Aí está o primeiro orçamento aprovado pela esquerda, unida. Já não é surpresa, surpresa seria agora se o não fosse.
Surpresa é ver o liberais como Vítor Bento, e o PCP, do mesmo lado. Se esse lado for o da nacionalização de um banco, não é surpresa encontrar lá o PCP. Supresa é lá estar Vítor Bento. Mas se esse banco for o Novo dito, já com mais de mil milhões de prejuízos acumulados em menos de dois anos, já não é surpresa que lá esteja... Nacionalizar prejuízos - para os liberais - não é bem nacionalizar. Já para o PC, nacionalizar é bom porque sim. Porque lhe está na massa do sangue. E lá se vão as surpresas...
Surpresa também não é o bastonário da Ordem dos Médicos se opor à legalização da eutanásia. Já o sabíamos, mesmo que não saibamos onde acaba a posição pessoal e começa a corporativa. Surpresa é a argumentação rasca. Surpresa é que caia na pantominice de dizer que, com a eutanásia, quem hoje violenta física ou psicologicamente os idosos passaria a matá-los.
É isto que o bastonário está a dizer quando invoca estudos que indicarão que "um quarto dos idosos é submetido a alguma forma de violência, seja física, seja psicológica”, para concluir que "certamente todos percebemos com facilidade que esses idosos que são submetidos a essas formas de violência, a partir do momento em que seja descriminalizada/ legalizada a eutanásia, vão ser coagidos a optar pela eutanásia".
Surpresa é que pessoas destas não encontrem formas mais sérias de defender as suas ideias.
Mas, surpresa mesmo, é que um alto magistrado do mais importante orgão de investigação de crimes de colarinho branco seja detido por suspeita de corrupção. Ou será que não?
Entretanto, do Orçamento de Estado, sem ninguém dar por nada, continua a sair cada vez mais dinheiro por conta do BPN... Daquele que ninguém contesta. Nem Bruxelas, nem Passos, nem Portas, nem Cristas, nem Rangel... Este ano são mais 567 milhões de euros, mais quase 40% que no ano passado. Desde 2012, a soma já vai em 3.020 milhões...
E tudo continua como se nada se passasse... Ninguém está preso. Ninguém é julgado. Nem sequer ninguém sai do PSD... Continuam lá todos...
Sempre nos fez muita confusão esta coisa dos preços dos combustíveis. Sempre suspeitamos de coisas estranhas: de cartelização de preços, de falta de transparência. De nos estarem constantemente a ir ao bolso...
Claro que, depois, haveria sempre de surgir qualquer coisa que nos tranquilizasse. Isto não é uma república das bananas nas mãos dos senhores das petrolíferas. Primeiro, e a bem da transparência, vieram uns painéis nas auto estradas com os preços afixados. Eram todos iguaizinhos, mas isso é concorrência. Da melhor... Depois vinha sempre um senhor explicar o pricing da coisa, que dava sempre as contas por certas. Por acaso era um senhor da respectiva associação empresarial, mas isso decorria certamente da complexidade do tema, que obrigava a recorrer a um verdadeiro especialista na coisa. E para explicar a coisa nada melhor que o dono da coisa.
Mesmo assim, depois de tantas vezes explicado que as petrolíferas não tinham nada a ver com os escandalosos preços que víamos estampados nas bombas de gasolina, ninguém percebia como é esses preços não caíam mais que uns meros 10% quando o preço do barril de petróleo caiu dos 130 para os 25 dólares. Há uns dias atrás, um senhor que também sabe muito de petróleo - e não só, até porque é um engenheiro economista -, Mira Amaral, explicava que as petrolíferas estavam a aproveitar os preços do petróleo para repôr margens. Decifrada a linguagem, percebemos que não andavamos muito enganados quando desconfiavamos que eles estavam a ir com toda a força aos nossos bolsos para encherem pornograficamente os deles.
Ontem soubemos que em 2015 a Galp aumentou os lucros em 71,5%, de 373 para 639 milhões de euros. Ora aí está, concluirá apressadamente o leitor. Enganou-se, não é nada disso: este crescimento de lucros só foi possível - para além dos enormíssimos méritos dos seus gestores, que por isso irão moderadamente receber os mais que justíssimos prémios - graças ao aumento da produção de petróleo e gás natural no Brasil (mérito, muito mérito outra vez para os gestores, que conseguem que corra bem onde tudo corre mal). E claro, mas em muito menor expressão, pela "recuperação das margens de refinação europeias", que Mira Amaral já avisara. Repôr, dizia este. Recuperar, dia a administração da Galp. Nós, sempre distraídos, é que nunca tivemos oportunidade de perceber onde tinham perdido o que agora repuseram. Ou recuperaram...
