O presidente decidiu não enviar o Orçamento de Estado para o Tribunal Constitucional, para fiscalização preventiva.
Nada de estranho. Já assim foi no passado, e sabemos que Cavaco nada fará que crie dificuldades ao seu governo. Como sabemos que dá importância máxima à entrada em vigor do orçamento a 1 de Janeiro, e importância mínima à alteração dos normativos que fixam prazos absurdos – alguém entenderá por que é que o Orçamento passa mais de um mês no Parlamento? - todos eles cumpridos até ao último dia. Mesmo por ele!
Nem se estranha que o presidente tenha transformado esta decisão numa não decisão, tão avesso que é a tomar decisões: "A Presidência não comenta, uma vez que não há nenhuma decisão presidencial". O problema é que, se não é uma decisão, é um lapso. Um esquecimento. E então o comentário teria de ser: “A Presidência lamenta e pede desculpa mas, sem se aperceber, e porque gosta de esgotar todos os prazos até ao fim – os prazos, mais que para serem cumpridos, fizeram-se para serem usados - deixou escapar o último dia do prazo para enviar o Orçamento para fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional”!
Com a aprovação na especialidade do Orçamento para o próximo ano cumpriu-se mais um ritual. A maioria aprovou o que o governo quis que fosse aprovado e, quando o presidente insiste no seu esgotado ritual de apelo ao consenso, não se limitou a ignorar as propostas da oposição. Foi mais longe e sentenciou que, consensos, só com outra liderança na oposição… Quer dizer, a maioria já não quer apenas limitar-se a determinar a governação, acha que deve ainda determinar a oposição. Do tipo: esta oposição não serve, queremos outra para brincar aos consensos!
E pronto já só falta o ritual de suspense do Tribunal Constitucional. E, claro, o dos sucessivos orçamentos rectificativos, porque este, mais ainda que todos os que ficaram para trás, não é para cumprir. O que não significa que não faça mal: não vai ser cumprido, mas faz todo o “mal” que tem a fazer. Sem que atinja nenhum do “bem” que apregoa!
Não faltou também o ritual de contestação, um pouco por todo o país, mas especialmente à frente do Parlamento, onde desta vez ninguém subiu as escadas. E, lá dentro, à hora da intervenção final da ministra Albuquerque, gritou-se demissão - um clássico seguido do ritual de evacuação das galerias!
Pelo sim e pelo não, não passem as coisas para lá dos rituais, Passos Coelho cancelou a viagem à Lituânia marcada para quinta e sexta-feira...
Já está. Sem surpresas e sem aplausos, mas com muitas declarações de voto, já está aprovado na generalidade o Orçamento Geral do Estado para 2014… E com o deputado do CDS a reincidir!
O Tesouro americano diz que é a Alemanha a culpada de tudo o que se está a passar no sul da Europa. Que, para acumular excedentes, não hesitou em impor as políticas austeritárias que destruíram as economias portuguesa, espanhola e italiana.
Álvaro Santos Pereira, recuperando o pio diz, agora já do lado de fora, que a austeridade pode levar ao surgimento de ditaduras na Europa e que a dívida portuguesa só poderá ser paga se renegociada para prazos de pagamento de 40 ou 50 anos.
Mas na Assembleia da República, no dia 1 da discussão do Orçamento, a ministra das finanças diz que está tudo bem. Que tudo estava certo, que tudo correu bem, e que só há que apertar mais um bocadinho. Que já só falta um último esforço, que estamos lá, na praia. Até já ela fala em baixar impostos, para não deixar Paulo Portas a falar sozinho… Porque 2015 está já aí!
Por isso aí está uma gigantesca onda de optimismo que sai da maioria e do governo como se fossem o canhão da Nazaré. Que estamos a sair da recessão e que o desemprego está baixar, dizem eles, sem cuidar de perceber que alguma vez a economia teria de parar de cair, que há sempre um fundo, por mais fundo que seja. E escondendo que o desemprego continua a subir e não a descer. Que descem apenas os números – e muito pouco - porque Portugal atingiu os mais altos níveis de emigração dos últimos 40 anos. Chamam-lhe até milagre, mas as pessoas não estão a sair do desemprego, estão a abandonar o país que as abandonou!
