Ontem foi notícia - em primeira mão no Observador, e depois replicada em toda a comunicação social - que o Ministério Público tinha aberto uma "averiguação preventiva" a Pedro Nuno Santos, pela compra de uma casa em Lisboa, e outra em Montemor-o-Novo.
O procedimento, idêntico ao utilizado para Luís Montenegro, decorreu de uma denúncia anónima. O objecto da denúncia - a compra das duas casas - já tinha sido notícia em 2023, e nessa altura esclarecido. Não é por isso muito difícil perceber a motivação dessa denúncia anónima, e não será especulação ilegítima afirmar que se pretendeu meter no mesmo saco as casas de Montenegro e as de Pedro Nuno Santos.
Não cabem no mesmo saco. Parece até que, para as de Montenegro, nem há saco em que caibam. Mas a reacção dos dois visados, essa, não tem mesmo comparação.
É que, enquanto Luís Montenegro continua a gaguejar, a responder ao que não lhe perguntam e a deixar sem resposta o que lhe perguntam, à espera que o tempo, e as eleições, tudo resolvam por esquecimento, Pedro Nuno Santos disponibilizou de imediato toda a documentação. E toda, é toda mesmo!
Chama-se a isto ir buscar lã e sair tosquiado. Ah ... e esta é bem apanhada: "as denúncias são anónimas, mas a verdade é pública"!
A Lili Caneças disse que Pedro Nuno Santos parecia que estava sempre a ralhar com toda a gente, e o líder do PS, não só lhe respondeu de imediato, como - é já visível - alterou alguns padrões de imagem.
Pedro Nuno Santos já não aparece como se estivesse zangado com toda a gente, e está a sair beneficiado, com uma imagem de cordialidade, de pessoa cordata e dialogante.
A Lili Caneças prestou um bom serviço ao Pedro Nuno mas, sob pena de ser acusada de parcialidade, ficou com a responsabilidade de um gesto idêntico a favor Luís Montenegro. Que já tarda.
Custa-me a perceber como é que a senhora ainda não disse que, naquele sorrizinho, Montenegro parece que está sempre a gozar com os portugueses ... Vá, Lili. Diga-lhe isso. Já não vai a tempo de evitar a tolerância de ponto da quinta-feira santa, mas vai ver que o Luís não volta a obrigar mais ministro nenhum a fazer piruetas, mortais, carpados e flic-flacs quando falar em défice para os próximos anos. E que ainda acaba a dizer que ... realmente ... aquele hino ... pronto, não é para levar a sério...
Para apurar tudo, tirar tudo a limpo - leia-se fritar o primeiro-ministro todos os dias durante mais de seis meses - e, então sim, conhecido tudo o que falta saber - leia-se, daqui a sete ou oito meses, já depois das autárquicas, e com o Presidente da República atado de pés e mãos ao final de mandato - apresentar a moção de censura.
Como em tácticas ninguém bate Montenegro - a última que consta é a de abrir tantas contas bancárias quantas as necessárias, para que os seus saldos nunca passassem dos 41 mil euros, que escapavam à declaração à Entidade da Transparência - é bem provável que, entre a frigideira da Comissão de Inquérito, e a loiça toda partida na moção de confiança, venha a preferir a segunda.
O primeiro-ministro, na forma como conduziu este processo da sua empresa familiar, abriu uma crise política de graves consequências no funcionamento do sistema político.
Criou uma autêntica bola de neve que vem dar gás ao discurso populista, e a quem só se sente bem na política se esta for uma pocilga repleta de choldra e lama. E desembocou numa situação política insustentável, que o deputado Rui Tavares, do Livre, descreve (bem) nestes termos:
“O país está numa situação em que o Governo não teria uma moção de confiança aprovada - portanto, chumbaria uma moção de confiança -, mas qualquer moção de censura também chumba. E, portanto, estamos com um Governo que não está nem morto, nem vivo.”
Isto é, a falta de lucidez, e a falta estatura política de Luís Montenegro acabaram a dinamitar o sistema político, ao mesmo tempo, por dentro e por fora. Por fora, activando o radicalismo anti-democrático da extrema-direita; por dentro, rebentando com as válvulas de segurança do sistema.
Não é a Luís Montenegro que cabem todas as responsabilidades. Ele tem a do pecado original - foi ele, e por ele, que a situação aqui chegou - mas há mais responsáveis.
Desde logo o PCP, a apressar-se a anunciar a moção de censura apenas para garantir mais uns meses de sobrevivência. A cavar mais fundo o seu descrédito: um partido que se rege por decisões colectivas, conseguiu em menos de um quarto de hora, num sábado à noite, produzir aquela decisão.
E, claro, acima de todos, Pedro Nuno Santos. Em apenas trinta segundos o líder socialista anunciou mandar o Governo abaixo (se este apresentar uma moção de confiança); e manter o Governo em funções (inviabilizando a moção de censura que o PCP). Se Luís Montenegro fosse ainda tomado por algum laivo de decência, e decidisse submeter-se a uma moção de confiança, Pedro Nuno Santos cortou com essa possibilidade de decência.
É o regime na sua mais crua degenerescência.
Valha-lhe Francisco Assis: “Exige-se um esclarecimento: ou o Governo é sério e apresenta uma moção de confiança ou, caso contrário, o PS deve apresentar uma moção de censura.”