Se calhar perderam-no num dos muitos aumentos dos impostos a que todos os governos têm lançado mão... Como agora, mais uma vez. Dizem-me aqui que não, que o presidente da Galp já veio dizer que ninguém pode contar com isso. Que impostos, são impostos. Têm mesmo de ser repercutidos no consumidor...
Enquanto a PaF completa e sem excepções - sim, é como uma praga, subsiste mesmo depois de declarada extinta - com Cristas na crista da onda, lançava apelos lancinantes (inclusivamente a partir do Parlamento Europeu, com Paulo Rangel a ultrapassar todos os limites), à Comissão Europeia para que vergasse o governo português ao chumbo do Orçamento, Paulo Portas pedia "a Bruxelas que não fosse intransigente com Portugal". Em privado, baixinho não fosse alguém ouvir...
Percebeu-se que algum travão foi posto nas intenções mais agressivas que os mangas de alpaca de Bruxelas apontavam ao Orçamento de Estado, que hoje lhes será entregue. Diz quem sabe que António Costa fez uma espécie de trade off, com um ligeiro e bem burilado fundo de ameaça. Em bom português seria mais ou menos assim: se chateiam muito lixo-vos esse negócio com os ingleses. E siga para Brexit. Não exactamente neste bom e escorreito português, mas na mais arrevesada e conveniente linguagem diplomática.
Entre quem sabe - e quem o diz - está Wolfgang Münchau, o influente jornalista de negócios alemão, que aplaude a forma discreta e eficaz como António Costa soube diplomaticamente mostrar a força que, em determinadas conjunturas, se tem. E acrescenta mesmo que estranho é que os países da Europa do Sul tenham demorado tanto em "defender os seus próprios interesses."
É hoje aprovado em conselho de ministros o Orçamento de Estado para 2016, o prato principal do menu da direita ressabiada na últimas semanas. Fizeram de tudo: arrasar tudo o que fossem medidas ou contas, liquidar a credibilidade de tudo e de todos, e até anunciaram o colapso eminente de Portugal, geneticamente transformado em Grécia.
Hoje é aprovado - e dada a devida nota de tranquilidade ao ainda Presidente da República - e amanhã será entregue em Bruxelas. Depois, os jornais, jornalistas e comentadores que têm vivido disto, e para isto, vão de férias por uns dias.
De todo este frenesim, assentada a poeira, ficam a calma e o saber de António Costa, e mais uns impostos para pagar. Desta vez sobre o consumo, que dói menos. Mas dói...
Sobre os combustíveis e sobre os automóveis. Quer dizer, sobre quem usa o automóvel, que somos quase todos. Sobre o tabaco, que não somos quase todos, mas também parece que não somos cada vez menos. Sobre o crédito ao consumo, onde voltamos a ser cada vez mais.
Também toca à banca, como é de bom tom, mas nem assim deixa de nos tocar a nós. Desses nunca nos livramos, repercutem-nos tudo menos os lucros... E chega-se finalmente aos fundos imobiliários, que deixam de estar isentos de IMI. Ao contrário da Igreja, que continua.
Nunca comem todos. A moralidade anda pelas ruas da amargura...
E por isso as rendas da energia, agora entregues mensalmente aos chineses, continuam intactas. Limpinhas... Poupada é também a grande distribuição, que até o pouco que paga vai pagar à Holanda. Também não adiantaria muito, voltariamos a ser nós a pagar: ou como consumidores, ou como produtores!
António Costa - e quase todos nós, afinal - estava convencido que, com tantos e tão graves problemas para resolver - refugiados, Schengen, crescimento económico, terrorismo, sei lá ... - a Europa não nos iria chatear muito. E era bem capaz de deixar passar uma incongruência aqui, um bicada num conceito ali, uma alínea do Tratado Orçamental acolá... Ou até mesmo um errozito qualquer numa ou outra conta de um orçamento cheio de contas difíceis. A tal quadratura do círculo, de que aqui se tem falado...
Afinal, não. Nada disso: a Europa não tem nenhum problema para resolver. O problema único é mesmo umas décimas no défice de um pequeno país que não conta para nada, que tem um quarto dos custos do trabalho da Dinamarca, Suécia ou Bélgica. E menos de metade dos da média europeia.