E esta não tem nada a ver com aquela emigração analfabeta e desqualificada das décadas de 60 e 70 do século passado, que não perdia os laços com o país, e de que a economia e as finanças do país tanto beneficiaram. Esta é uma emigração que deixa o país muito mais pobre e ineficiente. Agora sai gente em cuja educação o país investiu muito. Gente – e veja-se o absurdo – que o país impede de retribuir o que lhe deu, e que prefere entregar de bandeja aos outros.
Tudo isto no Panamá, ao lado do presidente que ia dizendo que fiscalização preventiva do orçamento é que não. Não foi assim o ano passado, não será assim este ano.
A ministra das finanças apresentou ontem uma coisa a fingir de proposta de orçamento para 2014. É tudo a fazer de conta, até ela fez de conta que apresentou!
Não vale a pena perguntar pelo novo ciclo. Não vale a pena perguntar pelo Paulo Portas, que ainda há duas semanas dizia que não vinha aí mais austeridade. Nem pelo Pires de Lima, agora reduzido a simples soldado disciplinado. Nem pedir a Maria Luís Albuquerque que explique lá essa da fase de ajustamento das famílias já ter passado, e que agora é o Estado. O Estado por cuja reforma também não vale a pena perguntar-lhe. A reforma que já vem do programa da troika e que ainda não vem no relatório que Paulo Portas ficou de entregar em Fevereiro!
Não vale a pena perguntar pelo corte das subvenções vitalícias dos políticos. Nem por que é que os automóveis são tão diabolizados nas empresas e tão deificados no Estado, e no governo em particular.
Mas vale a pena dizer que o que fizeram com o enorme aumento de impostos deste ano é o mesmo que vão fazer com o enorme corte de salários e pensões do próximo. Nada!
Nada que não seja destruir ainda mais o que resta da economia e lançar ainda mais os portugueses na miséria. O défice parece mais teimoso que o governo e a troika, não baixa. Este ano fica exactamente igual ao do ano passado, depois de nos ter devorado o enorme aumento de impostos. É maquilhado para os 5,5%, mas apenas isso. Como pensam que será o do próximo ano. E do outro… e do outro…
Os enormes sacrifícios que andamos há três anos a fazer são todos engolidos pela recessão, pela simples razão que apenas provocam empobrecimento. É isto a espiral recessiva, que ainda há pouco tempo o presidente denunciava, mas que agora cala, esconde e protege.
Já não há dúvida: ou o governo e todos os seus aliados internacionais conseguem mesmo intimidar o Tribunal Constitucional, ou este governo acabou de vez. Queira Cavaco ou não queira!
Este, não podendo repetir o enorme aumento de impostos, não é só o orçamento do enorme corte de salários e pensões. Não é sequer um orçamento, é uma enorme fraude!
Paulo Portas regressou ontem à noite a palco para mais umas patifarias, ladeado - não se sabe se para compor o ramalhete, se como troféus - pelo secretário de estado Carlos Moedas e pela ministra das finanças, já incapaz de esconder o incómodo pelo papel.
Para falar do corte nas pensões de sobrevivência falou da falta de escrúpulos dos outros, e dos seus queridos idosos. Que gente sem escrúpulos alarmou e aterrorizou - salientou!
Lata e falta de vergonha são atributos que, como bem sabemos, lhe não faltam. Nem, nele, conhecem limites… Então quem é que tinha dado vida às pensões de sobrevivência, uma semana antes? Quem é que passou toda a semana a alimentar fugas cirúrgicas de informação?
Para ser minimamente decente Paulo Portas diria quem é que teve a ideia de criar e quantificar este corte sem que fizesse a mínima ideia de como lá chegar. Porque deixou bem claro que, primeiro, mandaram a medida cá para fora, e só depois foram à procura da maneira de a operacionalizar. Explicaria por que razão é que, apenas a dois dias da data de entrega do orçamento, e depois de mais de 10 horas de reunião do governo, vem esclarecer isto. E apenas isto, que apenas representa 2% do total de cortes. Ou diria mesmo que já lhe tinham faltado escrúpulos e seriedade quando, dez dias antes, com a mesma senhora ao lado, anunciara ao país que não vinha aí mais austeridade…
PS: Peço desculpa pelo lapso: o segundo acompanhante era o ministro Mota Soares, e não o Secretário de Estado Carlos Moedas.
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