Mantendo o registo na metáfora do futebol pode dizer-se que António Costa e Mário Centeno acordaram as condições da rescisão e, como sucede quando os presidentes reafirmam a confiança nos treinadores, Centeno foi ontem despedido. A prazo. Sim, não há só contratos a prazo, também há despedimentos a prazo.
Não sendo naturalmente conhecidas as condições de rescisão acordadas, há no entanto uma certeza. É que o orçamento suplementar, e o fim de dois mandatos - os do governador do Banco de Portugal e do presidente do eurogrupo - têm encontro marcado na mesma estação do calendário, algures ali por volta de Junho -Julho.
E esta certeza dá como certo o prazo. Com o comunicado divulgado, esta certeza dá como certa a indemnização: o lugar de Carlos Costa no Banco de Portugal. Que não é menos que absolutamente lamentável!
A longa maratona de discussão e aprovação do Orçamento na Assembleia da República, que hoje chega ao fim, tem sido digna de uma longa metragem de forte carga dramática, com voltas e reviravoltas, emoção e suspense... As últimas cenas estão ainda a ser montadas pela realização e, embora saibamos que nada vai acontecer, estamos ainda na fase em que tudo pode acontecer.
Se isto é assim no primeiro orçamento da legislatura como será no próximo? E no seguinte, se lá chegar?
O PS apostou nesta fórmula. Sem maioria, mas com a arrogância dos vencedores - coisa que não acontecera na anterior legislatura - optou por não querer negociar nada com ninguém e seguir em frente, sozinho. Agora, sujeita-se...
Não tem por onde estranhar. Nem por onde reclamar contra coligações negativas. É simplesmente assim em todas as democracias parlamentares: quem não tem maioria não pode comportar-se como se a tivesse.
Claro que o PS não joga às escuras. Conhece profundamente o jogo, conhece todas as manhas e blufs que lhe pode aplicar. Primeiro, sabia que a alternativa de direita, dizimada nas eleições, iria entrar em convulsão interna. Agora, sabe que, com o Chega em crescimento acelerado, a última coisa que PSD e CDS quererão é uma crise política no país e eleições antecipadas. E acredita que, à esquerda, as memórias de 1987 e do suicídio do PRD impressionem ainda muita gente.
Por isso continuará a apostar nesta fórmula de fio da navalha, confiando que ninguém se distraia e cometa uma imprudência qualquer, garantindo ainda mais emoção e suspense para as sagas das próximas temporadas.
Estamos em Fevereiro e debate-se ainda o Orçamento para 2020, que irá entrar em vigor mais perto do meio do ano do que de qualquer outra coisa. O presidente fala em alterar a legislação para que as eleições se realizem em Maio ou Junho, e para que o país tenha em todos os anos o seu orçamento em tempo oportuno, e não apenas em três de cada quatro anos.
Em plena recta final do debate parlamentar do Orçamento para 2020, pela boca de alguém que ninguém conhece - o Secretário de Estado António Mendonça Mendes - o governo, que recusa baixar qualquer imposto que seja, e acabadinho de sair da guerra do IVA da electricidade, vem dizer que para o ano é que é. Que, para o ano, vem aí uma descida de impostos como nunca se viu. Uma enorme descida nos impostos, certamente!
Ainda em ambiente de debate parlamentar do Orçamento, o PSD fez aprovar, com abstenção do PCP e voto contra do PS, uma disposição que obriga o governo a levar a aprovação do Parlamento qualquer nova injecção de capital no Novo Banco que ultrapasse os 850 milhões de euros. Acontece que, pelas normas gerais da execução orçamental, todas as despesas que ultrapassem o orçamentado terão que ser autorizadas pela AR. E acontece que, para o efeito, no Orçamento está uma verba de 600 milhões de euros. Está bonito!