Poderia pensar-se que a Europa, esta Europa, se preocupa com pintelhos, como diria Catroga, uma autoridade na matéria. Até parece, mas se calhar não é bem assim: os burocratas e mangas de alpaca que, para mal dos nossos pecados, tomaram conta da Europa, estão lá para evitar que aos governos nacionais cheguem ideias que saem fora da cartilha que lhe entregaram para impôr. Nada os preocupa o que se passa na Hungria, e na Polónia, mas... alto lá: Um governo apoiado pela esquerda? Quem autorizou uma coisa dessas? Já não se lembram da Grécia?
É a cartilha a sua razão de ser, nada é mais importante. Nem que à sua volta tudo arda e tudo desapareça na destruição das chamas...
Ainda - e sempre - com os resultados eleitorais de Outubro atravessados na garganta, e esgotada a pausa para as presidenciais, a direita pafista - em especial o CDS, que agora precisa ainda de gritar mais alto para se ouvir a si próprio - volta a atacar a agenda informativa, socorrendo-se dos inestimáveis serviços das agências de rating e aproveitando a oportunidade da discussão do orçamento com Bruxelas, bem como a visita de inspecção dos técnicos da troika, para recriar o ambiente de há um ano atrás, então com a Grécia como centro.
É muito fácil de perceber o que está hoje e aqui em causa. Em causa estão duas opções de política económica: uma centrada na continuação do que ficou conhecido - e continuemos a chamar-lhe assim, para facilidade de expressão - por política de austeridade, apadrinhada pelas agências de rating e impostas pelos técnicos das diferentes instituições, mesmo da União Europeia, e outra que, atentos os resultados que essa gerou, entende que a solução não está na retracção mas no crescimento económico.
Sabemos no que deu a primeira. E sabemos como foi acolhida nas instituições europeias, como sabemos qual foi a atitude submissa e reverencial do governo que a conduziu. Não sabemos no que dará a segunda, mas sabemos que os grandes problemas do país, o desemprego e a pobreza, não se resolvem sem crescimento económico e sem investimento.
Por isso vai mal a direita mais ressabiada em invocar as agências de rating e chamar pelo papão europeu. E vai mal o CDS e a sua futura nova liderança - se não houver mais revogações - se não tem outros argumentos. E vai bem António Costa quando diz que são apenas técnicos os senhores da troika que estão em Lisboa. E quando não se ajoelha aos primeiros recados de Bruxelas. E quando estica a corda porque sabe esticá-la. E sabe que a pode esticar...
São outras opções políticas. E económicas. Mas é também outra atitude, mais corajosa e mais digna. E mais inteligente, por que não?
Não passa de um esboço o esboço que temos do esboço do Orçamento. Tudo em draft, nada de difinitivo porque isto de quadrar o círculo é sempre muito "não me comprometam".
Diz-se que hoje teremos mais notícias. Vamos aguardar.... Para já sabe-se que, para Bruxelas ver, o défice será de 2,6 e não dos 2,8% das contas do governo. E que também o crescimento económico se retraiu dos dificilmente imagináveis 2,4% para os pouco menos inimagináveis 2,1.
Temos portanto menos crescimento, e por isso menos receita e, ao mesmo tempo, menos cerca de 400 milhões de euros de défice Só a despesa é a mesma!
Parece que o governo quer resolver esta equação de difícil solução com os combustíveis, e deve ser isto que Mário Centeno acabará ainda hoje por dizer. Se, com o petróleo a 25 ou a 100 dólares, os preços dos combustíveis são os mesmos, ao menos que dê para baixar o défice. Depois - naturalmente - das petrolíferas terem reposto as suas margens, como ficamos a saber quando, há dias, Mira Amaral nos explicou que os preços dos combustíveis não acompanham os do crude porque as petrolíferas têm que repôr as suas margens. Que nós nunca percebemos que alguma vez tivessem perdido... Mas isso é problema nosso... E o resto também!
O governo prepara-se para aprovar, amanhã em conselho de ministros, o draft do Orçamento de Estado para este ano, a enviar de seguida à consideração de Bruxelas.
E as coisas não estão fáceis, longe disso. A insistência de António Costa na quadratura do círculo já o o deixava prever, só que o Banif tornou tudo muito mais difícil. Arredondou muitos mais as curvas e acentuou ainda mais os ângulos rectos...
Não vão ser fáceis os tempos que aí vêm, para gáudio da direita que gosta de se olhar ao espelho. Que já vai fazendo a festa, na transversal lógica portuguesa do quanto pior, melhor. Anuncia a visita da troika (na próxima semana, como previsto e programado) como se de um regresso se tratasse. Prevê até com evidente deleite um novo resgate. E antecipa a quebra de confiança dos mercados - cria o lobo, e grita que ele vem aì ... - como quem quer acordar monstros adormecidos.
Vem aí complicação. Ai vem, vem...
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