Lembram-se dos milhares de milhões de euros que tivemos que meter no Novo Banco?
Lembram-se de o Novo Banco ir reclamando, milhão a milhão, os cerca de 4,5 mil milhões de euros do mecanismo de capitalização contingente estabelecido à data da entrega do banco à Lone Star?
Lembram-se como foi vendida grande parte do património do banco para, depois, ser accionado esse mecanismo de capitalização contingente?
Percebe-se agora mais uma boa razão para que, no passado mês de Dezembro, Novo Banco e Fundo de Resolução tenham chegado a acordo sobre todos os litígios e diferendos pendentes nos tribunais. É só mais uma a acrescer às aqui apresentadas nessa altura...
Se na altura lhe chamei "festas e pesadelos", chamo-lhe agora "a segunda parte da festa". Até a fotografia é a mesma ... porque sai sempre bem.
Parece que acabou finalmente um pesadelo que já dura há mais de dez anos. Enquanto o julgamento do que sobra do caso BES, iniciado há poucos meses, lá vai andando a passo de caracol, o pesadelo que de lá saiu em forma de Novo Banco acabou.
Foi ontem conhecido o acordo estabelecido entre o Fundo de Resolução e a administração do Novo Banco para o fim antecipado (em um ano) do Acordo de Capital Contingente (CCA), que fazia parte da entrega do Banco à Lone Star, em 2017. O tal que obrigava, todos os anos, os contribuintes (a quem nada disto custava coisa nenhuma, como apregoara Passos Coelho à data da bronca) a ir pagando tudo o que a rapaziada da Lone Star quisesse. Permitia-lhes, por exemplo, até vender património abaixo do seu valor de mercado, para depois outro alguém engrossar mais valias, e depois apresentar a factura aos contribuintes.
Portanto ... acabou. E, pela festa do Ministro das Finanças, acabou bem. Para Miranda Sarmento a Lone Star é gente de bem: prescindiu do último ano, que ainda lhes garantiria 75 milhões de euros; e vai entregar ao Estado cerca de 300 milhões em dividendos. A festa de Miranda Sarmento e do Fundo Resolução soma, arredonda, e dá 400 milhões de euros.
Festejemos nós contribuintes também: ganhamos 400 milhões de euros com o Novo Banco. Depois de lá termos metido 4 mil milhões!
Não dá para festejar?
Pois não. E para Miranda Sarmento ainda menos. Primeiro, porque sabe mais disso que nós. Depois, porque sabe, mas não diz, é que, com a extinção do CCA, extingue-se a cláusula que o integrava e previa que a participação da Lone Star seria diluída no caso de ocorrerem aumentos de capital por conta da conversão dos activos por impostos diferidos.
Se há coisa que sabemos é que os senhores da Lone Star podem ser acusados de tudo, menos de parvos. Com a extinção do CCA, a extinção dessa cláusula mantém intactos os 75% da Lone Star no capital do banco, enquanto a do Estado cairá dos 25% para 13,5%.
Vender o banco sempre foi o único objectivo da Lone Star, como fundo que é. Com a antecipação de um ano do CCA o fundo americano não quis outra coisa que vender o banco um ano mais cedo. Para encaixar mais cedo, e para aproveitar o valor em alta do banco, decorrente do actual desempenho económico.
Pois bem, é só fazer contas: bastaria à Lone Star vender o Novo Banco por 3.300 milhões de euros para recuperar os 400 milhões da festa. Não faço ideia de qual seja o valor do Novo Banco nesta altura; mas sei que em 2017 o valor de venda atribuído foi 1.000 milhões. Imaginemos que valorizou apenas 5 vezes: seria vendido por apenas 5 mil milhões de euros. Os 12% que a Lone Star tirou ao Estado valem 600 milhões.
É verdade. Este é um pesadelo de que se não poderia acordar de outra maneira!
O Novo Banco, como se não bastasse já o que herdara agravou, só depois da venda à Lone Star, as imparidades em 40%, conforme noticia hoje o Expresso. Não surpreende, com a carteira de clientes desfeita depois do desastre do BES, e com a reputação pelas ruas da amargura, para conquistar quota de mercado, teve de correr mais riscos.
Quem acompanha estas coisas mais de perto percebia que isso estava a acontecer, que o Novo Banco ia entrando pelas portas por onde os outros estavam a sair. E que isso não iria dar bom resultado.
