispo. Ouve o réu contrito a sentença do juiz; aplaude o mundo as artimanhas da sedução feminina; inveja-se a abastança do financeiro, admiram-se as manhas do mercador, acredita-se nas promessas do político… E sob estes disfarces, e com palavras mansas faz o diabo farta colheita de almas para a danação eterna.
Quem fará caso da voz dos que trabalham a terra? Recorde-se o que dizia o nosso Rodrigues Lobo:
O lavrador queixoso,
Dos trabalhos vencido,
Dos grandes mal ouvido,
Nas contendas inerte e sem cautela,
Culpa com mil suspiros sua estrela
Batendo à madrugada
À porta sempre a míseros cerrada…
Foi talvez, por estas e por outras, que Belzebu não quis nada com os lavradores”.
Esclareço que, nas minhas relações pessoais, tenho a grata simpatia por alguns comunistas que o são de espirito, vivência e entrega ao serviço da comunidade que integram. Quando no exercício de cargos públicos a dedicação é total, com desapego de privilégios e mordomias. Poderia citar nomes, particularmente no poder autárquico.
O título é uma evocação do passado, para perceber melhor o presente. É recuar aos anos da ditadura do Estado Novo, quando se vivia o clima de repulsa doentia pelo comunismo. Este era o terror dos terrores, a principal ameaça à estabilidade política, social e religiosa da altura.
Das minhas memórias e notas de campo, recordo o período do meado do século passado, quando crescia num meio rural desprovido de infraestruturas públicas. Qualquer benefício para a comunidade local era mendigado junto das autoridades concelhias, que apenas libertavam escassas migalhas, normalmente em géneros ou serviços e nunca em dinheiro. Na falta da estrada, como meio necessário à circulação de pessoas e bens, da escola e da igreja, como símbolos da pátria e meios necessários na instrução e educação moral da população, era esta que se mobilizava porque nada lhes era oferecido. Uns davam a mão-de-obra, outros colaboravam na obtenção dos materiais e, por fim, a Câmara Municipal enviava alguns meios complementares.
Recordo, também, o dia que minha mãe - na sequência de diligências a favor da comunidade da aldeia - chegou a casa perturbada depois de uma conversa com padre da freguesia, que lhe chamou “perigosa comunista”, dadas as iniciativas por ela tomadas e pelo seu poder de mobilizar as pessoas. O seu comportamento abalava a estabilidade do caciquismo local, mais feroz que o caciquismo do poder central, o que não a impediu de escrever a Salazar e ao Cardeal Patriarca Cerejeira, os quais, através das respectivas hierarquias, enviaram, respectivamente, materiais para obras e um projecto para uma igreja.
Esta lembrança vem a propósito de mais uma frenética campanha eleitoral para as autárquicas, em tempo bem diverso de outrora, em que se promete muito e se faz pouco, contando sempre com acesso fácil à mesa do orçamento e com a gestão criativa dos recursos públicos de forma irresponsável ou mesmo dolosa.
Como o acesso ao dinheiro fácil amolece virtudes, alguns autarcas - viciados em obras de fachada e sem capacidade de iniciativa para outras realizações, mesmo de natureza imaterial, cultural e formativa - ficam-se pelas reparações de estradas ou pelo arranjo de pequenos espaços ajardinados. Cuidam, antes, da outra estética do poder, materializada em outdoors com candidatos de sorriso renovado, sem gravata, e mangas arregaçadas, preparados para a laboriosa e nobre tarefa de serviço público. Um dos candidatos à presidência do meu município e actual deputado da Assembleia da Republica, arregaçou as mangas mas cruzou os braços - louvo a franqueza. A estética do poder não é indiferente ao eleitorado. Veja-se na Alemanha, a atenção prestada às mãos de Merkel e ao dedo de Peer Steinbruk.
No actual quadro de austeridade com autarquias exauridas de recursos financeiros, mas não de dívidas e corrupção, melhor seria que houvesse os “perigosos comunistas” com a capacidade de agitar as comunidades locais, mobilizando pessoas, vontades, competências e recursos para benefício público.
Em tempos de crise há mecanismos de autodefesa que se intensificam, particularmente nas comunidades rurais. Nestas, apesar da construção muito dispersa, é mais fácil a entreajuda entre pessoas muito afastadas no espaço, do que entre vizinhos do mesmo andar numa grande cidade.
