Saudade, esse termo tão português que nem tem tradução noutras línguas, é a palavra do ano. 27% dos portugueses que quiseram participar na iniciativa da Porto Editora, que já vem de 2009, escolheram a "nossa" saudade.
"Covid 19", "pandemia" e "confinamento", que provavelmente são os principais "responsáveis" por essa escolha - na verdade fizeram apertar a saudade - foram as escolhas que se seguiram. Ou como em 2020 tudo andou à volta do mesmo!
Na votação, promovida como sempre pela Porto Editora, "incêndios" recolheu 37% dos votos. A seguir, com 20%, surge "afectos". Que, se me não engano, tem a ver com o Presidente da República, por causa dos incêndios. Em terceiro lugar, com 14% dos votos, ficou "floresta", De que só se falou ... exactamente pela mesma razão...
Não aparecem "reversão", "eurogrupo", "rating", "lixo", "emprego"... E "crescimento" é apenas a quinta, lado a lado com "cativação", depois de "vencedor", que rima com Salvador. Também nesta "guerra" de palavras, o lado negro do ano saiu a ganhar!
Já agora, aqui ficam as anteriores: "esmiuçar" (2009), "vuvuzela" (2010), "austeridade" (2011), "entroikado" (2012), "bombeiro" (2013), "corrupção" (2014), "refugiado" (2015) e "gerigonça" (2016). Também não são as melhores. Nem nos trazem as melhores recordações!
Pós-verdade é a mentira que nos chega de cada verdade. É a mentira que nos contam da própria verdade que estamos até a ver. É a mentira em que as estruturas de comunicação nos enfiam permanentemente. É a mentira feita à medida dos interesses, construída por gente sem escrúpulos.
Pós-verdade não é sequer a sofisticação da mentira. É, pelo contrário, a redução à sua expressão mais básica e mais simples. É a linguagem do populismo!
Pelo sexto ano consecutivo a Porto Editora convidou os portugueses a escolher a palavra do ano. Tudo começou em 2009, quando a escolha recaiu em esmiuçar, traduzindo o sucesso dos Gato Fedorento, que então esmiuçaram muita coisa, e acima de tudo as eleições desse ano. Em 2010, a escolha foi determinada pelo campeonato do mundo de futebol da África do Sul, com os portugueses, impressionados com aquelas gaitas insuportavelmente ruidosas que marcam o colorido que os africanos dão ao futebol, a escolherem vuvuzela.
A partir daí a vida dos portugueses mudou, e com cada vez maiores dificuldades, as palavras mudaram de tom. E em 2011, para palavra do ano os portugueses escolheram austeridade, provavelmente bem longe de pensarem que austeridade era coisa que não os largaria em todos os anos seguintes. Perceberam isso – que a austeridade viera para ficar – logo no ano seguinte, e por isso inventaram uma palavra que traduzisse o que se sentiam: entroikado. Era isso, os portugueses sentiam-se entroikados!
Em 2013, com um Verão trágico em áreas ardidas e vidas perdidas em incêndios, dificilmente os portugueses escolheriam outra palavra que bombeiro. Como, para o ano que acaba de se despedir, dificilmente poderiam deixar de escolher corrupção.
Em 2014 foram conhecidas as condenações do processo Face Oculta, que ainda antes, e para além da condenação à prisão de ex-ministros e de mais gente ligada ao poder, provocou uma série de graves efeitos colaterais, os menores dos quais não terão certamente sido os envolvimentos das estruturas de topo do aparelho judicial nos episódios de destruição das escutas telefónicas que envolviam José Sócrates. Foi conhecida a condenação de Duarte Lima, por enquanto ainda naquilo que poderá apenas ser a ponta do iceberg que será a actividade escura do antigo líder parlamentar de Cavaco silva. Descobriram-se as burlas, as comissões e os prémios dos Espírito Santo, num pântano de corrupção e vigarice. Foram presos altos funcionários do Estado e da Polícia, envolvidos numa teia de corrupção potenciada pela autêntica via verde que o governo abriu com os vistos gold. Foi pela primeira vez preso um ex-primeiro ministro, suspeito de crimes vários, entre os quais avulta justamente a corrupção, com base em factos que, podendo vir a ser difíceis de provar, são ainda mais difíceis de justificar. E foi vergonhosamente arquivado, ao fim de oito anos de investigação, o processo da compra dos submarinos, mesmo sabendo que na Alemanha os corruptores activos foram condenados e presos, e que confessadamente jorraram milhões de euros pela administração do Grupo Espírito Santo. Entre os quais largos milhões destinados uma determinada pessoa, num determinado dia, num determinado local, que nenhum interesse suscitou à investigação do Ministério Público. Que no despacho de arquivamento não fez sequer qualquer esforço para esconder a negligência, chamemos-lhe assim, e lavou as mãos, dizendo que nem sequer era muito importante apurar os crimes, porque, a terem ocorrido, já teriam prescrito.
Depois de todos estes anos de sacrifícios – para nada, ao contrário do discurso oficial –, do empobrecimento brutal, e do dramático alargamento das assimetrias sociais, só faltava esta percepção de corrupção para rebentar uma tempestade perfeita na sociedade portuguesa!
A palavra do ano de 2013 é… bombeiro. É a prova provada que o país ardeu... Depois da austeridade (2011) com que foi entroikado (2012) o país consumiu-se pelo fogo!
Acompanhe-nos
Pesquisar
Subscrever por e-mail
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.