A maior surpresa na escolha do novo Secretário Geral do PCP é ter sido por "ampla convergência" no "Comité Central". E não por unanimidade.
Tudo o resto na escolha do desconhecido Paulo Raimundo são surpresas que não surpreendem.
Quando há muito se falava em rejuvenescimento, não surpreende que seja o mais jovem de sempre. E sempre o mais jovem a subir cada degrau da casa "de paredes de vidro", mesmo que escuro para que não se veja nada lá para dentro. Como os de muitos automóveis. E de todos os blindados.
Pelas "paredes de vidro" viam-se João Oliveira, João Ferreira, ou Bernardino Soares. Sem surpresa, o escuro vidro nunca deixou ver Paulo Raimundo... Foi mostrado nas comemorações do centenário do Partido, no Campo Pequeno, e no último congresso, mas regressou de novo ao recolhimento.
É assim, no PCP. Sem surpresa. Porque é assim que o PCP luta pela sobrevivência há décadas. Porque sabe que, se não for assim, não resiste. Como não resistiram todos os outros que não fizeram assim.
Por isso, com jovens, ou com velhos, nada ali muda, mesmo que tudo mude à volta. Entre desaparecer ou ir desparecendo prefere, sem surpresa, ir desaparecendo. Entretanto sempre poderá surgir um ou outro Jerónimo de Sousa, pragmático, gentil e simpático que lhe alivie e prolongue a caminhada.
Há cerca de um mês a embaixadora da Ucrânia denunciou a participação de associações pró-russas na recepção de refugiados ucranianos, que assim teriam acesso aos seus dados, e aos dos seus familiares que ficaram na Ucrânia, em serviço militar, que entregariam à espionagem russa. Essa denúncia foi feita numa entrevista à CNN Portugal, e não teve grande eco no restante espaço mediático.
Era uma declaração generalista e pouco precisa mas hoje, um caso concreto e fundamentado é notícia de primeira página no Expresso. E passa-se na Câmara Municipal de Setúbal, de gestão comunista. Mais precisamente da CDU, já que o presidente, André Martins, é do PEV. Que já reagiu, negando que os refugiados sejam questionados sobre os seus familiares que ficaram na Ucrânia, e garantido que está assegurada a confidencialidade dos seus dados pessoais, obtidos por fotocópia dos respectivos documentos, cuja necessidade não explica. Não nega, nem perante os factos o poderia fazer, o envolvimento de um casal russo - a mulher intervém como técnica superior da Câmara, recrutada através de concurso público em Dezembro passado; e o marido intervém sem qualquer ligação funcional ou profissional com os órgãos do Município - ao serviço de uma associação pró-regime russo, num gabinete que o Município criou para o efeito, a Linha Municipal de Apoio aos Refugiados — LIMAR. E já adiantou que retirou a senhora do processo acolhimento de cidadãos ucranianos,não negando, assim e no mínimo, o desconforto e o evidente contra-senso de entregar pessoas que fogem a pessoas que identificam com as de que fogem.
O PCP é que não perde tempo para negar o que quer que seja. A Câmara de Setúbal ainda deixa entender que ... "ups", alguma coisa pode ter corrido mal. Para o PCP nada de anormal aconteceu em Setúbal, pelo que não há nada para negar, nem nada a esclarecer. Para o PCP "o trabalho com imigrantes que há muito se desenvolve no município de Setúbal caracteriza-se por critérios de integração e amizade entre os povos onde não prevalecem nem exclusões nem sentimentos xenófobos". Para o PCP, um refugiado ucraniano, acabado de chegar da sua terra ocupada e martirizada pelas tropas de Putin, que encontra pela frente pessoas a falar russo, a pedir-lhe os documentos e fazer-lhe perguntas sobre os familiares que deixou para trás, não tem que sentir medo. Tem que se sentir "integrado" e entre "amigos". Para o PCP, evitar a participação de cidadãos russos - sejam eles quem forem, e façam eles as perguntas que fizerem - na recepção e integração destes refugiados ucranianos, não é simples bom senso. É "exclusão" e "xenofobia".