As relações mercantis processam-se necessariamente, mas recorrendo menos ao dinheiro e mais à troca de bens e serviços. Podemos facultar conhecimento, informação, equipamentos e produtos da nossa actividade e, em troca, receber algo de que precisamos.
De um casal de desempregados, com uma filha divorciada e duas netas a cargo, recebo algum trabalho e produtos da horta, a troco de produtos e sub-produtos da minha actividade. A um casal de reformados com pensões exíguas, empresto equipamentos e recebo lenha, o que me ajuda a reduzir a factura da energia a pagar ao estado chinês pela via do Catroga e do Mexia. Outros e diversos exemplos poderiam aqui ser enunciados.
Gostaria de negociar com Victor Gaspar, em géneros, o dinheiro que pago de impostos. Mas a gente que nos desgoverna, para além de inacessível para tratar desta matéria, pratica um mercantilismo desequilibrado no rácio, do tipo – um porco em troca de um chouriço – característica do liberalismo desenfreado em que um dos lados é espoliado a favor do outro, agravando o fosso entre os muitos ricos e os muito pobres. A promiscuidade entre a economia e a política leva a que o dinheiro domine o poder.
Por isso, vou insistir nas trocas ao nível das comunidades mais modestas e carenciadas que, por norma, são mais generosas e justas. Confesso que ainda não descobri a necessidade de bens e serviços do senhor que vende as sardinhas, produto a tornar-se precioso. Com as medidas de agravamento da austeridade, agora anunciadas pelo governo, receio que voltem os tempos difíceis de má memória, que os mais velhos ainda não esqueceram – uma sardinha para três bocas esfomeadas – a não ser que os indignados percam o medo, mas não a coragem, porque o caviar não falta na mesa dos espoliadores.
Não há nobreza nem liberdade em estado de fome e pobreza. Nos tempos da sardinha repartida, o bom povo – pobre, às vezes mesmo miserável – emigrava em massa na procura da dignidade perdida, situação que o actual governo volta a recomendar. O Dia de Portugal e das Comunidades serve, também, para redimir alguma culpa, enaltecendo o heroísmo de quem parte, particularmente se as remessas financeiras vierem alimentar a avidez das elites.
Irmãos humanos tão desamparados
A luz que nos guiava já não guia
Somos pessoas – dizeis – e não mercados
Este por certo não é tempo de poesia
Gostaria de vos dar outros recados
Com pão e vinho e menos mais-valia.
Manuel Alegre, ‘Balada dos Aflitos’ in “Nada Está Escrito”
Depois de alguns meses de ausência volto ao meu registo de observador do espaço rural.
Como uma criança que precisa de toda a atenção, as plantas, em cada ciclo vegetativo, precisam de particular atenção entre o despertar, no fim do Inverno, e a maturidade dos frutos, no Verão. Chegada a colheita é tempo de avaliação, pelo que será esta a nota dominante da minha vista do campo. Depois de várias décadas de aproximação ao sector agrícola, nos últimos dois anos, dediquei-me quase em exclusividade à actividade, procurando preservar e manter viável algo que tem origens em património familiar associado a histórias e afectos.
Os meus povoamentos frutícolas, diversificados na espécie e na idade, procuram sobreviver com a disponibilidade de recursos, acompanhamento técnico e laboratorial do estado nutritivo ao nível do solo, da água e das folhas. Ao longo de um ciclo cultural há dezenas de contactos com cada planta, para observação e intervenção preocupada, para que haja, igualmente, momentos de contemplação afectuosa e agradecida.