Como, depois de todas as comissões de inquérito e auditorias, o contrato com a Lone Star continua guardado no mais profundo dos segredos, é bem provável que, para além dos velhos calotes que têm desfilado em pessoa pela Assembleia da República patrocinados por Ricardo Salgado, estejamos também a pagar os novos calotes que porventura por lá irão desfilar daqui a uns anos. Poucos, provavelmente.
Continua o desfile de caloteiros - a expressão é do Ricardo Araújo Pereira - na Comissão Parlamentar de Inquérito ao Novo Banco, na Assembleia da República. Para esta semana está previsto o de Nuno Vasconcellos - o génio dessa mirabolante On Going - em modo virtual. Porque será via internet, e porque ninguém sabe se acontecerá. Até porque, sabe-se, a internet falha muitas vezes.
Depois do outro, que só tinha um palheiro, este só tem uma mota de água. Origens...
Nem só de caloteiros se faz esse desfile. Por lá também continua a desfilar gente dita de boas contas, o que não quer dizer de bons exemplos. Gente idónea para ser governador do Banco de Portugal. O último, Carlos Costa, passou por lá ontem em registo de vendedor de fruta. Do pregão só se percebe a parte em que diz que não tem culpa nenhuma. De nada.
Tudo aconteceu assim porque o cesto tinha fruta podre, e nunca encontraria cliente suficientemente generoso para pagar a fruta toda ao preço da boa. Por isso teve que fazer descontos... Ficava-lhe bem dizer que foi ele quem deixou a fruta podre no cesto, misturada com a boa. E ainda melhor lembrar-se que nos apresentou o cesto como todo ele fruta boa e rijinha. E que isso é aldrabice!
E que, ou é ignorância ou é dolo, desconhecer que não é preciso muito tempo para que a fruta podre comece a apodrecer a boa. Mas ele espera que a gente lhe perdoe. Afinal o negócio dele não é fruta. É bancos.
E como não percebe que a fruta podre contamina a boa, também percebe que aí já não tem desculpa!
Assinala-se hoje o dia mundial da Língua Portuguesa, falada por mais de 250 milhões de pessoas, e escrita por menos uns quantos. A pátria de Pessoa, e a nossa. O nosso maior património, e tão mal tratado, como tanto outro.
É precisamente nesta nossa língua, mal tratada pelo acordo ortográfico, que está escrito o relatório da aguardada auditoria do Tribunal de Contas ao Novo Banco, acabado de apresentar. Que, dizem os jornais, chega a conclusões devastadoras, mesmo que não dê resposta a nada do que verdadeiramente está por responder, só porque se limita à conclusão a que todos já tínhamos há muito chegado - que são devastadores os custos suportados pelos 10 milhões de falantes de português que são os contribuintes deste país.
Os mesmos a quem Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque, na resolução do BES e, anos mais tarde, Costa e Centeno, na venda do Novo Banco à Lone Star, garantiram nesta nossa mesma língua que nunca teriam coisa nenhuma a pagar.
Pagamos, com língua de palmo. Mas já sabíamos, mesmo sem ninguém nos dizer...
O Orçamento ficará hoje aprovado, como seria de esperar. Com o anúncio da previsível abstenção do PCP, depois da feira da discussão na especialidade, a aprovação do Orçamento não está em causa.
Não significa no entanto que um cenário de crise política esteja ultrapassado. A forma como este Orçamento foi construído não é politicamente sustentável. Mas, para além disso, e a complicar ainda mais as coisas, surgiu um problema de última hora que não entrava nas contas do governo.
Já noite dentro, com o PSD surpreendentemente a votar a favor, o Parlamento aprovou a proposta do Bloco de Esquerda que trava a entrega de mais dinheiro ao Novo Banco.
Acabar com as entregas de dinheiro ao Novo Banco, sem antes se saber exactamente o que por lá tem andado a acontecer em matéria de alienação de activos era, como se sabe, um velho e conhecido anseio do Bloco. Que, ora dando uma no cravo, outra na ferradura, ou seja, com algum sofisma, era mais ou menos acompanhado por toda a gente. Daí que o governo tenha dado uma voltinha ao assunto e transferido formalmente as entregas para o Fundo de Resolução. Que, como se sabe, não tem dinheiro e precisa que o Estado lho "empreste".
O Bloco percebeu a finta, e percebeu que nem assim as entregas ao Novo Banco deixam de entrar nas contas do défice. E por isso avançou com a proposta de o impedir expressamente, e sem espaço para sofismas.