A participação de Zelensky na sessão solene da Assembleia da República, especialmente concebida para o efeito, não frustrou as expectativas. Foi a sua 26ª intervenção em parlamentos democraticamente eleitos, pelo mundo fora. Já havia por isso uma matriz: o objectivo de mobilização internacional para a causa ucraniana substanciava-se na excelência comunicacional, com um discurso bem estruturado e de forte carga emocional, robustecido por referências históricas, geográficas ou até de carácter civilizacional ao país e ao povo a que se dirigia.
Era esta última vertente da sua intervenção a que maiores expectativas suscitava. O resto não seria muito diferente, por muitos mais dados - e mais chocantes ainda - que a continuação da guerra infelizmente lhe permitiria acrescentar ao seu relato. Até apostas se faziam …
Não desiludiu, também nessa vertente mais ansiosamente aguardada. Referiu a dimensão populacional de Lisboa e do Porto para reforçar a imagem a passar sobre cidades completamente destruídas, e referiu-se à ditadura que vivemos e ao 25 de Abril, que vamos festejar por estes dias.
A referência geográfica ao Porto e a Lisboa não mereceu qualquer contestação ao Partido Comunista, que deixou as suas cadeiras vazias, mas não quis deixar de comentar a intervenção que não aprovara. Ainda admiti que o PCP se tivesse sentido insultado por Mariupol ser "tão grande quanto Lisboa", mas não. O insulto foi Zelensky referir-se à revolução dos cravos.
Não, senhora deputada Paula Santos. A senhora, porque foi a senhora que se prestou ao serviço, os seus outros cinco colegas de bancada, e os outros todos que mandam em vós os seis, é que hoje insultaram o 25 da Abril. E seguramente mais de 10 milhões de portugueses.
Hoje tenho mais um neto. Nasceu o Pedro, o meu quinto neto, e por isso estou em festa!
Ainda deu para assistir ao debate entre Macron e Marine Le Pen. E para perceber que foi Putin, a Rússia e a guerra na Ucrânia que mais "enterrou" a Senhora que ilumina extrema-direita na Europa. Para ficar a conhecer as razões por que o PCP vai amanhã estar ausente da sessão na Assembleia da República onde vai "tele-participar" Zelensky e para, sem surpresa, perceber como são tão "iguaizinhas" às da Senhora Le Pen.
Nada que me estragasse este dia de festa. Mesmo longe do melhor dos mundos...
Zelensky virá discursar na Assembleia da República, por videoconferência, se não ainda na próxima semana, pelo menos na que se segue.
Tarde de mais, dirão uns ... Lembrando-se que já passou, desta mesma forma, por grande parte dos Parlamentos nacionais dos principais países que fazem da democracia a sua forma de vida, pretendendo lembrar que costumamos chegar sempre atrasados a esta coisas, e esquecendo-se que o nosso só agora começou a funcionar.
Cedo de mais, dirão outros ... que andam sempre atrasados, presos não se sabe bem a quê. Nem cedo, nem tarde, diz o PCP, ao som cadenciado do martelo descravado da foice a espetar os últimos pregos no seu caixão. Que simplesmente não o quer ver por cá, sabe-se bem porquê... depois de tudo o que têm sido as suas inacreditáveis posições públicas perante a invasão russa e esta guerra.
Coerência? A tão apregoada coerência do PCP?
Talvez. Mas apenas a coerência de quem se agarra ao passado sem conseguir ver o que está a mudar, e o que há muito mudou. A coerência de quem fecha os olhos e se recusa a ver. A coerência da incoerência. Da mais absurda e hipócrita incoerência!
Não se percebeu bem se, ontem, o PCP terá usado o Campo Pequeno para uma tourada se para um espectáculo de circo. Tourada não terá sido, foi circo. Não houve touros, houve contorcionismo e muito malabarismo, e isso faz parte do circo.
No comício de ontem para assinalar o seu 101º aniversário o tema principal teria inevitavelmente de ser a guerra na Ucrânia, e girar à volta das posições públicas que o Partido tem manifestado a esse respeito. Sob palavra de ordem "paz sim, guerra não", o comício serviria para Jerónimo de Sousa reclamar que não caricaturassem a posição do PCP que, “sem equívocos, e ao contrário de outros, condena todo um caminho de ingerência, violência e confrontação”. E para afirmar que não defende Putin, e que nada liga o partido ao capitalismo vigente na Rússia.