Mas, para além dos afectos, há o pragmatismo económico traduzido em rentabilidade, e é aqui que tudo se modifica. Alguns agrupamentos de produtores e empresas do sector só agora procederam ao pagamento das produções colhidas em 2011, junto dos seus associados e fornecedores, mas a preços próximos ou abaixo do real custo de produção. Entretanto, as grandes superfícies comerciais - detentoras do monopólio de 85 a 90% da distribuição agroalimentar - permitem-se ficar com a maior fatia dos lucros da cadeia de valor, lucros que sustentam ostensivas operações de marketing e engrossam a riqueza dos seus administradores. No princípio desta cadeia, estão os produtores que não tem mais ninguém atrás de si para quem remeter os custos desses devaneios publicitários e da generosidade farisaica, quando se oferecem às IPSS os produtos dos Mega Pic-Nic, nem dos prejuízos resultantes das baixas produções associadas a imponderáveis climatéricos adversos, ocorrências para as quais os seguros agrícolas são pouco abrangentes nos riscos e insuportáveis nos custos. Contrariamente à fileira agroalimentar, na fileira dos combustíveis a produção impõe os preços, os distribuidores asseguram as respectivas margens de lucro, como sempre e, finalmente, o consumidor tudo suporta.
À produção competitiva exige-se elevada produtividade, qualidade, segurança alimentar e preservação ambiental, respeitando os encargos laborais e sociais, mas nada a protege da concorrência dos produtos de outras origens, designadamente de países com sistemas de produção que são atentados à humanidade, conseguindo, por isso, custos de produção significativamente inferiores.
Assim, os meus pomares estão agora para adopção, nomeadamente as minhas pereiras sexagenárias – crescemos juntos – sobreviveram ao tempo da ditadura do estado, pacientemente foram modificadas no porte e fisionomia, nas técnicas de cultivo e os seus frutos viajaram para o mercado interno, para o Brasil e Inglaterra. Mas os desafios actuais obrigam a alterar a nossa relação, pelo que iniciei um processo de aceitação de candidatos à sua adopção, esperando encontrar alguém capaz de lhes assegurar a vida para além da voracidade dos mercados, da cegueira neoliberal, da dívida soberana e, particularmente, da ganância dos vampiros que chupam o sangue fresco da manada –(Zeca Afonso). Estes retiram para si o maior lucro da fileira agroalimentar, tornando-se os mais ricos do país, com a indiferença de políticos medíocres que permitem a convivência de plantas respeitáveis, condenadas a morrer dignamente de pé, com os “Relvas” – relvas infestantes, quais doutores por certidão administrativa, que parasitam a paciência e o trabalho do cidadão comum, resignado com a companhia da televisão de entretenimento e a cerveja.
Análise mais especializada do capitalismo, do liberalismo e da globalização de mercados, encontrará nestes modelos muitos defeitos, mas no passado, do feudalismo à actualidade, outros modelos não tiveram sucesso. A ineficácia dos modelos estará, eventualmente, mais no mau uso que os diversos actores fazem dos mesmos, e a sociedade nunca foi de anjos. A crise é, também, uma oportunidade para destapar fraudes e corrigir excessos, desde que sejamos vigilantes e intervenientes como é próprio da democracia, até por princípios cívicos e éticos.
Deste modo, fica aqui a minha denúncia e o testemunho que a agricultura de afectos fica remetida para as varandas, quintais e hortas urbanas. Para alguns, poderá ser ainda um ginásio e uma terapia, para outros, uma tentativa de sobrevivência insistindo em aproveitar terrenos ao dispor, constatando, por vezes, que a galinha de campo ou o porco lhes ficam ao preço do lavagante.
Nos anos de economia a crescer, com o crédito fácil, a abertura dos mercados, a acessibilidade a todo o género de produtos e proveniências e o deslumbramento perante novos bens de consumo, alterou-se a relação entre a produção nacional e o consumo interno, pelo que estamos agora a importar grande parte dos bens que consumimos e, em valor, exportamos metade do que importamos.
A abertura de mercados trouxe grandes desafios às explorações nacionais que tiveram de se modernizar para ganhar competitividade, processo doloroso que levou à perda de muitas explorações e activos.
Desde a entrada na UE, só na região de Lisboa, Oeste e Vale do Tejo, uma das regiões mais dinâmicas na produção agrícola nacional, (com cerca de 12% da superfície agrícola útil, contribui com 30% do produto agrícola final), verificou-se uma redução de 65% de activos.
Apesar do carácter depressivo do sector, e das mais chocantes das suas causas, é justo salientar o mérito de muitos agricultores e de muitos agentes de instituições públicas que, vencendo enormes contrariedades, com muito trabalho e pouco discurso, procuram e vão encontrando soluções.
