Pelo que se tem visto são infrutíferas todas as tentativas de arrancar do governo uma palavra que seja sobre a decisão de Bruxelas colocar Portugal na lista de países com "desequilíbrios excessivos", submetendo o orçamento português a "vigilância permanente". Não admira. Quando estava tudo a correr tão bem, com o país no quadro de honra de Schauble, a dar lições à Grécia... Quando até o António Costa (onde é que este anda com a cabeça?), nem que fosse para chinês ver, já dizia que afinal isto está a correr bem, vir agora a Comissão Europeia dizer que nada disso, que o bom aluno não percebe nada disto e que está chumbado, é de deixar qualquer um sem fala.
Qualquer um, não. Ao contrário de Passos Coelho e de Pires de Lima, que mantiveram a boca fechada a sete chaves, Paulo Portas há-de ter uma resposta. Ele há-de voltar a falar da soberania recuperada, e há-de encontrar uma maneira de dizer que ter o orçamento na mira de Bruxelas não tem nada a ver com soberania. E muito menos com alguma coisa que não esteja a correr bem nesta história de sucesso que tem para contar aos eleitores.
Depois de rapidamente esquecida - ultrapassada pelos acontecimentos - a tentativa de reposição dos subsídios vitalícios dos políticos, primeiro grande momento de consenso entre o PSD de Passos Coelho e o PS de António Costa, para proteger o regime não havia nada melhor que a atitude do PSD perante os deputados eleitos pela Madeira, que votaram ontem contra o orçamento.
A frase é de Luís Montenegro, líder parlamentar laranja, e não podia ser mais assassina: "não há nenhuma dúvida de que vai haver consequências". E contou com a cobertura imediata do homem do aparelho - Marco António Costa -, como se penalizar os deputados pelo livre exercício dos seus mandatos parlamentares fosse procedimento normal em democracia. Como se o Estatuto dos Deputados, e a Constituição, não referissem expressamente que "os deputados não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções e por causa delas"... Como se, num regime democrático a sério, os deputados tenham de responder aos directórios partidários e não a quem os elege...
O líder parlamentar e o chefe administrativo do PSD não estão a perceber nada do que se está a passar no país. Não admira!
O orçamento acabado de apresentar é tão mau que os mais próximos do governo, não podendo deixar de dizer mal mas tendo de limitar os danos, tiveram de procurar afincadamente um aspecto positivo a salientar. Depois de muito procurarem, descobriram: eureka, não é eleitoralista!
E então começaram a dizer que, “… bom, não terá outros, mas este orçamento tem pelo menos o mérito de não ser eleitoralista”!
A ideia começou a passar. Também não foi feita para outra coisa, foi exactamente para fazer caminho… Caminho eleitoral, evidentemente!
A verdade é que dificilmente encontraremos um orçamento mais eleitoralista. Este orçamento para 2015 é a prova provada do completo falhanço da governação. Ao fim de quatro anos o governo não tem qualquer resultado para apresentar. Não atingiu qualquer dos objectivos parciais em nenhum dos anos que passaram, foram todos sucessivamente falhados e revistos – nunca nenhum governo apresentou tantos orçamentos rectificativos – e, no fim da uma governação em que mais não fez que martirizar largas faixas da sociedade e dizimar outras, sobrecarregar os portugueses com impostos como nunca ninguém tinha visto e destruir uma grande parte da economia e vender a outra ao estrangeiro, não tem mais nada para oferecer aos portugueses que exactamente o mesmo.
Passos Coelho não poderia nunca apresentar um orçamento com medidas classificáveis de eleitoralistas, como por exemplo baixar os impostos – que Paulo Portas, preocupado com a sua reputação, ia reclamando – porque simplesmente não sabe governar de outra maneira. Tem, antes, absoluta necessidade de os continuar a aumentar!
Por isso não baixa quaisquer impostos – à excepção do IRC, mais do que para confirmar a regra, para supostamente fazer doutrina –, faz aquele número do crédito fiscal com a sobretaxa do IRS, em que, se fosse minimamente sério – que não é – ficaria com uma receita que obrigaria o governo seguinte a devolver. E tira do orçamento aquilo a que chama fiscalidade verde para disfarçar um novo colossal aumento de impostos!