E conseguiu fazer tudo isso classificando o poder na Ucrânia de xenófobo e belicista, imputando a "ingerência, violência e confrontação" à “administração norte-americana e o seu complexo militar industrial" e a responsabilizando pela invasão - palavra também abolida do discurso comunista - a “intensificação da escalada belicista dos EUA, da NATO e da União Europeia”, cobrindo em toda a extensão o argumentário de Putin.
No circo desta "nova campanha anti-comunista" o PCP dispensa ajuda. Faz os números todos sozinho!
Consegue perceber-se o alinhamento acrítico do PCP com o regime cubano, com o da Nicarágua ou com o da Venezuela. Consegue até perceber-se que encontre, agora, fortes afinidades com o regime chinês, quando ainda há pouco tempo - tempo histórico, naturalmente - não se podiam ver.
Nada é absolutamente é líquido, mas conhecendo-se a história do PCP, consegue perceber-se. Consegue perceber-se o alinhamento e a fidelidade de sempre com a então União Soviética, que fez dele o único Partido Comunista ocidental a obedecer caninamente ao PCUS até ao fim. Percebe-se o fascínio pela mãe Rússia. Já não se consegue perceber, de todo, o seguidismo e o fascínio pelo regime de Putin. Que contraria toda a sua doutrina e apoia, promove e financia a extrema direita pelo mundo fora, que o PCP garante combater. Não se consegue perceber como, no concerto internacional, possa surgir ao lado de Marine Le Pen, de Salvini, de Trump ou de Bolsonaro no apoio a Putin.
Mas estar do lado da guerra de Putin como se colocou, como manifesta no Avante, e como ontem expressou na Assembleia da República, o ainda líder parlamentar do PCP, João Oliveira, ultrapassa as fronteiras da racionalidade com a mesma violência com que Putin ultrapassa as da Ucrânia!
Um caça soviético MiG-29 interceptou, e forçou a aterrar em Minsk, um avião da Ryanair que, num voo de Atenas para Vilinius, atravessava espaço aéreo bielorrusso.
O pretexto anunciado foi a existência de uma bomba a bordo; o real foi o de deter um jovem bielorrusso, de 26 anos, conhecido opositor ao regime de Lukashenko desde a adolescência.
Aconteceu no domingo. Ontem, o jovem Roman Protasevich, jornalista e blogger, surgiu nas televisões a confessar os crimes de que o regime de Lukashenko o acusa, e declarar-se muito bem tratado pelas autoridades bielorrussas.
Um acto de pirataria aérea, uma detenção/rapto, e a exibição do prisioneiro a confessar aquilo de que é acusado e estar a ser muito bem tratado. Vemos isto em filmes e, aqui e ali, nos múltiplos cenários do terrorismo internacional. Praticado por um Estado é outra coisa.
Sabemos que Lukashenko é capaz disto e de muito mais. E que hoje a Bielorrússia não passa de um Estado pária. Que o PCP - sabemos também, embora sem o conseguirmos perceber - defende. Como defende o regime de Putin, que o sustenta. De tal forma que ontem, ao comentar o tema no canal de notícias da RTP, uma certamente ilustre representante do partido, não podendo fugir a um esboço de condenação do acto, encontrou um "mas". É sempre nos "mas" que está o busílis da questão.
O "mas" é que o jovem bielorrusso capturado é um agitador da extrema-direita nazi. E, aí está, isso legitima tudo. Até que isso, no mínimo isso, não seja exactamente Lukashenko. E Putin, evidentemente.
Não vale mesmo a pena tentar perceber esta coisa extraordinária do alinhamento internacional do PCP. É tempo perdido, e nunca encontraremos neurónios suficientes para tão gigantesca tarefa.
À medida que os resultados eleitorais foram sendo analisados começamos a surpreender-nos com as circunstâncias em que pela primeira vez, no regime democrático, a extrema direita chega ao Parlamento. Tínhamos mais ou menos por adquirido que o extremismo radical de direita, racista e xenófobo, mesmo que com algum acolhimento em alguns sectores da sociedade portuguesa, nunca teria expressão política que alguma vez lhe permitisse eleger um deputado que fosse. Afinal teve, e mesmo descontando os exageros da excitação do momento, que até já prometem triplicar a votação daqui a quatro anos, e governar daqui a oito, a tendência será mais para subir que para descer.