Michael Porter, em 1994, identificou os clusters para desenvolvimento da nossa economia e, volvidos estes anos, verificamos a progressiva internacionalização de sectores por ele referidos no domínio agro-florestal: o vinho, a madeira, o papel e a cortiça. Também os hortofrutícolas ganham progressiva notoriedade nos mercados externos. No milho e no tomate de indústria temos as mais elevadas produtividades do mundo.
Nas produções competitivas a exportação deve ser uma prioridade, já que o escoamento interno se encontra afunilado e estrangulado pelas grandes superfícies, cada vez mais representativas da distribuição (cerca de 80%), e que vendem o que adquirem no mercado global.
O meio rural não tem de ser necessariamente associado a cultura “pimba”.
Nas minhas deambulações por França, desde de 1975, passei a constatar um progressivo entrosamento entre a cultura urbana e a rural, não sendo raro encontrar nas explorações agrícolas iniciativas ligadas à museologia rural, a exposições temáticas, concertos de musica contemporânea e clássica, entre outros eventos, realizações por vezes articuladas com entidades do domínio cultural e autárquico. Neste país, principalmente nos períodos de verão, os territórios rurais procuram potenciar os seus recursos, para fruição do turismo e das comunidades urbanas, gerando receitas complementares da exploração agrícola que a mera actividade agro-pecuária ou agro-florestal seria incapaz de alcançar.
Há dias, um distinto advogado da capital, ao saber que eu tinha deixado funções institucionais e estava a fazer agricultura, perguntava o que fazia eu na agricultura. Face ao tom da interrogação pareceu-me mais ajustado não responder com qualquer actividade que ele pudesse considerar mais rudimentar (tipo feijões e batatas) e apenas informei que estava a fazer a minha “peregrinação interior”, citando Alçada Batista e, neste exercício, sem ponta de snobismo, prefiro no meu mp3 a companhia de Bach, Haendel ou Biber - são gostos! Sem desprimor para a presença do Tony Carreira na Av. da Liberdade, no passado dia 18, animando, creio que de forma brilhante, a mostra de produtos agro-pecuários.
A agricultura continua a ser um sector pouco atractivo, apesar dos incentivos em vigor, nomeadamente para fixar jovens.
A “má imagem publica do sector” e “dificuldades naturais da profissão”, que o Presidente da Republica refere (jornal Expresso de 10.06.11) leva-me a ironizar, com os “porcos, feios e maus”, porque o exercício da actividade não é compatível, de todo, com Chanel e com Dior, apesar da dureza de muitos trabalhos e a agressividade climática serem atenuadas pelo uso de tractores cabinados com ar condicionado, e da gestão ser cada vez mais profissionalizada, assente na formação e qualificação dos diversos intervenientes, fazendo-se uso das mais diversas tecnologias, desde a informática à robótica.
“Maus” porque, entre outras causas, se tem a imagem da constante dependência do subsídio para tudo, quando importante era rever a PAC valorizando mais as ajudas ao investimento nas produções viáveis face ao mercado, e menos ao rendimento de manutenção certas produções (devo salvaguardar as ajudas e a manutenção de cotas de produção a sectores para nós vitais, como o do leite, entre outros).
Os “maus”, aqui, tem sido os parasitas dos fundos públicos, que se encostam ao sector para obter benefícios sem que contribuam para a produção e aumento da riqueza nacional. Todos conhecemos exemplos do desvario e má gestão dos recursos financeiros durante os Quadros Comunitários de Apoio - QCA, e vamos no quarto. A má fama do sector, também advém da má formulação e do mau uso das políticas e recursos para o mesmo. A Espanha, contemporânea de Portugal na entrada na UE, adaptou a aplicação dos fundos comunitários de forma a torna-los mais eficientes na modernização do seu sector primário.
Acho mesmo, e volto à ironia, que a actividade agrícola, que tem funções terapêuticas, serviria para regenerar aqueles que fazem ou fizeram mau uso da política. Não lhes facultando, obviamente e para evitar tentações, o acesso a dinheiros públicos.
Temos novo governo e nova responsabilidade política, nomeadamente para a agricultura, ambiente e ordenamento do território. Esta conjugação de áreas não é descabida, considerando que, além dos espaços urbanos, temos mais de 80% da área territorial que é rural, em risco de desertificação, onde as três áreas se interligam.
