O papel de actor principal de Passos Coelho na apresentação daquela coisa menor que não passa de uma colectânea de aberrações a que deram o banal nome de “Identidade e Família”, não tem relação com qualquer espécie de coerência ideológica entre o protagonista e as aberrações. Há uns anos - décadas - Passos Coelho liderou a JSD que, no Parlamento, promoveu e fez avançar, alguma vezes em confronto com a linha oficial do partido, boa parte das iniciativas de progresso civilizacional que agora são objecto das aberrações por que dá a cara.
Tem apenas a ver com oportunismo. O oportunismo a que ontem aqui se referia o último parágrafo, mas ainda o seu oportunismo pessoal. Passos Coelho não é a figura que dele alguns querem fazer, é simplesmente um oportunista. Que o momento do país seja difícil, que as dificuldades do que ainda diz ser o seu partido sejam grandes para assegurar a governação, ou que o foco político devesse estar na apresentação do programa do governo, não lhe interessa nada. Interessa-lhe apenas o que tem a retirar em proveito próprio deste momento. E isso, entende ele, é muito, e serve-lhe de qualquer forma: serve-lhe para o imediato, se o governo cair, na oportunidade de encabeçar uma frente a federar a extrema direita num novo governo; e serve-lhe a curto prazo, na oportunidade da candidatura à Presidência da República.
Não foi por acaso que ele próprio formulou a primeira, e André Ventura a segunda.
Chama-se Decreto-Lei nº 10-A/2020, nasceu no passado dia 13 de Março, emanou da Presidência do Conselho de Ministros e, segundo o próprio, estabelece medidas excepcionais e temporárias no quadro da actual crise social, económica e epidemiológica do país.
Parece que o PSD está a tentar acertar o passo e corrigir os desvios dos últimos anos. Se assim é, saúdo vivamente a inflexão, que poderá voltar a cativar muita gente que deixou de se rever na deriva liberal populista do partido, capturado num aparelho de interesses dirigido por gente pouco estimulante, para não dizer outra coisa.
É tempo disso, de regresso à matriz social-democrata. A eleição de Marcelo - mais que a eleição, a forma como foi construída -, por uma lado, e a entrega do CDS ao seu próprio destino - "bem entregue", como se vai vendo pelo discurso de Cristas - constituem a oportunidade para a reconciliação do partido com as ideias da social democracia e para a recuperação de algumas das suas mais produtivas élites.