PÍLULA
Por Eduardo Louro
É fantástica a forma como na sociedade portuguesa se reage às iniciativas de mudança.
Todos sabemos (saberemos?) o estado em que se encontra o país e da incontornável exigência de equilibrar as contas: públicas e privadas, de empresas e de particulares. É a impiedosa austeridade a impor os rigores da poupança, por iniciativa consciente e delirada, ou em consequência da quebra do rendimento disponível porque os impostos levam cada vez mais!
O governo, nesta missão (impossível?) de procurar equilibrar as contas públicas tem, sem dúvida, feito algumas coisas criticáveis. E tem, como exaustivamente aqui se tem repetido, comunicado mal. Começou por aumentar – algumas vezes brutalmente – impostos, sempre o mais fácil mas também, sempre, uma solução que se esgota. Levantaram-se todas as vozes, entre as quais esta, porque o governo, na senda de todos os que o antecederam e em particular o último, apenas tinha olhos para o lado da receita. A despesa, por falta de coragem ou por sobreposição de interesses, ficava de fora!
Depois – e mais uma vez por deficiente estratégia de comunicação – na passada semana começaram a surgir notícias de cortes - no caso na saúde - que implicavam directamente os mais sobrecarregados pelos aumentos dos impostos. Criticáveis portanto, e tanto mais quanto coincidiam com a eliminação da dedução fiscal das despesas com a mesma saúde e com a educação, esses então a atingir mesmo os mais sacrificados dos sacrificados em IRS.
Esta estratégia – que alguns defendem como um princípio de sagacidade política (fazer o mal todo de uma vez e distribuir o bem criteriosamente ao longo do tempo) – provocou uma onda de justificadíssima contestação: controlada e, por enquanto, limitada aos espaços de opinião. Só que esta contestação abre o caminho a outras. Umas legítimas e outras nem por isso! E, mais do que isso, abre o caminho à contestação a tudo, incluindo a medidas amplamente justificadas nas actuais circunstâncias, ou mesmo em qualquer outra.
É o caso das medidas ontem anunciadas pelo ministro da saúde – a verdade é que parece que, bem numas vezes e menos bem noutras, este é um dos poucos ministro a fazer pela vida – e, em particular, o fim da comparticipação da pílula contraceptiva. Uma medida que me parece perfeitamente razoável tendo em conta que ela é fornecida gratuitamente nos centros de saúde. Deixa de ser comparticipada em regime de livre aquisição – chamemos-lhe assim - na farmácia, mas há uma alternativa, por acaso mais favorável. Claro que este regime que agora deixa de ser comparticipado não dispensava a receita médica e uma consulta médica a pagar, circunstância que já levava grande parte das mulheres a adquiri-la sem comparticipação.
O que muda, portanto? Pouco. Muito pouco, mesmo na poupança! Mas é uma medida com o seu quê de pedagógico e de moralização que, a penalizar alguém, talvez apenas os laboratórios farmacêuticos, o mais forte dos lóbis que se mexem no sector!
Mas vimos reacções de todos os tipos e para todos os gostos. Umas apenas caricatas. Como, por exemplo a de Helena Roseta, para quem a medida representa um retrocesso de 40 anos no processo de emancipação da mulher, quando, se não estou em erro, a venda da pílula sem receita era precisamente uma das clássicas reivindicações das mulheres. E outras pouco responsáveis, como a da Ordem dos Médicos para quem a medida põe em causa o funcionamento dos centros de saúde. E há até quem veja os hospitais cheios com mulheres a interromper a gravidez…
O país, agora e mais do que nunca, precisa de distinguir o certo do errado, o fundamental do acessório, o útil do inútil. Para que não se meta tudo no mesmo saco faz falta um forte sentido crítico e dispensa-se a demagogia. Mas o que mais vamos vendo é uma crítica demagógica e arregimentada por preconceitos, ideológicos ou outros, e por opções político-partidárias que se misturam, confundem e abrem caminho para os que fazem exercício crítico na exclusiva defesa de interesses corporativos e de lóbi.