No CDS, Abel Matos Santos foi finalmente demitido (eufemismo: demitiu-se) da direcção para onde acabara de entrar. Nunca tão pouco foi tanto tempo. Antes de passar o partido para o campo do Chega esta nova rapaziada do CDS terá que abdicar dos seus princípios fundadores e romper com a matriz da democracia cristã. Não vale tudo!
Entretanto, ontem, em mais um exemplo de dignificação da democracia e de seriedade política, André Ventura não pôs os pés na Assembleia da República, e faltou às votações de aprovação do Orçamento na especialidade, incluindo às das alterações propostas por si próprio na qualidade de deputado único do seu partido.
É assim: começa-se a falar de impostos e acaba-se a falar de impostores!
Parece que caiu finalmente o pano sobre a encenação do IVA na electricidade. Com a dramatização, Costa & Centeno ganharam a opinião publicada, o PSD vacilou e tudo acaba em bem. Para o governo. Para António Costa, como sempre. Por enquanto ... Nem sempre assim haverá de ser...
Se calhar nem faltará muito para que assim deixe de ser.
Na oposição, em 2013, em tempos de troika, o PS propunha a descida da taxa do IVA da electricidade para os 13%, coisa que António Costa e o seu governo considera agora, em tempos de excedente orçamental, desastroso e motivo de autêntico colapso nas finanças públicas. Chegado ao governo, em 2015, dois anos depois, António Costa esqueceu-se do IVA da electricidade e lembrou-se do da restauração. E logo no primeiro orçamento opta por transferir a redução a taxa do IVA de 23 para 13% da electricidade para os restaurantes, numa escolha nunca explicada. Porque inexplicável!
Os preços praticados nos restaurantes nunca reflectiram essa redução fiscal, e a medida limitou-se a confortar a margem do negócio da restauração com cerca de 400 milhões de euros por ano.
Na dramatização que encenou a meias com Centeno, António Costa esqueceu-se disto. E ao esquecer-se disto esqueceu-se até que poderia propor a troca da descida da taxa na electricidade pela subida na da restauração. Esqueceu-se que nós sabemos que governar é fazer opções e esqueceu-se que começamos a perceber que as dele são sempre as mesmas. Que escolhe sempre para o mesmo lado. Ou sempre contra o mesmo lado...
E é o ambiente. Claro. António Costa decide o aeroporto no Montijo, mas baixar o IVA na electricidade é que faz mal ao ambiente... Um dia destes vai reparar que as coisas começam a deixar de lhe correr sempre assim tão bem!
As contas para a aprovação do Orçamento estão há muito feitas. Depois de, por soberba ou por sobranceria, ter descartado a geringonça, o PS passou a olhar à volta à espera de sinais de abertura ao cortejo, e logo o PSD Madeira se apressou a piscar o olho.
O dote exigido já não era pequeno, mas tudo aponta agora para que a parada suba. Ontem Mário Centeno foi ao Funchal, certamente com a ideia de acertar detalhes. Só que chegou tão atrasado que o Albuquerque mandou-o dar uma volta, e o flirt virou problema latente. E lá volta o PS à lengalenga de que ninguém compreenderia que os partidos de esquerda não viabilizassem o Orçamento. Uma lengalenga que, da boca de Carlos César, sai a cheirar ainda mais a chantagem.
O PS não quis assumir responsabilidades em acordos, mas quer impô-las aos outros como se tivessem sido acordadas. É um bocado como aqueles - ou aquelas - mais dados a aventuras extra-conjugais que, quando as coisas correm mal, lá voltam a casa à espera que tudo esteja no lugar.
O Orçamento de Estado foi, como previsto, ontem entregue com a habitual pompa e circunstância ao Presidente da Assembleia da República, aos últimos minutos do dia, como é já um clássico. E está hoje, agora, a ser explicado por Mário Centeno em conferência de imprensa, muito embora o que se tenha ido ouvindo esteja mais próximo de propaganda de vendedor de banha da cobra que de explicação.