Mas não é essa a maior surpresa. O mais surpreendente é que este é o resultado da transferência directa de votos do eleitorado comunista. Tal como tínhamos por adquirida a falta de expressão política e eleitoral da extrema direita, dávamos por garantida a inamovibilidade do voto comunista, e por blasfémia qualquer hipótese de transferência para a extrema direita fascista.
Sabíamos que esta transferência de votos, ainda há poucos anos de todo imprevisível e inaceitável, estava a acontecer em muitos pontos da Europa. Sabíamos que, em França, o crescimento da Frente Nacional de Marie Le Pen tinha justamente acontecido assim, com o voto, anteriormente comunista, dos operários das grandes cinturas industirais do país. Mas em Portugal era diferente. Em Portugal o Partido Comunista mantinha-se forte e socialmente activo, enquanto por toda a Europa os seus congéneres há muito que tinham desaparecido.
Dizem alguns analistas que o fenómeno se explica pela globalização, pela transferência das indústrias para outras regiões do globo e pela nova economia dos países mais desenvolvidos, fortemente terciarizada, que tirou referências e futuro às massas proletarizadas, lançando-as para os guetos das sociedades modernas.
Acredito que sim, que seja esta a explicação. Mas também aqui há em Portugal algumas diferenças, e algumas coisas não batem certo. É verdade que poderemos rever esse quadro em zonas sub-urbanas da grande Lisboa, onde essa transferência de voto teve evidente expressão. Mas já não vemos nada disso em muitas zonas do Alentejo, onde esse fenómeno foi igualmente notório.
E lá voltamos, mais que à especificidade portuguesa, à especificidade do Partido Comunista Português. Quando, nos anos 70 e 80, se pôs fora do chamado euro-comunismo, na realidade a aceitação expressa do jogo democrático ocidental, em rotura com a mãe pátria União Soviética, o PCP fechou-se na sua aldeia gaulesa e acrescentou alguns anos ao seu prazo de validade. E isso permitiu-lhe adaptar-se, com sucesso - diga-se - às novas circunstâncias do pós queda do muro de Berlim, enquanto os então poderosos Partidos Comunistas de Itália (de Enrico Berlinguer), de França (de Georges Marchais) ou de Espanha (de Santiago Carrillo) iam desapareceram sem praticamente deixar rasto.
Mais de 30 anos depois todos os outros, com a geringonça, o PCP entrou activamente no jogo, e abandonou o seu último reduto, lá deixando muitos dos seus fiéis, agora perdidos, sem referências e perante mentiras que sempre lhe haviam sido dadas por verdades. E vice-versa.
E esta é a outra face da moeda. A que tem o escudo bem português!
De tempos a tempos o PCP tropeça nos conceitos da liberdade e da democracia, e lá cai com grande atrapalhação nas suas dificuldades de identidade. Não é surpresa para ninguém, e parece que toda a gente sabe lidar com isto: o PCP vai tentando que os intervalos entre esses tempos sejam cada vez maiores, tentando fintar a comunicação social para que não aproveite exactamente todas as oportunidades para o fustigar com a matéria.
Ontem voltou a ser dia de o PCP, mais que simplesmente tropeçar, chocar de frente com o tema e estatelar-se ao comprido.
Primeiro foi Jerónimo de Sousa, em entrevista ao Observador (pois... devia saber que cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém), atrapalhadíssimo com a democracia da Coreia do Norte (é verdade, é um clássico, mas o PCP não consegue resolver a questão!). Se não era uma democracia, era porque isso não passava de uma opinião. Ou não, o que era mesmo preciso discutir era o que é isso de democracia...
Depois, à noite, foi a vez de António Filipe ser completamente trucidado na RTP, no Prós & Contras, a insistir, mais uma vez atrapalhadíssimo, na defesa da indefensável legitimidade democrática do regime de Maduro na Venezuela.
Uma coisa é a fidelidade a princípios e valores que sustentam uma matriz ideológica. Outra, completamente diferente, é cristalizar na sua projecção, deixando de ver tudo à volta. Que é o que o PCP, indiferente ao tempo que passa e às gerações que mudam, continua a fazer.
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