O que o governo não contava é que, nesta matéria, o PSD lhe virasse as costas. Só que para o PSD este é este já tempo de guerra. E em tempo de guerra não se limpam armas!
Em Maio há mais. É que, com este impedimento, quando chegarmos a Maio e o dinheiro tiver que seguir para o Novo Banco, terá de haver um orçamento rectificativo. E aí, quatro meses depois das presidenciais, e com o novo (velho) presidente empossado há um mês ou dois, a música é outra!
António Ramalho voltou a referir, agora na Assembleia da República, que nada de anormal há quer nas vendas do imobiliário - uma carteira "má, velha e ilegal", referiu - do Novo Banco, quer nas carteiras de crédito constituídas. E que o Fundo de Resolução assinou sempre por baixo.
Mais que isso faz já o novo governador do Banco de Portugal. Mário Centeno já veio dizer que o Novo Banco só fez boas vendas. E que pode António Ramalho - que prometeu no Parlamento demitir-se no caso de se vir a saber que a Lone Star, ou alguém relacionado, tinha sido o destino último dessas vendas - estar descansado porque nada o impedia de fazer negócios com o seu patrão.
E pronto, é assim que as coisas funcionam, com ninguém a querer perceber os problemas que essas carteiras trazem às dos portugueses. E depois admiram-se que se fale deles. De muita gente achar que eles só se preocupam com a carteira deles. Toda feita de lata. De uma grande lata! E dar ouvidos aos tipos que por aí aparecem a chamar-lhes carteiristas...
Hoje já se sabe que, por vontade do Banco de Portugal, nunca virá a chegar ao conhecimento público. Nem ao do governo, nem ao dos deputados. Se não for obrigado por ordem judicial, o Banco de Portugal nunca permitirá a sua divulgação para fora do restrito meio dos reguladores e do Fundo de Resolução que, pelo que se vai percebendo das entrevistas do presidente do Novo Banco, é visita da mesma casa.
Já vi escrito que este era apenas o primeiro episódio do capítulo das incompatibilidades apontadas à nomeação de Mário Centeno. Expressei aqui várias vezes, em diversas circunstâncias, que a transferência de Centeno do Ministério das Finanças para o Banco de Portugal não era sequer aceitável, pelo que estou bastante à vontade para contrariar este tese.
Não. Não é por Mário Centeno vir do Ministério das Finanças que o Banco de Portugal não autoriza a divulgação do Relatório. É apenas porque, como o seu antecessor, é governador do Banco de Portugal. E no Banco de Portugal é assim. Não é de agora. O Banco de Portugal sempre recusou a divulgação de todas as anteriores auditorias desde 2014.
A justificação é a mesma de sempre: "sujeito a dever de segredo". A carta de recusa do pedido do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda, assinada pelo secretário geral do Banco de Portugal, conclui muito simplesmente que "não se encontrando verificada nenhuma das circunstâncias legalmente previstas que determinam o afastamento do referido dever legal de segredo, o Banco de Portugal encontra‐ se impedido de proceder ao envio".
É sua majestade o segredo bancário. O mesmo que impede a divulgação da lista de devedores. O mesmo que há-de sempre, nalgum ponto, impedir que se siga o rasto do dinheiro. É o que tem que ser... E - como se diz - o que tem que ser tem muita força.
Mário Centeno não faz, nem nunca faria, diferente. Poderá acertar mais nas decisões que tiver de tomar que o seu antecessor. Mas, mesmo que isso já faça muita diferença, é só isso!
Depois dos prédios, quintas e casas vendidos a não se sabe quem por metade do preço, a investigação do "Público" conclui que em 2019 o Novo Banco vendeu também uma seguradora por menos de metade do seu valor. Bem menos: por 30% do valor registado em Balanço. Vendeu por 123 milhões de euros uma seguradora capitalizada e cumpridora dos rácios de solidez, registada por 391 milhões. E foi pedir os restantes 268 milhões ao Fundo de Resolução.
Segundo o jornal desta vez sabe-se quem foi o comprador: Greg Lindberg, um magnata americano condenado por corrupção. Quer dizer, tudo boa gente...
O resto já sabemos. É tudo legal, tudo aprovado por toda a gente - pelo próprio Fundo de Resolução e pela ASF, o supervisor da actividade seguradora - e conforme com as melhores práticas do mercado. E dentro de dias páginas dos jornais e ecrãs de televisão ficarão cheios de gente a justificar tudo e a reclamar pela honra de António Ramalho.
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