O secretário de Estado do Ordenamento do Território, Hernâni Dias, já membro do governo, criou duas empresas que podem beneficiar com a nova Lei dos Solos, da tutela do Ministério a que pertence. E, como é fácil de perceber pela própria designação da Secretaria de Estado, das suas próprias funções governamentais.
É grave, claro que é. Mais, ainda, é que Montenegro não tenha uma palavra, ou uma acção, sobre o caso. Que deixe seguir a marcha, mandando às urtigas a ética e a moral que na oposição sempre apregoou. Ou que não perceba, ou finja não perceber, que não tem, nem ele nem já ninguém - já todos esgotaram os créditos todos -, espaço para proteger e defender os seus à margem dos princípios.
Todos. Até os que pudessem estar mesmo convencidos que seria o Chega a limpar isto. Depois das malas do deputado Miguel Arruda, e de tudo o que se tem sucedido, desses já não há. Só restam os da fé. Podem até continuar a ser muitos, mas apenas e só por fé!
Todos, menos o Almirante. Esse - claro! - esfrega as mãos de contente com isto tudo. Nunca nada é mau para todos!
Pedro Nuno Santos anunciou a viabilização do Orçamento para o próximo ano. Dissertou sobre tudo o que justificava que não o fizesse, com clarividência. Mas acabou por justificar a decisão inversa da que justificara com as condições objectivas do momento político.
Só que as que apresentou não são conhecidas de agora. São conhecidas há seis meses. As que foram agora conhecidas, e que Pedro Nuno Santos não apresentou, foi a catrefada de gente grande do seu partido que, mesmo depois de os ter mandado calar, continuou a dizer publicamente que ele não podia fazer outra coisa.
Pedro Nuno Santos foi calado pelos que tinha mandado calar. E eram muitos. De mais. Tantos que fica em muito maus lençóis!
Foi maçador e pouco edificante o "debate dos debates", ontem, entre aqueles dois donde sairá o próximo primeiro-ministro. O atributo-mor que os ditos analistas atribuem a estes debates é o adjectivo esclarecedor.
Pretende-se, ou deseja-se, que sejam esclarecedores. Normalmente nunca são. No que de ontem teve de esclarecedor só se deu por um esclarecido - sem ser esclarecido, ninguém consegue ser esclarecedor. Em apenas dois pequenos esclarecimentos, mas afinal grandes.
Pedro Nuno Santos foi esclarecido quando esclareceu que às forças de segurança compete cumprir e fazer cumprir a lei, e com isso defender a população. E que nenhum governo pode negociar sobre pressão. Voltou a ser esclarecedor quando, esclarecido, afirmou não inviabilizar a posse do governo do adversário no caso de não ganhar as eleições.
Foi pouco, mas não é pouco. Foi o suficiente para ficasse esclarecido que Montenegro não tem esclarecimento.
Como se esperava, e o PSD tinha já anunciado no seu Congresso, Pedro Nuno Santos é o novo secretário geral do PS e, por isso, candidato a primeiro-ministro. Ganhou as directas com larga vantagem (62%) a José Luís Carneiro (36%) - o meu conterrâneo, Daniel Adrião (menos de 1%), nem sequer entrou nas contas -, confirmando que, nos partidos, quaisquer que sejam, o que realmente conta é a máquina.
A máquina não se descuida, toma conta de tudo. Pedro Nuno Santos não é o descabelado esquerdista que se anunciou. Mem a máquina nunca permitiria que o fosse, produzindo de imediato os entusiásticos apoios de Francisco Assis, Álvaro Beleza e Sérgio Sousa Pinto.
Posso estar enganado, mas não me parece que o discurso do novo líder do PS, que é também um líder novo, consiga entusiasmar o país como entusiasma a máquina.
A telenovela da CPI à TAP chegou aos últimos episódios. Como é próprio do guião do género, os últimos episódios são os mais entusiasmantes, e o inevitável final feliz começa a anunciar-se.
As oito horas da audição de hoje de Pedro Nuno Santos seguiram o guião à risca. E no último episódio, anunciado para amanhã, Fernando Medina já sabe que não terá o papel principal. Nem volta a dar ao final feliz do ex-ministro e futuro sabe-se lá o quê. Se calhar o que quiser...
Foi preciso que a CEO da TAP fosse ao Parlamento para o ex-ministro Pedro Nuno Santos "reconstruir a fita do tempo" e lembrar-se que, afinal, teve conhecimento da indemnização à tal senhora. A tal que, depois de receber os 500 mil euros, ele nomeou para o topo da gestão da NAV.
Não tivesse a senhora Christine Ourmiéres-Widener ido à Assembleia da República dizer que o accionista tinha sido informado, e que tinha autorizado a indemnização, e Pedro Nuno Santos ainda continuaria sem dela ter tido conhecimento, e até a achar inaceitável, e de bradar aos céus, que uma empresa que vive com com dinheiro do contribuinte, e com o que cortou nos salários dos trabalhadores, possa dar 500 mil euros a alguém.
Se é sobre esta coluna vertebral que se ergue a esperança do PS, venha ela do lado direito ou do esquerdo, estamos entendidos...
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