Esta interligação é necessária na valorização dos diversos recursos, designadamente no delineamento e gestão das actividades agro-pecuárias e florestais, avaliando os seus impactes no meio, sabendo que o uso de boas práticas poderá ser um contributo, nomeadamente, na defesa da biodiversidade, na conservação do solo - desde que se contrarie a voracidade das ocupações urbanas, privadas e publicas, em solos de RAN e REN - e no serviço que o sector agro-florestal presta à sociedade como glutão de carbono e na recarga de aquíferos.
Na óptica do ordenamento e desenvolvimento integrado do território rural, devemos ainda salientar recursos associados a valorizar, designadamente, entre outros: a pedagogia ambiental; o património edificado rústico e monumental; a paisagem; a gastronomia; os saberes e tradições das gentes do campo; a fruição do espaço pelo turismo e pelo lazer.
O sector agrícola, com pouco peso político, gera emprego - quer directamente, quer no conjunto das actividades económicas que lhe ficam a montante e jusante - que é importante na estrutura social e na vitalidade dos centros urbanos do interior, factor igualmente importante em qualquer política de ordenamento territorial.
Devemos dar créditos ao novo governo pela sua juventude, esperando que a ministra com esta super tutela, à qual se junta a do mar, se saiba rodear de gente competente, de forma a renovar e dinamizar o sector primário e os territórios rurais, para que o campo e cidade sejam as duas faces da mesma realidade, num país que procura reconstruir a sua dignidade.
No passado dia 18, independentemente do interesse dos promotores, o campo foi à capital e estacionou na Av. da Liberdade, para apresentar uma mostra de produtos agro-pecuários.
O campo precisa de se afirmar na cidade para conquistar reconhecimento e dignidade.
Reparem neste entendimento de um intérprete da paisagem: “O campo é o lugar onde paramos para fazer chichi quando nos deslocamos entre duas cidades”. Esta visão redutora e depreciativa, aqui utilizada com ironia, traduz o entendimento de outros intérpretes, não da paisagem, mas dos destinos do país quando gerem as suas prioridades.
O sector primário, por gerar os bens da fileira agro-alimentar, está na base da sustentação da sociedade e esta, cada vez mais urbana, vai esquecendo a origem dos alimentos que lhe aparecem na mesa todos os dias.
A agricultura, assegurando a satisfação de uma necessidade primária (ou primeira) é, por isso, encarada em sociedades mais responsáveis como actividade estratégica. Converteu o homem em sedentário quando este encontrou terra fértil para cultivar e gerou conflitos, às mais diversas escalas, sempre que houve disputa pelo solo e pela água.
Verificamos, também, que alguns ilustres analistas e comentadores dão agora mais importância ao sector primário e lamentam a perda da sua relevância económica, bem como a má gestão dos fundos comunitários e a sua orientação preferencial para outras prioridades.
O Presidente da Republica, Cavaco Silva, no jornal Expresso do passado dia 10, constata que somos o país agricolamente mais envelhecido da EU e apela ao rejuvenescimento do tecido agrícola português, reconhecendo a necessidade de apoio público mais activo aos jovens agricultores. Esta preocupação, como constatou a Quinta Emenda, em apreciação anterior, peca por tardia.
No novo governo, a cultura - não a da terra mas a do “espírito” - foi minimizada e reduzida a uma secretaria de estado. Também a cultura - não a do espírito, mas a da “terra” - foi minimizada e integrada num super ministério que juntou a agricultura, o mar, o ambiente e ordenamento do território.
Terão sido critérios economicistas a ditar as razões e as estratégias. Há alguns anos que se anuncia a morte do ministério da agricultura, mas a morte vem gradual e lenta, para que seja esperada e menos dolorosa.
Para algum conforto dos interessados, ambas as culturas - a da terra e a do espírito - tiveram notas programáticas relevantes, quer nos textos, quer nos discursos de apresentação do novo governo.
Como “crise” também pode significar oportunidade para o discernimento e crescimento, resta-nos a esperança que ambas tenham melhores dias, pois qualquer das culturas precisa de atenção, respeito, reconhecimento, acompanhamento e estimulo para produzirem frutos.
As “culturas” marginais terão o seu mérito, mas produzem colheitas incertas.
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