O espírito ecologista do governo, desaparecido durante quatro anos, surge no momento em que lhe descobre a melhor forma de continuar a aumentar impostos em ano eleitoral!
Não é por coerência que Passos Coelho impõe um orçamento destes. Não é porque, ao contrário do que a máquina da propaganda pôs a correr, depois de pedidos tamanhos sacrifícios aos portugueses, fosse difícil explicar que já não eram necessários. Não. Isso explicaria o governo com o maior das facilidades. A única coerência de Passos está no guião que tem para governar, ele não conhece outra maneira de fazer as coisas. Por isso, logo que a troika partiu o governo ficou perdido, como que órfão, desorientado, sem saber o que fazer. Por isso, ao contrário do que teria de ser normal, o governo teve a vida facilitada enquanto a troika cá esteve – era assim que eles lhe mandavam fazer, e o governo fazia – e muito dificultada depois do 1640 de Portas.
O orçamento é este por incapacidade. E pelo eleitoralismo que a quer esconder!
Finalmente ouviu-se Paulo Portas falar do Orçamento. Não para nos dizer que as teses do Partido dos Contribuintes não conseguiram fazer vencimento. Tão pouco para falar do impacto do Orçamento na lavoura. E nem sequer para exaltar o Orçamento da libertação. Que agora é que é, agora que recuperamos a nossa soberania naquele 1640 de 17 de Maio, já podemos ser donos do nosso destino. E do nosso Orçamento…
Nada disso, Portas falou para dizer que "o Orçamento para 2015 é financeiramente inédito". Fomos procurar no discurso a clarificação de tão brilhante conclusão e percebemos que é financeiramente inédito porque é a primeira vez, em 40 anos, que o Orçamento tem um défice abaixo dos 3%. Fomos mais longe, àprocura de descobrir ali algo da recuperação da nossa soberania, e percebemos que isso é o que de mais relevante o Orçamento tem, porque é essa a fronteira que separa os países com défice excessivo dos que deixam de tê-lo. E a conclusão final, verdadeiramente épica, está logo a seguir: "Não é bom para a reputação ter um défice acima!...
Falou tarde. Mas quando falou, falou. Bravo Paulo Portas!
Aí está o Orçamento do próximo ano, acabadinho de sair do forno… A ministra Maria Luís acabou de o apresentar ao público!
Crescimento do PIB em 1,5% e défice em 2,7%. Diferente dos 2,5% comprometidos com a Troika… Mas as contas já são outras, disse ela. Estes 2,7% são melhores que os anteriores 2,5%. Quer ela dizer que, em valores absolutos, este défice é inferior ao acordado com a Troika!
Uma das maiores expectativas virava-se para o IRS. Até pelo braço de ferro que o CDS ensaiou… Não ganhou nada com isso. Nem nós. Não ganhamos nada com isso…
Mas o governo quer convencer-nos que sim, dizendo que irá desagravar a sobretaxa de IRS se a cobrança fiscal ultrapassar as previsões da receita no orçamento. O que passaria o desagravamento para 2016, já com outro governo. Mas desta mesma maioria, garantiu a ministra. Que assim adiantava já que o CDS está pelos ajustes, que a coligação não está em causa para a próxima legislatura…
Em boa verdade não arrisca muito. Claro que o CDS não tem alternativa, e por isso Passos Coelho e Maria Luís fazem, como fizeram nesta matéria, do CDS gato-sapato. Já quando garante que continuam governo, não se trata de arriscar. É conversa fiada!
Agora só fica a faltar ouvir o que Paulo Portas terá para dizer. Se calhar vem, mesmo assim, dizer que é graças ao CDS que os portugueses irão pagar menos IRS em 2016. Mas nem assim lá chega!
O governo promete devolver em crédito fiscal em 2016 o que receber para além do previsto. Ora, o que está previsto é uma receita fiscal que cresce 4,7% relativamente a este ano, que é só o melhor ano de sempre. Nunca o Estado arrecadou tanto em impostos. Há ainda margem para cobrar mais? Não parece! E se repararmos que o PIB cresce 1,5% – não cresce, mas é o que está no Orçamento – será sério estimar que a receita fiscal cresça mais do triplo?
Não parece. Quer apenas dizer que, esgotados os Audis, o governo vai passar a oferecer burros aos portugueses… Em 2016, porque em 2015 só lhe dá a cenoura!