Espera-se sempre do Orçamento uma medida emblemática que vá ao encontro das prioridades do país. Não é que as coisas tenham de ser assim, é porque as coisas são assim. O Orçamento não tem que ser um cardápio de medidas, tem apenas que traduzir em números o que resulta da execução anual de uma estratégia, essa sim cheia de objectivos e medidas que respondam integradamente às prioridades do país.
A natalidade é provavelmente a maior dessas prioridades, e um dos melhores exemplos de como é fácil confundir as coisas. O governo anunciou um estímulo à natalidade através do IRS - que, depois, nem sequer tem qualquer concretização no Orçamento, mas apenas uma referência que a ridiculariza - como se alguém corra a fazer filhos para baixar a conta do IRS a pagar ao Estado.
Procriar ainda é uma vocação natural dos humanos, creio eu. É óbvio que, com as conquistas das mulheres nas sociedades actuais, a maternidade e a educação das crianças tem hoje contornos que não tinha há sessenta ou setenta anos. Responder aos desafios populacionais que ameaçam inclusivamente a sobrevivência do país, e que vão até para lá das questões da natalidade, é pôr em perspectiva todos esses problemas e encontrar uma estratégia integrada de resposta.
Sem uma rede pública de creches, com as mensalidades das creches e jardins de infância sempre acima dos 300 ou 400 euros, com salários baixos e habitação cara e, ainda em muitos casos com situações laborais precárias, falar em baixar o IRS para fomentar a natalidade é ridículo. Ou dramaticamente irresponsável.
A apresentação do Orçamento serve também para nos lembrar destas coisas... Mais ainda com a forte ventania liberal que por aí anda.
Aí está o Orçamento, a chegar a Assembleia da República. Este ano mais tarde que o costume, por razões conhecidas mas não exactamente óbvias. E não sei se, por isso, com menor espectacularidade.
E no entanto este é o mais espectacular de todos os orçamentos que pisaram a passadeira vermelha de S. Bento, apresentasse-se ele na simplicidade de um pen, na descrição de uma disquete, ou na elegância barroca de umas resmas de papel. Este é o orçamento que não tem a última linha a vermelho. Dá lucro!
Há muito tempo que não havia um orçamento assim. Em democracia nunca tinha acontecido, a ordem tem sido sempre para o Estado gastar mais do que recebe. A última vez que tinha acontecido, já lá vão quase 50 anos, era ministro das finanças João Dias Rosas e primeiro-ministro, então chamado presidente do conselho, Marcelo Caetano.
Não é muito, mas diz-se que é de 0,2%. O famigerado e ultimamente mal afamado déficit foi-se embora e, em vez dele, está aí agora o superavit. Poderia ser maior, mas ... há os bancos. Há o insaciável Novo Banco, e há crédito fiscal para os outros todos, com contas as ajustar nos tais activos por impostos diferidos, de que já aqui se falou por algumasvezes.
Mas é o que é. E no fim é bem possível que seja ainda um bocadinho maior... No fim de contas as cativações do Centeno ajudam sempre as ... contas. O resto é que nem tanto!
A uma semana da apresentação do Orçamento na Assembleia da República fazem-se contas. Não as do Orçamento, que essas aparentemente estarão feitas, mas as que lhe garantam a imprescindível aprovação.
Deitada fora a geringonça, António Costa tem que se voltar para as pequenas franjas do Parlamento à procura dos oito votos que lhe faltam. Tudo indica que terá lançado um olhar de flirt para o PAN (4 deputados) e para o Livre (se a Joacine estiver pelos ajustes...) que terá sido correspondido, pelo que lhe ficariam a faltar três.
Continuando a olhar à volta os olhos caíram nos deputados do PSD Madeira, ali bem à vista e, por ordem do chefe (apetecia dizer do chulo, mas fica chefe), em modo casa de alterne. Das finas. Ali não há flirts, nem cumplicidade no olhar. Apenas negócio, puro e duro: casa, carro e cartão de crédito de plafond ilimitado. Nada de mais!
Toda a gente sabe que as aventuras não ficam baratas... Nem uma simples escapadela!
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